Cidades

Ações de Natal sofrem com queda nas doações

Com cenário de crise financeira e alta de preços, entidades têm dificuldades, mas buscam superação e mantêm solidariedade

Por Emanuelle Vanderlei - colaboradora / Tribuna Independente 24/12/2022 08h10 - Atualizado em 24/12/2022 11h44
Ações de Natal sofrem com queda nas doações
Mesmo com dificuldades, Cozinha Solidária do MTST vai realizar o Natal da Tereza de Benguela - Foto: Cortesia

As ações de solidariedade são praticamente uma tradição nesse período natalino. Iniciativas de diferentes naturezas costumam aparecer com o objetivo de apaziguar o sofrimento das populações mais vulneráveis socialmente, principalmente as crianças. Esse ano, com o cenário de crise financeira e preços nas alturas, a dificuldade foi maior. Alguns projetos não conseguiram realizar, mas muitos estão se adaptando para fazer o que é possível.

Um exemplo é o Natal da Cozinha Solidária do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto em Alagoas (MTST). Na véspera de Natal sempre acontece uma grande ceia com a comunidade que faz a luta por moradia em Alagoas. Eliane Silva, coordenadora do movimento, explica que estão sofrendo muita dificuldade, com falta de estrutura e apoio do poder público, mas vão realizar a ceia esse ano.

“São famílias que vivem em situação de vulnerabilidade social, que vivem situações de moradia precária, sem saneamento básico, sem água adequada, sem iluminação. A iluminação através de gatos e aí essa ocupação ela pertence ao MTST. Todo ano a gente realiza. Agora neste sábado [24] nós estamos fazendo o jantar solidário. Até aqui não recebemos doações, apoio de ninguém, mas a gente está se organizando entre nós mesmo e realizando isso pra poder realizar o Natal solidário com as famílias da ocupação”, relatou ela.

A ação do MTST acontece na ocupação Tereza de Benguela, localizada na Avenida Alice Carolina vizinho ao terminal do Village Campestre II. Segundo Eliane, “lá tem cerca de 350 famílias, a maioria com mulheres chefes de família, mães solo. Tem um público grande, e nós vamos realizar, concentrar a nossa ação para esta ocupação, este ano”.

Para lidar com a dificuldade, fizeram campanha e uma vaquinha nas redes sociais. “Pra ver se a gente consegue doação para realizar esse Natal com as família que faz parte da nossa cultura, realizamos todo ano”.

Atitude espontânea em Cajueiro vira tradição e ganha outras cidades

Em Cajueiro um pequeno gesto espontâneo cresceu e já almeja se tornar instituição com ações permanentes. Natan Moreira, idealizador do Arretado Solidário, conta como foi.

“Em 2015 eu e alguns amigos vimos uma necessidade muito grande aqui na nossa cidade, em Cajueiro, de fazer alguma coisa. Aí a gente comprou algumas coisas, ganhou outras e começou a entregar pras crianças. Eu peguei uma fantasia emprestada, me vesti de Papai Noel, chamei o tio de uma dessas pessoas que tem um carro aberto, a gente saiu distribuindo guloseima”.

A ação chamou atenção, e se repete até hoje. “No outro ano a gente fez de novo. Só que aí já outras pessoas compareceram para ajudar a entregar esses brinquedos. No outro ano a gente fez de novo. E isso foi crescendo cada vez mais até que hoje a gente conseguiu deixar essa ação um pouco maior, já conseguiu fazer em Cajueiro, Viçosa, Atalaia, Capela, São Luís do Quitunde e continuamos ajudando essas pessoas tanto no Dia das Crianças quanto no Natal”.

