Cidades
Vítimas de abuso sexual infanto-juvenil são amparadas para que não sejam silenciadas
Rede de proteção visa dar autonomia e conhecimento às crianças e adolescentes para que possam denunciar seus algozes
“Se deixar impune, ele vai continuar fazendo mais vítimas, e isso eu não quero. Ele é um monstro fazer isso com a própria filha”, esse é um dos relatos de violência sexual registrada dentro de Alagoas, de uma mãe que precisou sair do estado com as filhas para fugir do seu algoz. A filha menor de idade era violentada pelo pai dentro de casa. Cenas de crimes deste tipo em que o abusador tem algum grau de parentesco com crianças e adolescentes são constantes em território alagoano, bem como fora dele, e revela o grau de banalização assustadora em que a opressão contra menores de 18 anos atingiu no Brasil.
Em Alagoas, diversas são as vozes silenciadas pelo medo, que até se tornam manchetes de veículos de comunicação, mas que continuam acontecendo sem dó e piedade. Para transformar essa realidade cruel, órgãos públicos no estado têm unido esforços para ajudar e encorajar o público infanto-juvenil a denunciarem seus agressores.
Desde o início da pandemia, o Tribunal de Justiça de Alagoas (TJ/AL) registrou até o dia 22 de setembro deste ano, mais de 430 novos processos envolvendo crimes sexuais contra menores. Em 2020 foram 82 casos, já no ano passado esse número saltou para 189, representando um aumento de mais de 267%. De janeiro a 22 de setembro deste ano, já são 163 ações jurídicas iniciadas.
Dados da Gerência de Doenças e Agravos não Transmissíveis (GEDANT) da Secretaria Estadual de Saúde em Alagoas (Sesau/AL) revelam que nos últimos quatro anos, a violência sexual contra crianças e adolescentes somou quase três mil casos entre 2017 e 2021. Desse total, 1.278 vítimas tinham entre 10 e 14 anos; outras 554, entre 5 e 9 anos; e mais 486, possuíam idade entre 15 e 19 anos.
Os números também oficiais mostraram que 1.852 vítimas eram da raça parda, enquanto 354 foram identificadas como brancas. A raça negra ficou em 3º lugar, com 254 casos.
De acordo com o último levantamento do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2022, – intitulado: “Violência sexual infantil, os dados estão aqui, para quem quiser ver” -, mais de 53,8% dos casos de violência eram contra meninas com menos de 13 anos. Esse número subiu para 57,9% em 2020 e 58,8% em 2021. No país, mais de 4 meninas de menos de 13 anos são estupradas por hora.
De 2020 para 2021 observou-se um discreto aumento no número de registros de estupro, que passou de 14.744 para 14.921. Já no que tange ao estupro de vulnerável, este número subiu de 43.427 para 45.994, sendo que, destes, 35.735, ou seja, 61,3% foram cometidos contra meninas menores de 13 anos (um total de 35.735 vítimas).
Em 95,4% dos casos o criminoso é homem e 82,5% conhecido da vítima, sendo que 40,8% eram pais ou padrastos; 37,2% irmãos, primos ou outro parente e 8,7% avós. 76,5% dos estupros acontecem dentro de casa.
O Anuário Brasileiro de Segurança Pública revelou ainda que em relação ao sexo da vítima, 85,5% são meninas, mas meninos também fazem parte dessa estatística. Foi observado que o número de registros aumenta conforme a menina vai crescendo, já no caso dos meninos, o número de registros aumenta até os 6 anos (com pico entre 4 e 6) e depois começa um processo de queda.
DENÚNCIAS
Segundo o último relatório divulgado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), somente até maio deste ano, já foram registradas 4.486 denúncias de abusos, mais que o dobro das denúncias no mesmo período de 2020.
Cerca de 1 bilhão de crianças sofreram violência física, sexual ou psicológica no mundo em 2020. Além disso, outro estudo realizado pela Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos (ONDH) do Governo Federal entre os anos de 2012 a 2018 mostrou que foram registradas um total de 209.095 denúncias de violência sexual contra crianças e adolescentes no Brasil, mostrando que o sexo feminino representou o maior número de casos, sendo 36.994.
