Cidades

MPF começa a apurar crime ambiental na Praia do Francês

Procedimentos foram abertos para investigar danos à natureza com a extração de areia na região de Dunas do Cavalo Russo

Por Ricardo Rodrigues - especial para Tribuna Independente 03/02/2023 10h31
MPF começa a apurar crime ambiental na Praia do Francês
Órgãos terão que prestar informações sobre extração areia no Francês - Foto: Edilson Omena

A extração de areia na Praia do Francês, para tamponamento das minas de sal exploradas pela Braskem, começou a ser investigada pelo Ministério Público Federal em Alagoas (MPF/AL). A denúncia de crime ambiental, que serviu de base para as investigações, foi publicada com exclusividade pelo jornal Tribuna Independente, no último dia 27 de janeiro.

Segundo a assessoria de comunicação do MPF/AL, foram expedidos ofícios à Prefeitura de Marechal Deodoro, à Braskem, ao Instituto do Meio Ambiente de Alagoas (IMA/AL), à Agência Nacional de Mineração (ANM), ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e à Polícia Federal de Alagoas (PF/AL), “para que apresentem, dentro do prazo estabelecido, informações sobre a atividade minerária de extração de areia que vem sendo realizada nas imediações da Praia do Francês, a qual foi objeto de denúncias no órgão ministerial”.

Ainda de acordo com a assessoria do MPF/AL, os fatos narrados nas representações guardam relação indireta com o desastre ambiental ocorrido em Maceió em decorrência da extração de sal-gema pela Braskem.

O Ministério Público lembra que nos Termos do Acordo Ambiental e Sociourbanístico, pactuado pelo órgão ministerial em dezembro de 2020, restou pactuado que a Braskem executaria o fechamento das minas, conforme planos devidamente aprovados pela ANM, visando à estabilização das cavidades.

“O termo ainda determinou que, nos casos de preenchimento com areia, deveriam ser consideradas opções que minimizassem o impacto ambiental dessa atividade, e que, considerando a natureza degradadora da extração mineral, deveria ser comprovado que a areia utilizada pela Braskem e suas subcontratadas fora obtida de fontes devidamente licenciadas, conforme legislação ambiental vigente”, justifica o órgão ministerial.

“Embora ainda em 2020 a Braskem tenha apresentado cópias das licenças emitidas pelo IMA/AL e pela ANM aos seus fornecedores, notícias recebidas pelo MPF na semana passada acusam ao menos duas pessoas jurídicas de estarem explorando a atividade extrativista de maneira irregular, causando danos ambientais”, relatou a assessoria de comunicação do MPF/AL.

“Diante desse novo cenário, o MPF de Alagoas expediu ofício à Braskem indagando se as empresas continuavam a figurar como fornecedores de areia para preenchimento das minas. Também foi remetido ofício à Prefeitura de Marechal Deodoro pedindo esclarecimentos, em dez dias, sobre eventual emissão de licenças ambientais para a extração mineral”, acrescentou.

LICENÇA AMBIENTAL

Os órgãos ambientais que autorizaram a extração e veda da areia, com base numa Licença Ambiental que teria sido expedida pela Prefeitura de Marechal Deodoro, terão que se explicar.
“O IMA/AL e a ANM terão prazo de 15 dias para também informar se emitiram, respectivamente, licença ambiental e licença minerária. Ambos os órgãos deverão realizar fiscalização nas localidades, com o intuito de verificar se a exploração de areia, pelos empreendedores, está obedecendo o polígono estabelecido pela eventual licença”, diz o MPF/AL.

Segundo o Ministério Público Federal, O IMA/AL ainda deverá verificar se a atividade acarretou danos ambientais, os quais deverão ser descritos de forma pormenorizada, com a indicação das medidas necessárias à reparação. “Caso o polígono definido na eventual licença não estiver sendo obedecido, a ANM deverá informar sobre a possibilidade de se estimar o montante de minério extraído irregularmente, quantificando eventual prejuízo gerado à União”.