Projeto Arretado Solidário leva esperança a famílias no Natal e Dia das Crianças em cinco cidades (Foto: Cortesia)

Para o idealizador, o objetivo do Solidário Arretado é mais simbólico. “O nosso lema é o bem da esperança. Por quê? Porque nós sabemos que uma cesta básica doada no Natal foi um presente, que uma brincadeira feita no dia das crianças não vai mudar a vida daquela pessoa. É impossível que aquilo mude a vida daquela pessoa, mas nós sabemos que isso dá esperança e a nossa missão aqui na terra não é dar cesta básica, dar brinquedo, dar guloseima. É dar esperança. Porque cesta básica a prefeitura pode dar. Né? Cesta básica um político pode dar. A esperança não é todo mundo que pode dar. A forma como nós entregamos, a forma como nós chegamos e conversamos com aquelas famílias. Nós gastamos o nosso tempo e a nossa energia pra cuidar daquelas pessoas naquilo que elas mais precisam. Que é dar esperança que talvez elas não tenham mais. Dar uma palavra de conforto, uma palavra de esperança, essa é a nossa missão”.

Animado com os resultados, ele pretende estender para continuar ao longo do ano. “A nossa intenção agora é realmente formalizar como uma associação, como uma ONG [organização não governamental] pra que a gente possa chegar a mais pessoas e de uma forma mais contínua que não seja só em datas específicas”.

Projeto busca alcançar crianças de zona rural no Sertão alagoano

No Sertão Alagoano, um projeto iniciado no ano passado busca levar o Natal para quem normalmente não tem acesso. Valdenis Santos teve a ideia e já conseguiu contemplar 500 crianças com o brilho do Natal nos municípios de Santana do Ipanema, Piranhas e Inhapi.

“O intuito é levar brinquedos e guloseimas para as crianças do Sertão, do sítio, aquelas crianças que não têm oportunidade. Aquelas crianças que ninguém chega, porque raramente alguém quer ir ao sítio, porque o acesso é muito complicado. Na primeira edição quando eu fui, tinha acontecido uma cheia nesta região, aí pra passar tem que ir a pé ou de moto, o carro não passava, era a maior buraqueira. Tinha que deixar o carro e seguir a pé. Levar o brinquedo para a criança”, destaca Santos.

Este ano, em sua segunda edição, Valdenir se assustou com o salto nos preços dos brinquedos, e não conseguiu alcançar o mesmo número de crianças que em 2021. “Ano passado chegamos a 300 crianças. Este ano conseguiu 200 só, por conta das dificuldades”.

Ele conta que a inflação foi desproporcional. “O preço aumentou muito. Pra você ver, bolas, quando fui comprar, estavam custando R$ 70. Ano passado estava 24”. Na primeira vez eles levaram guloseimas, dessa vez só vai ser possível levar brinquedos.

Idealizado por Valdenis Santos (centro), projeto leva presentes para crianças que moram em locais de difícil acesso (Foto: Cortesia)

“Ano passado, a gente teve uma faixa de quase 200 pacotes de guloseimas que uma pessoa só doou com biscoito, pipoca e doces. Este ano só conseguiu doar brinquedo. Sempre estamos buscando crescer para alcançar mais pessoas ainda, várias pessoas doaram de coração, falaram ‘este ano tá um pouco difícil, mas não vou deixar de ajudar no Natal de vocês no Sertão’”

A inspiração veio do trabalho com crianças. Ele é funcionário de uma escola particular em Maceió e quis fazer algo pelas crianças que não têm acesso. “A gente sabe que o que mais tem é criança precisando de ajuda, e eu amo trabalhar com criança. A gente busca aquelas que ninguém chega, porque moram longe, a gente sabe que as Prefeituras fazem, mas não conseguem abranger todo mundo, aquelas crianças desprezadas que ninguém ia levar. Chegar lá é a maior alegria, faço pra mim, porque amo mesmo, levar alegria para as crianças”.

O projeto foi uma iniciativa dele, que inicialmente não contou muito com o apoio dos amigos. Mas com o tempo foi mostrando imagens da realidade local, comprando as coisas, e as pessoas acreditaram e começaram a ajudar. “Penso em ano que vem fazer também no dia das crianças, mas o foco mesmo é o natal. “Pra levar aquela alegria pra elas, mesmo do Natal. Ganhar um presente no dia do Natal mesmo é completamente diferente do que ganhar qualquer outro dia”, acredita Valdenis.