Subnotificação esconde dados reais
O promotor Cláudio Galvão Malta, coordenador do Núcleo de Defesa da Infância e Juventude do Ministério Público do Estado de Alagoas (MPE/AL), alertou para o fato de que a subnotificação esconde os dados reais, uma vez que muitas vítimas, exatamente por serem crianças, não conseguem entender a gravidade do que está ocorrendo. “E que na maioria das vezes estão envoltos no muro de silêncio pela violência acontecer dentro do ambiente intrafamiliar. Apenas 10% dos casos de violência sexual infanto-juvenil são registrados e os demais são desconhecidos. É por isso que ações preventivas e combativas têm, necessariamente, que andar de mãos dadas. O silêncio, se não rompido, acaba se tornando cúmplice do crime”.
Assista abaixo, o que o promotor Cláudio Malta destaca sobre a situação assustadora em que crianças e adolescentes passam em seu cotidiano envolvendo a violência sexual.
360 crianças sofreram violências sexuais em Maceió no ano passado
De acordo com a assessora especial da Secretaria Adjunta de Políticas para Juventude em Maceió, Amanda Mendonça, em 2021, foram registradas mais de 100 mil denúncias de violações de Direitos Humanos contra crianças e adolescentes no Brasil. Desse total, 18.681 mil foram de violências sexuais tendo como vítima o público infanto-juvenil. Na capital, o quantitativo aponta 360 crianças, sendo os principais bairros Vergel do Lago, Benedito Bentes e Jacintinho.
“Diante dessa estatística, a Secretaria de Juventude se atentou para a importância desse tema e desde 2021 tem somado esforços com as demais secretarias envolvidas na busca dessa construção interna e intersetorial para enfrentar e combater o abuso sexual infantil no Município”, disse.
“O tema deste ano da campanha do Maio Laranja foi “Não finja que não vê” e trouxe ações voltadas à garantia da proteção dos direitos das crianças e adolescentes no Município de Maceió, mais voltado ao Poder Público, garantidor desses direitos, levando a temática para dentro das escolas, para conversar diretamente com os maiores interessados, com equipe multidisciplinar preparada, e, assim, gerar um maior engajamento no próprio ambiente da educação”, destacou Amanda.
Amanda ressaltou que na maioria dos casos, a violência sexual ocorre na residência das próprias vítimas, sendo causada por familiares, amigos ou conhecidos, e o cenário que mais se detecta são os sinais involuntários em que as crianças são vítimas de abuso sexual infantil, e acabam demonstrando na escola.
“Das crianças vítimas de violações sexuais, duas a cada três são vítimas dentro de suas casas, e vítimas de seus próprios familiares. A escola é um refúgio, e o ambiente mais propício para se detectar os sinais. Por isso, a Campanha deste ano está levando a temática para dentro do ambiente escolar. A instituição do Maio Laranja é um marco na história de Maceió, e muitos outros mecanismos estão sendo preparados para o enfrentamento e combate ao abuso sexual infantil, como a construção de um Plano de Enfrentamento”, salientou a assessora.
A secretária adjunta da Secretaria Municipal de Educação (Semed), professora Emília Caldas, ressaltou o trabalho dos professores nas escolas municipais de Maceió para enfrentar o problema. “Nós já temos algumas ações com os professores, e nesse momento, vamos divulgar a campanha, mobilizar. Mas temos parceria também com o Ministério Público. Os professores hoje acionam diretamente o MP quando identificam o caso de abuso sexual infantil, então, a campanha vem para reforçar essa temática, mas todo ano trabalhamos nessa perspectivava, porque é lá na escola que estão essas crianças”, informou Emília.
