Cidades

Afetados pelo afundamento do solo causado pela mineração de sal-gema realizam ato em Maceió

Moradores se concentraram em um ponto da Avenida Fernandes Lima para mostrar que a tragédia não pode ser esquecida

Por Lucas França com Tribuna Hoje 03/03/2023 11h30 - Atualizado em 03/03/2023 21h42
Afetados pelo afundamento do solo causado pela mineração de sal-gema realizam ato em Maceió
Moradores e ex-moradores dos bairros atingidos realizam ato dos cinco anos da tragédia causada pela Braskem - Foto: Sandro Lima

No dia 3 de março de 2018, um tremor de terra causou pânico em Maceió. O abalo sísmico foi sentido nos bairros do Pinheiro, Serraria, Farol, Bebedouro, Jatiúca e Cruz das Almas, segundo registros do Corpo de Bombeiros Militar de Alagoas. O asfalto cedeu em algumas ruas e diversas residências começaram a apresentar fissuras e rachaduras.

Após 14 meses de estudos, o Serviço Geológico do Brasil, órgão do governo federal, apontou a mineração de sal-gema da mineradora Braskem como causa daquela que é considerada a maior tragédia socioambiental em área urbana do mundo.

E na manhã desta sexta-feira, 3 de março de 2023, cinco anos após a tragédia, moradores dos bairros afetados realizaram um ato na Avenida Fernandes Lima, no bairro do Farol, em frente ao Cepa, para mostrar que a história não será esquecida.

Um rastro de destruição, desespero e revolta tomam conta de parte sociedade alagoana. A sensação que se tem é que esta tragédia foi ontem e não tem data para terminar. Com sentimentos de revolta e injustiça, os moradores usaram cartazes, faixas e carro de som para chamar atenção da população contra o prejuízo financeiro e psicológico que eles sofreram e vêm sofrendo devido à mineração que provocou a tragédia.


Para os moradores não há reparação, o prejuízo é incalculável. Foram-se vidas, histórias, empregos e boa parte da memória afetiva e da riqueza histórico-cultural da cidade.

Mais de 60 mil famílias tiveram que deixar suas casas e hoje ainda lutam por uma indenização justa para recomeçar suas vidas.

Para o jornalista, empresário e presidente da Associação dos Empreendedores no Pinheiro e Região Afetada pela Braskem, Alexandre Sampaio, a impunidade imperou e o crime em Alagoas compensa.

"O balanço é simples. O crime compensa. São cinco anos e ninguém foi responsabilizado, punido ou preso. Nem na Braskem, nem nos órgãos coniventes com ela, como a ANM – Agência Nacional de Mineração, o Ministério das Minas e Energia, órgãos de fiscalização e licenciamento ambiental. Cometer um crime dessa magnitude e sair absolutamente impune é um incentivo ao exercício ilegal da mineração'', disse Sampaio.

Ainda segundo ele, os acordos provaram para a história que o crime compensa. "Garantiram à Braskem uma economia de R$ 20 bilhões em indenizações, não há valorização de suas ações na bolsa, e negócios imobiliários futuros de R$ 40 bilhões, mais do que o valor de mercado das ações do grupo controlador da mineradora'', denuncia.

Moradores e ex-moradores ressaltam sua indignação contra impunidade da Braskem

Para Neirevane Nunes, integrante do Movimento Unificado das Vítimas da Braskem (MUVB) e ex-moradora do bairro de Bebedouro, são cinco anos de impunidade e injustiça. Ela afirma que a empresa deveria já responder criminalmente.

"Essa empresa infratora deveria estar respondendo criminalmente e isso não está acontecendo em nenhuma instância. Além disso, são cinco anos massacrando as vítimas, oferecendo indenizações vergonhosas que não chegam nem à metade do valor oficial do imóvel. Isso sem contar que aumentaram os valores dos imóveis em demais bairros de Maceió, justamente por conta dessa tragédia. O que a Braskem oferece não tem como recomeçar a vida com dignidade'', comenta Nunes.

