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Importunação sexual: Alagoas é o segundo estado do país em aumento de casos

O alvo, em sua maioria, são as mulheres indicando um crescimento de 117,3%, de casos entre os anos de 2020 e 2021

Por Ana Paula Omena com Tribuna Hoje 02/12/2022 14h45 - Atualizado em 02/12/2022 15h34
Importunação sexual: Alagoas é o segundo estado do país em aumento de casos
4 em cada 10 mulheres já sofreram importunação sexual no Brasil - Foto: Imagem ilustrativa

Cantadas invasivas e atitudes como beijar, encoxar ou passar a mão são considerados atos libidinosos, tipificados como crime pela lei 13.718, também conhecida como Lei de Importunação Sexual, promulgada em setembro de 2018. Alagoas é o segundo estado do Brasil com maior aumento de casos do crime, que tem como alvo, em sua maioria, as mulheres, indicando um crescimento de 117,3%, entre os anos de 2020 e 2021. Os dados são do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2022.

De acordo com o levantamento, foram 77 registros em 2020 contra 168 no mesmo período de 2021. No estado são comuns ocorrências envolvendo o crime de importunação sexual, e um dos casos que ganhou repercussão foi o da servidora pública Adriana Thiara Oliveira no dia 13 de novembro passado, na orla de Maceió.

Sua principal motivação em denunciar o crime foi convidar outras mulheres a denunciarem e não silenciarem diante deste tipo de violação. Acompanhe o relato da vítima:



Mas ela não está sozinha nessa triste estatística, quem precisa sair de casa para ganhar o pão de cada dia e usar o ônibus como o único meio de transporte, sente na pele o que é ser importunada. Uma comerciante, que preferiu não ser identificada, revelou que já passou várias vezes pela situação dentro do transporte coletivo.

“Uma vez um cara ficou do meu lado, só para ficar olhando fixamente para os meus seios, já me chamaram de gostosa, já passaram a mão nas minhas nádegas e peguei briga por conta disso, mas não deu em nada, a gente se sente muito vulnerável nestas situações”, revelou.

Outra mulher que foi vítima de importunação sexual diz que a situação é bem constrangedora, principalmente quando acontece dentro do ônibus, onde os homens se aproveitam da superlotação para se esfregar nas mulheres. “É muita humilhação, a gente fica sem chão, comigo não foi somente uma vez que aconteceu, um homem sentou do meu lado e começou a se masturbar, levantei depressa e fui para o fundo do ônibus, fiquei com medo e não esbocei reação alguma, ninguém percebeu”, contou.

Verônica Lígia, nome fictício, também sabe o que é sofrer este tipo de crime, ela relatou que aconteceu no encerramento de um show quando já atravessava a rua. “Estava com uma prima e uma amiga dela quando um homem passou por mim e passou a mão na minha vagina, ele parecia está bêbedo, faz algum tempo isso, eu era jovem, mas nunca esqueci, hoje tenho 42 anos e vai não vai essa cena nojenta vem na minha mente”, desabafou.

45% das mulheres já tiveram o corpo tocado sem consentimento em local público

Espaços lotados são os mais recorrentes entre os casos de importunação


Uma pesquisa inédita realizada este ano pelo Ipec e o Instituto Patrícia Galvão, com apoio da Uber, revelou que 45% das mulheres no Brasil já tiveram o corpo tocado sem consentimento em local público, mas apenas 5% dos homens admitem a prática.

Já em relação aos homens, nenhum reconheceu que praticou importunação ou assédio sexual no transporte público.

De acordo com Marisa Sanematsu, diretora de conteúdo do Instituto Patrícia Galvão, os números refletem, principalmente, que essas práticas invasivas se tornaram rotina na vida das mulheres e que os homens não assumem.

"Lógico que não temos apenas grupos de quem sofreu um assédio e de quem causou. Mas quando analisamos em termos de pesquisas, que deve refletir a sociedade brasileira, chama atenção. E a pergunta que se coloca é: se os homens naturalizam, ou seja, normalizam as práticas, e não encaram como uma importação, coisa invasiva. Ou então, se conforme temos visto, a percepção de impunidade acaba favorecendo esse tipo de atitude".

MACHISMO ESTRUTURAL

O psicanalista Alexandre Coimbra afirma que maioria dos homens no Brasil não sabe o que é importunação sexual. "Eles não querem saber e têm raiva de que é uma lei, porque isso fere o princípio mais básico do machismo estrutural, que é ele possuir o corpo do outro".

"E é a partir desse preceito, a lógica dele é de dominação, ou seja, 'eu preciso dominar o outro, mesmo que ele, a princípio, me diga que não'. O 'não' é escutado por esse homem que sustenta essa lógica machista de se sentir mais dono do mundo e entre as propriedades estão os corpos das mulheres".