A Semed, em parceria com o Centro de Atenção Integrada à Criança e ao Adolescente (CAICA) realiza, periodicamente, encontros de formação continuada com gestores e professores das unidades educacionais da rede municipal, abordando temáticas relacionadas ao abuso e exploração sexual infanto-juvenil, com o objetivo de orientar esses profissionais para que consigam identificar possíveis casos entre estudantes e façam os devidos encaminhamentos para as autoridades competentes, tais como Conselho Tutelar e Ministério Público.
Pandemia escancarou essa realidade de violência
Uma em cada três crianças no Brasil é vítima de abuso sexual até os 18 anos de idade e durante a pandemia de coronavírus, essa realidade de violência foi escancarada. Segundo os dados do Disque 100, telefone da Secretaria Nacional de Direitos Humanos da Presidência da República, só nos cinco primeiros meses de 2021, foram registrados seis mil casos de abuso sexual contra crianças e adolescentes. As denúncias relacionadas a violência sexual estão presentes em 17,5% dos cerca de 35 mil registros de violência contra crianças e adolescentes no período.
A Rede de Atenção às Vítimas de Violência Sexual (RAVVS), que funciona no Hospital da Mulher, em Maceió, apontou que foram registrados em Alagoas 214 casos de violência sexual nos três primeiros meses de 2022. Camille Wanderley, psicóloga e coordenadora da rede explicou que a pandemia criou uma situação propícia sobre esse tipo de violência, pois como as crianças foram retiradas do segundo âmbito de convivência que é a escola, e infelizmente, o maior número de agressores está dentro de casas, as crianças se tornaram mais vulneráveis nesse período pandêmico.
“Precisamos falar de violência sexual com os três poderes, com a sociedade civil para que a gente possa ter noção do que está acontecendo com a nossa infância”, ressaltou.
Camille Wanderley esclareceu ainda que existe a violência sexual com contato físico e sem contato físico. “Esta violência sem contato físico pode ser o voyeurismo, o assédio e a pornografia, por exemplo. Já a violência com contato físico culmina na conjunção carnal por qualquer meio”, afirmou.
O procurador-geral de Justiça de Alagoas, Márcio Roberto Tenório de Albuquerque, lembrou que a pandemia da Covid-19 exigiu da população o isolamento social e, em razão disso, as pessoas diminuíram seus contatos com a rede de proteção, o que acabou permitindo que os casos ficassem ainda mais escondidos, dentro de casa.
“Precisamos dar autonomia e conhecimento às crianças e adolescentes para que eles possam se sentir fortalecidos a ponto de denunciarem seus algozes. Essa é uma iniciativa da qual o Ministério Público de Alagoas se orgulha em fazer parte”, afirmou Márcio Roberto.
O procurador-geral se refere aos projetos desenvolvidos pelo órgão com o objetivo de ajudar crianças e adolescentes a saírem deste ciclo cheio de dor, tendo em vista que se o crime ocorre dentro do ambiente familiar, ele fica reservado, escondido dentro dos lares.
Em Alagoas, o Centro de Referência em Atenção à Criança e ao Adolescente (CRAD), equipamento da Secretaria de Estado de Prevenção à Violência (Seprev), registrou, desde a sua inauguração, em setembro de 2021, 760 atendimentos a crianças e adolescentes vítimas de violência sexual. Esse tipo de violação de direitos é a causa mais comum na busca por este tipo de atendimento, muito à frente de outros tipos de violência, como a física e a psicológica.
A superintendente da Criança e do Adolescente da Seprev, psicóloga Samylla Gouveia, que também é vice-presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (CEDCA/AL), destacou que a maioria dos casos de violência sexual contra esse público é cometida no ambiente doméstico, por pessoas do relacionamento direto da vítima, como pais, parentes e adultos próximos.
“Infelizmente, a violência sexual é muito frequente dentro de casa, ambiente em que a criança deveria se sentir protegida. Por isso, todos precisam estar vigilantes para identificar qualquer sinal e agir, caso seja necessário. Todos os esforços devem ser direcionados ao impedimento do abuso sexual, mesmo assim, caso a prática seja identificada, as vítimas contam com o atendimento 24h do CRAD para acolhimento das vítimas e com os canais oficiais para denunciar esse tipo de crime", alertou.