Nunes denuncia que os documentados dos imóveis apresentados pela empresa não batem com suas características. ''São só absurdos e nós queremos Justiça. O que nos deixa mais indignados é que tudo isso acontece com aval do poder público. Não aceitamos o acordo de 2020, pois favorece à Braskem - ele nivela tudo por baixo. E ainda tem esse valor do aluguel social, é uma humilhação. A gente tem que tirar dinheiro do próprio bolso para completar um aluguel, pois o oferecido é apenas de R$ 1.000. Vem muita coisa errada, a empresa quer pagar R$ 40 mil por danos morais, isso por núcleo familiar. E para piorar quem perdeu seus negócios nem direito a esses danos terá''.

Neirevane Nunes, ex-moradora de Bebedouro diz que dinâmica familiar foi extremamente afetada (Foto: Sandro Lima)



"Esses cinco anos afetaram a dinâmica do meu núcleo familiar. Afetaram as nossas vidas por completo. É emprego longe de casa, são parentes morando distantes. Enfim... havia um vínculo forte entre a comunidade que foi rompido, raízes e referências foram tiradas de nós" finalizou Neirevane.

A ex-moradora do Pinheiro Elisa Moraes também segue insatisfeita com a impunidade e afirma que o ato desta sexta-feira, 3 de março de 2023, é para mostrar que a sociedade não esqueceu e nem pode esquecer a tragédia.

"As pessoas não podem esquecer o 3 de março, desastre que continua acontecendo em Maceió. O que foi feito em relação ao crime não foi justo. A Braskem ditou os termos todos esses anos. Isso não pode cair no esquecimento. Esperamos que haja indenização justa tanto para os que já saíram das casas quanto pelos que estão lutando ainda por Justiça e para serem realocados com indenizações justas’’, disse Elisa, lembrando que os moradores dos Flexais em Bebedouro precisam ser ouvidos e realocados, pois seguem em isolamento social.

Elisa Moraes afirma que ato é para as pessoas não esquecerem da tragédia (Foto: Sandro Lima)



Josinete Luciano, professora aposentada e uma das vítimas, disse que já perdeu as esperanças da justiça. “O que vejo e sinto é que fazem pouco caso do que aconteceu. Soube que 11 pessoas se mataram devido a isso. E ainda sim, cinco anos e essa impunidade. O que me deixa entristecida ainda mais é que tratam como um fenômeno, uma catástrofe e não é, foi um crime, é um crime. E é cruel demais – perdi minha mãe devido a tudo que aconteceu. Ela não aguentou sair de sua casa e acabou vindo a falecer de tristeza, de desânimo. Eu estou tentando me levantar, me sinto como se caísse de um prédio de 10 andares e quebrado todos os ossos. Perdi as esperanças de Justiça, não só pela casa, mas pela vida, história''.

Já Jorge Gonzaga, que ainda mora no Pinheiro, diz que a esperança por Justiça e direitos continua. ''Estamos diante das maiores catástrofes ambientais e do maior golpe do mundo. Fomos enterrados vivos, em cova rasa. A Braskem foi esperta em suas ações. Sigo no bairro, pois não saio sem uma indenização justa. São cinco anos e parece que nada aconteceu para os órgãos e ‘políticos’, pois não são eles que vêm sofrendo como a gente sofre. Isso é uma vergonha mundial. Mas estamos lutando por nossos direitos, no Pinheiro ainda tem 27 moradores – E a Braskem quer fazer um acordo ridículo, mas não iremos cair nessa. Não queremos nada de prefeitura, nada de ninguém. Queremos o que é nosso por direito. Parece que a população que está errada, e não é, errada é a Braskem''.

Ainda morando no Pinheiro, Jorge Gonzaga afirma que só sairá com o que for justo (Foto: Sandro Lima)



A dona de casa Ednete dos Santos também ressalta que a mineradora deve prestar contas do que deve. "A Braskem ainda tem que prestar contas para os moradores, estamos nessa luta. Estou correndo atrás dos prejuízos, não fomos ressarcidos-, então estamos engajados para que todos os culpados sejam punidos e assumam suas responsabilidades''.