SUBNOTIFICAÇÃO

Conforme a Polícia Civil de Alagoas (PC), inúmeros casos chegam rotineiramente nas delegacias do estado, mas o quantitativo pode ser muito maior devido ao medo das mulheres de denunciar.

Para se ter uma básica dimensão, no mês de setembro deste ano, foram sete denúncias de importunação sexual somente na capital alagoana. Ana Luiza Nogueira, titular da Delegacia Especializada da Mulher, ressaltou que importunação sexual é crime e que o agressor pode pegar até cinco anos de prisão.

A autoridade policial afirmou o quanto é importante às mulheres vítimas do crime procurem as delegacias da Mulher para registrarem a ocorrência. “Havendo a declaração dela e os suportes probatórios, o agressor vai ser responsabilizado penalmente ", destacou.

"É importante ressaltar que importunação sexual é crime, que acaba causando abalos psicológicos nas vítimas. Por isso, não se intimidem, denunciem", pontuou a delegada.

Sobre a importunação sexual, Ana Luiza lembrou que até bem pouco tempo esses casos não eram denunciados porque a sociedade não o via como crime.

“As vítimas contam sobre a ocorrência da importunação sexual mais em locais públicos, mas podem ocorrer em outras situações também”, acrescentou.

O advogado Criminalista, Welton Roberto, explicou como as mulheres devem agir em situações de importunação sexual. Ele enfatizou que as mulheres estejam preparadas para saber como agir em situações de importunação, em que se sintam ofendidas e/ou humilhadas.

 
“A importunação sexual é um tabu muito difícil de ser quebrado”, diz secretária da Semudh

Para Maria Silva, secretária de Estado da Mulher e dos Direitos Humanos de Alagoas – Semudh, a importunação sexual é um tabu muito difícil de ser quebrado, já que se convive diariamente com homens machistas, criminosos e sem pudor que se aproveita de momentos de fragilidade da mulher para atacá-las.

Maria Silva, representante da Semudh em Alagoas


“Este é um fato que infelizmente estamos lidando e não podemos brigar com os números, mas não impede que continuemos a criar campanhas de conscientização para fortalecer o enfrentamento a esse tipo de agressão”, frisou.

Maria Silva destacou que a Secretaria de Estado da Mulher e dos Direitos Humanos, por meio das palestras e atividades de disseminação dos direitos da mulher, sempre reforça e pede para que as mulheres vítimas de qualquer tipo de violência, seja ela importunação sexual, doméstica, física, moral, patrimonial, entre outras, busquem ajuda imediatamente ligando para a Polícia Militar, pelo 190, ou procurem a Delegacia de Defesa da Mulher, localizada no Complexo de Delegacias Especializadas, o Code, próximo ao viaduto João Lyra, na mangabeiras, para a confecção de Boletim de Ocorrência.

Segundo ela, a Semudh também oferta apoio psicológico pelo Centro Especializado no Atendimento à Mulher em situação de violência (CEAM), bem como suporte jurídico e de assistência social para as vítimas de violência doméstica e familiar.

O atendimento é realizado na própria sede da Semudh, no bairro do Farol, próximo à Igreja dos Capuchinhos, e que em breve terá novo endereço na Avenida Comendador Gustavo Paiva, n° 3298, no bairro Mangabeiras, em Maceió.

“Estamos trabalhando diariamente em busca de alternativas que visem aumentar a segurança das mulheres no dia a dia em conjunto com a Secretaria de Segurança Pública (SSP/AL) e diretamente com o governador Paulo Dantas, que tem como uma de suas prioridades a diminuição dos indicadores de violência contra a mulher”, concluiu Maria Silva.

Metade das policiais militares em Alagoas sofre importunação sexual


Uma pesquisa que faz parte do Projeto “Mulheres em Segurança: assédio não” indicou que metade das policiais militares em Alagoas sofre importunação sexual. O estudo coordenado pela 62ª Promotoria de Justiça Especializada no Controle Externo da Atividade Policial, em parceria com a Faculdade de Direito da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), mostrou que 52,4% das profissionais da força de segurança pública no estado são vítimas deste tipo de crime e que 85,7% são praças.

Outro dado da análise diz respeito a assédio ou comportamento sexual inadequado praticado contra outras mulheres da Polícia Militar em Alagoas, o levantamento revelou que 75,1% das PMs femininas ouvidas na pesquisa afirmaram, que: “as práticas de assédio sexual ou comportamento sexual inadequado são amplamente conhecidas pelas mulheres policiais, embora não sejam reportadas aos setores de controle e apuração, como a Corregedoria ou mesmo os superiores hierárquicos”.

Ainda em outro trecho do estudo, uma conclusão alarmante é em decorrência do medo de punição ao denunciar os agressores da importunação sexual por parte dessas policiais militares. Segundo a Corregedoria da PM em Alagoas, poucos casos foram levados até o órgão, na prática, “apenas quatro nos últimos cinco anos, sendo que um destes foi instaurado a partir de denúncia realizada por uma tenente-coronel do Corpo de Bombeiros Militar em desfavor de um Major da PMAL”, diz o documento.