Samylla Gouveia reforçou ainda que o CRAD é uma porta aberta para crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência e seus familiares. Ela lembrou que o equipamento atende não só vítimas de violência sexual, mas de qualquer tipo de violência cometida contra crianças e adolescentes.
“Aqui eles recebem atendimento humanizado realizado por uma equipe multidisciplinar formada por psicólogas, assistentes sociais, advogado e técnicas para a efetuação dos procedimentos cabíveis e encaminhamentos necessários. Além disso, o CRAD integra os órgãos do Executivo com o Sistema de Justiça, dando celeridade aos processos pós-violência e minimizando os prejuízos da vítima”, explicou.
COMO DENUNCIAR
Em caso de abuso ou exploração sexual de crianças e adolescentes, a denúncia deve ser feita pelo 0800.280.9390, que é o atendimento da Seprev para denúncias no âmbito estadual, ou ainda por meio do aplicativo Violência Zero, disponível para Android. A população deve também procurar o Conselho Tutelar da região.
CRAD
O Centro de Referência em Atenção à Criança e ao Adolescente (CRAD) oferece atendimento 24 horas por dia e fica localizado na Avenida Desembargador Barreto Cardoso, 433, no bairro da Gruta de Lourdes, em Maceió. O telefone é o (82) 98727-8600.
Crianças e adolescentes são a maioria das vítimas atendidas pela RAVVS
Mais de 90% das pessoas atendidas pela Rede de Atenção às Vítimas de Violência Sexual (RAVVS) de janeiro a maio deste ano são do sexo feminino. No total, já foram recebidas 358 vítimas, sendo 330 mulheres e 28 homens, sendo que a maior parte dos casos se trata de crianças e adolescentes.
Os dados de atendimentos da RAVVS mostram que das vítimas atendidas em 2022, 133 têm até 11 anos de idade, 145 de 12 a 17 anos, 49 pessoas têm entre 18 a 29 anos, 29 estão na faixa etária dos 30 aos 59 anos e duas possuem mais de 60 anos.
Já no ano de 2021 foram feitos 768 atendimentos, sendo 693 do sexo feminino e 75 do sexo masculino. Desse total, 299 têm a idade de 0 a 11 anos, 277 de 12 a 17 anos, 125 de 18 a 29 anos, 53 de 30 a 59 anos, dois acima de 60 anos e 12 de idade desconhecida.
“Qualquer pessoa que estiver em situação de violência ou qualquer município que queira o apoio para poder fazer o enfrentamento e a assistência à violência sexual, pode entrar em contato com a RAVVS. Conseguimos dar a essas vítimas um serviço extremamente qualificado e ágil, conforme preconizado na Lei do Minuto Seguinte, de forma integral e humanizada a toda população alagoana que esteja em uma situação de violência”, ressaltou Camille Wanderley, coordenadora da RAVVS.
As vítimas devem procurar os serviços da RAVVS na Área Lilás, do Hospital da Mulher (HM), na pediatria do Hospital Geral do Estado (HGE), em Maceió; no Hospital Ib Gatto Falcão, em Rio Largo; e no Hospital de Emergência do Agreste (HEA), em Arapiraca.
FICA BEM
O aplicativo “Fica Bem” foi criado como um instrumento que visa auxiliar as vítimas de violência sexual para denunciarem os abusos. Com ele a vítima poderá entrar em contato com a Secretaria de Estado da Segurança Pública de Alagoas (SSP/AL) e a Rede de Atenção às Vítimas de Violência Sexual de Alagoas (RAVVS/SESAU), além de obter mais informações sobre as unidades de saúde que realizam os atendimentos. Por enquanto, o aplicativo está disponível apenas para smartphones com a funcionalidade Android, futuramente, poderá ser acessado pelo sistema operacional iOS.