Investigação envolve até o patrimônio histórico

Em razão da existência de sítios arqueológicos no Município de Marechal Deodoro, o MPF informou que “também solicitou que o Iphan informe, no prazo de 15 dias, se as empresas apresentaram Ficha de Caracterização da Atividade (FCA) para fins de licenciamento ambiental e se houve definição do enquadramento dos empreendimentos quanto ao componente arqueológico, encaminhando, em caso positivo, cópia da íntegra dos processos administrativos correspondentes”.
Como o município de Marechal Deodoro foi tombado, em 2009, pelo Iphan, a denúncia de crime ambiental na Praia do Francês será objeto de investigação também no âmbito do patrimônio público do Brasil.

“O MPF também requereu que o Iphan esclareça se emitiu Termo de Referência Específico (TRE) aplicável aos empreendimentos e se este foi encaminhado ao IMA/AL. Solicitou ainda que seja realizada fiscalização para verificar se a exploração de areia acarretou algum impacto no patrimônio arqueológico ou danos ao meio ambiente cultural, os quais deverão ser descritos com a indicação das medidas necessárias à reparação ou mitigação”, informou o MPF/AL.

Caso o crime ambiental seja confirmado, os responsáveis pelos danos ambientais e aqueles que ganharam dinheiro com a exploração de areia irão responder a processo judicial e criminal.
Por isso, o Ministério Público Federal expediu ofício à Superintendência da Polícia Federal solicitando que, no prazo de dez dias, informe se foi instaurado algum inquérito policial sobre a denúncia de crime ambiental, apontando, em caso positivo, o número do procedimento investigativo.

“Com a chegada das respostas e esclarecimentos técnicos, será possível avaliar quais as providências concretas que deverão ser tomadas em relação a cada uma das áreas de exploração mineral”, concluiu a assessoria do MPF/AL.

Dunas do Cavalo Russo são parte de área de preservação ambiental

Conhecidas por suas belezas naturais e pela exuberância da sua biodiversidade, as Dunas do Cavalo Russo é uma área de preservação ambiental, localizada entre Trevo do Francês, em Marechal Deodoro, e a Barra de São Miguel, no Litoral Sul de Alagoas.

De acordo com o Instituto do Meio Ambiente (IMA), como está localizada numa região de restinga e abriga um bioma bem característico, toda a extensão das Dunas do Cavalo Russo estão dentro e uma área de proteção ambiental. Por isso, a extração de areia no local configura crime ambiental.
Não por acaso, a assessoria de comunicação do instituto divulgou no seu site oficial uma reportagem sobre as Dunas do Cavalo Russo, informando que aquele bioma vem sendo estudado e acompanhado pelo Herbário MAC do IMA. Na reportagem, o órgão ambiental cita a extração de areia como uma das causas das agressões à natureza, naquela região.

“Nos últimos anos, a comercialização de plantas locais, depósito de lixo, retirada de areia para construção e dentre outras ações acabaram trazendo desequilíbrio ecológico. Sendo necessário estudos florísticos e análise do impacto causado por essas atividades antrópicas nas Dunas”, afirmam os técnicos do IMA, referindo-se aos desastres ambientais na região das Dunas do Cavalo Russo.

HERBÁRIO DO IMA

De acordo com a assessoria do Instituto, o Herbário do IMA já catalogou cerca de 300 espécies nessa localidade, sendo 38% ervas, 33% árvores, 19% arbustos e 9% trepadeiras. Também foi constatado, por meio de estudos realizados, que a área conta com 11 espécies de orquídeas e 38 espécies de fabaceae. Além da presença de mangaba e cactos por toda a extensão das dunas.

Na matéria do IMA, a curadora do Herbário MAC, Rosângela Lemos, explicou que “a região também é abrigo para animais ameaçados de extinção e que os trabalhos de preservação nas Dunas do Cavalo Russo são fundamentais para garantir a permanência de fauna e flora nativas”.

Segundo Rosângela Lemos, esse estudo continua e tem como objetivo ressaltar que, apesar da devastação, esse ambiente ainda possui traços marcantes de sua vegetação natural. Por isso, é necessário preservar e divulgar a importância dessa região para a preservação do ecossistema.
A curadora do Herbário do IMA destacou ainda a importância de se preservar a vegetação rasteira da área, a exemplo da salsa da praia, que ajuda na fixação e manutenção dos sedimentos arenosos de formação das dunas.

O instituto informa ainda que trabalhos de catalogação e estudos florísticos continuam, inclusive com visitas dos pesquisadores na área. Tudo isso, com o objetivo de catalogar mais espécies identificadas, contribuindo diretamente nos planos de preservação da fauna e flora da região.