A pesquisa salientou ainda que a ausência de estrutura de acolhimento para as policias militares vitimadas pelo assédio sexual ou comportamento de cunho sexual inadequado reflete-se no pouco encorajamento de colegas de trabalho para testemunharem em favor da vítima, também contribui para que as próprias vítimas, diante do desamparo, desistam de denunciar seus assediadores.

A necessidade de criação de mecanismos preventivos que erradiquem ou minimizem a incidência de práticas de assédio com mulheres da Polícia Militar, do Corpo de Bombeiros Militar, Polícia Civil, Perícia Oficial e Polícia Penal, levou o Ministério Público de Alagoas a recomendar que as corporações tomem medidas para que evitem tais práticas no ambiente de trabalho.

Traumas graves nas vítimas: 'sequelas emocionais'


Constrangimento, raiva, medo, culpa e angústia. Estes estão entre os sentimentos relatados por mulheres que já passaram algum tipo de importunação sexual. Por isso, é preciso ficar atenta, já que é possível que todo esse misto de sensações, possa causar traumas graves nas vítimas: 'as sequelas emocionais'.

O professor do curso de Psicologia da Unit/AL, Alysson Cavalcante, explicou como acontece a depender de cada mulher.


O docente explicou que a própria sociedade acaba fazendo com que a mulher ao longo desse processo de violência por importação sexual, se sinta culpada por está passando por esse tipo de situação, ou seja, começa a buscar nelas mesmas evidências para seja responsável.

“Ah, isso aconteceu porque eu estava usando roupa tal; aconteceu porque eu estava naquele local que não era para eu estar... Então, ela vai internalizando. Só que isso obviamente não vem dela, vem de toda essa cultura da sociedade, que faz com que a mulher se responsabilize pela situação, que não tem nada a ver com ela”, salientou.

“A culpa é a primeira coisa que a gente traz de principal dano e consequência na mulher vítima de importunação sexual e que se desenvolve já de imediato. Outra coisa importante é a dúvida, antes dela se sentir culpada, ela fica com essa dúvida. Será que eu não provoquei isso? Será que de alguma forma eu não fui responsável?”, observou o psicólogo.

O especialista complementa que a dúvida que gera a culpa nessa mulher trazendo vários ‘ses’ pode fazer com que ela desenvolva um transtorno de ansiedade, de pânico e diversas outras situações que vão comprometer o emocional dela, isto é, a saúde mental dessa mulher de forma bem significativa.



Dê lugar ao respeito


Sinturb lança campanha contra assédio e importunação sexual nos ônibus


Com o intuito de combater casos de assédio e importunação sexual dentro dos ônibus e incentivar denúncias contra este tipo de prática, o Sindicato das Empresas de Transporte Urbano de Passageiros de Maceió (Sinturb), lançou em setembro deste ano, a campanha “No transporte público, dê lugar ao respeito”. A ação faz parte do calendário anual de boas práticas da entidade em prol de mais segurança para os passageiros.

Enquanto inovações e investimentos como a bilhetagem eletrônica plena proporcionam um ambiente mais protegido no transporte público, ao colaborar para a redução dos assaltos a zero dentro dos coletivos, situações como as de assédio dependem de fatores alheios aos cuidados tomados pelas empresas. Por esse motivo, o sindicato realiza campanhas para engajar também a sociedade.

Ação faz parte do calendário anual de boas práticas da entidade em prol de mais segurança para os passageiro

“Vemos com tristeza o fato de que ainda ocorrem casos de assédio e importunação sexual dentro dos ônibus. Nosso desejo é de que campanhas como essa um dia sejam desnecessárias, e que mulheres se sintam totalmente seguras em qualquer situação de suas rotinas, mas enquanto isso não se torna realidade, as empresas de ônibus não medirão esforços para combater todo tipo de violência no transporte público”, afirmou o presidente do Sinturb, Guilherme Borges.

Além da campanha, difundida por meio de cartazes nos ônibus e terminais, outdoors espalhados por toda a capital alagoana e também nas redes sociais, o Sinturb também realiza qualificações periódicas com os motoristas de ônibus, em parceria com o Sest Senat Maceió. Nelas, os rodoviários participam de aulas e palestras sobre como agir em casos de assédio e importunação sexual, seja amparando a vítima ou deslocando o veículo à delegacia mais próxima para registro de boletins de ocorrência, por exemplo.

O CRIME

As vítimas podem recorrer ao Disque-Denúncia (181) ou ao Ligue 180, canal direto de orientação sobre direitos e serviços públicos para a população feminina em todo o país, ao Centro Especializado de Atendimento à Mulher e Direitos Humanos (3315-1792) ou a uma das Delegacias de Defesa da Mulher (3315-4976 / 3315-4327).