Após baixar o aplicativo o usuário precisa realizar o cadastro. Baixe agora o aplicativo, clique aqui. https://play.google.com/store/apps/details?id=br.com.sesau.ravvs.ficabem
As pessoas que sofreram violência sexual, além do aplicativo ‘Fica Bem’, podem procurar diretamente a RAVVS, por meio dos telefones 180, (82) 3315-1393 e 98882-9765 ou presencialmente, no Hospital da Mulher (HM), localizado no bairro Poço, na capital alagoana, desde que a vítima não esteja necessitando de atendimento de emergência.
Em casos de sangramento, escoriações graves ou lesões consideráveis, a vítima deve ser encaminhada ao Hospital Geral do Estado (HGE), no bairro Trapiche, em Maceió, ou a qualquer hospital de porta de entrada do estado. E, para fazer denúncias, além dos meios já citados, há também o Disque 100 e a Delegacia de Crimes Contra a Criança e o Adolescente.
O Hospital Geral Ib Gatto Falcão, em Rio Largo, também faz o atendimento às vítimas de qualquer sexo e idade, telefone (82) 3261-2414, bem como o Hospital de Emergência Dr. Daniel Houly, em Arapiraca, telefone: (82) 3539-8670.
Vigilância familiar se faz necessária em qualquer idade, afirma delegada
A Delegada Teila Rocha, da Delegacia de Crimes contra Crianças e Adolescentes (DCCCA), observou que embora a escola seja o local onde acontece a maioria das revelações espontâneas sobre a violência sexual contra crianças e adolescentes, as vítimas que ainda não têm idade escolar, e que por isso, não começaram a frequentar esse ambiente, a vigilância familiar é sempre necessária, em qualquer idade.
“Em muitos casos, a vítima passa a apresentar um comportamento diferente após a ocorrência do fato, mudança que é mais perceptível àqueles que convivem com ela”. “Por isso é importantíssima a denúncia, após a revelação do abuso. Em um primeiro momento, para que sejam feitos todos os encaminhamentos necessários (exame pericial, prescrição de medicamentos, acompanhamento psicológico, por exemplo)”, afirmou.
“Em um segundo momento, deve-se realizar colheita de elementos de informação importantes para o início da investigação policial. É importante lembrar que a revelação do abuso e o registro do boletim de ocorrência são momentos muito delicados para a vítima e sua família, principalmente se o autor fizer parte do círculo familiar ou de amigos próximos. Mas somente através dessa denúncia é que o ciclo de violência pode ser interrompido e a investigação, materializada”, reforçou a delegada Teila Rocha.
SINAIS INVISÍVEIS
Cristina Araújo, psicóloga clínica infantil, explicou a importância de identificar os sinais de abuso sexual na infância. A especialista destacou que quando a criança é vítima de alguma violência sexual o hábito é modificado.
“Seja em relação à comida, a criança pode comer mais ou perder o apetite; o sono também não é o mesmo, a criança pode ter dificuldade para dormir ou ter pesadelos. A presença de medos inexplicáveis ou manifestar comportamentos muito erotizados voltados para o próprio corpo ou para os outros demonstram atenção”, sinalizou.
“A criança pode também demonstrar seu sofrimento com apatia, parar de brincar ou de fazer coisas que gostava antes, bem como apresentar-se chorosa, introspectiva ou muito ansiosa. Os sintomas variam de acordo com a criança e a sua idade. Nenhum desses aspectos sozinhos configura o abuso”, acrescentou a psicóloga.
Ainda conforme Cristina Araújo, para a prevenção a melhor coisa é ter conexão com os filhos, conhecê-los e proporcionar ambiente seguro e confiável para o desenvolvimento físico e emocional.
“Além disso, deve-se educá-los sexualmente para que eles tenham conhecimento sobre seus corpinhos, como também não os expor à pornografia ou qualquer conteúdo sexual. Outra coisa importante é conhecer a fundo as pessoas com quem eles têm afeto e qual a medida do acesso dessas pessoas às crianças, ou melhor, como é a relação”, observou.
TRAUMAS
Para a psicóloga clínica infantil, crianças abusadas podem desenvolver dificuldade para se relacionar, culpa, medo, ansiedade, e em casos mais graves, quando não cuidadas, transtornos mentais.
“Primeiro é importante conversar com a criança, estar ao lado dela, mostrar presença e muito afeto. Permitir a escuta e o amor incondicional. Jamais culpá-la pelo que aconteceu se aconteceu”, frisou. “E sem dúvida, procurar um profissional da psicologia é muito importante, porque no consultório por meio da utilização de brinquedos, jogos e desenhos se entende como está o lado emocional das crianças atendidas, e neste caso de violência sexual também é importante essa forma lúdica, visto que a criança se vincula de forma saudável por meio de afeto e do brincar. É adentrar no mundo da criança com respeito e ternura”, concluiu.
Narcyjane Limeira Torres, membro da Comissão de Defesa do Direito da Criança e Adolescente da OAB Alagoas, comunicou que a instituição atua apoiando projetos, campanhas e ações em parceria com os conselhos tutelares e de direitos da criança e do adolescente de todo estado, como também em contato com delegacias, promotorias e judiciário no intuito de acompanhar e requisitar atos destes.
“Além de se empenhar nas campanhas de prevenção ao abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes, divulgando canais de denúncias e se colocando à disposição de todo sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente”, salientou.
MP mobiliza prefeituras alagoanas por ações de combate a violência infanto-juvenil
A escola como elemento estratégico fundamental para o enfrentamento do estupro de vulnerável
Pensando nessa banalização da violência sexual e em busca da punição dos criminosos na intenção de ajudar as vítimas do crime a romperem o silêncio, o Ministério Público Estadual lançou em maio deste ano, a campanha Proteja (#agoravocesabe), mobilizando todas as prefeituras dos 102 municípios alagoanos em busca de ações de enfrentamento a violência sexual contra crianças e adolescentes.
Cláudio Galvão Malta, coordenador do Núcleo de Defesa da Infância e Juventude do Ministério Público, afirmou que graças a um trabalho minucioso foi possível fazer a articulação com todos os conselhos municipais de defesa da criança e do adolescente, conselhos tutelares, instituições e entidades que compõem a rede de proteção, bem como as prefeituras.
“Estamos satisfeitos com as mobilizações, uma vez que elas estão levando a mensagem principal à população: é preciso romper o silêncio em busca da punição dos criminosos”, destacou o promotor.
Segundo ele, além da busca pela responsabilização dos abusadores, o poder público também precisa adotar medidas preventivas, com ações, por exemplo, de conscientização junto às famílias e a comunidade escolar.
FITINHA DA PROTEÇÃO
Outro projeto do MPE/AL diz respeito a “Fitinha da proteção”, que segundo o promotor de Justiça Cláudio Malta, surgiu depois que o governo federal informou no início do ano passado que, no segundo semestre de 2020, das 43,8 mil denúncias que chegaram através do disque 100, apenas 375 foram feitas por crianças e adolescentes.
A campanha foi lançada em 2021 pela 1ª Promotoria de Justiça de Rio Largo, que sempre atua de forma significativa no combate ao abuso sexual de crianças e adolescentes naquela cidade. Na fitinha da proteção, distribuída em escolas e bairros de Rio Largo, há o número do disque 100 além de informações importantes para que crianças e adolescentes saibam como agir diante de um caso de violência sexual.
Para se ter uma noção do alcance do projeto, em um ano, o município de Rio Largo, na região metropolitana de Maceió, contabilizou um aumento acima de 70% de denúncias partidas de crianças e adolescentes.
“Então, a ideia era conscientizar as vítimas para que elas entendessem melhor sobre o crime e tivessem a coragem de contar sobre o abuso aos pais, responsáveis e professores, de modo que medidas pudessem ser tomadas pelas autoridades”, salientou.
“Ainda é importante salientar que, desde a implementação do projeto, as denúncias de violência sexual contra crianças e adolescentes, em Rio Largo, tiveram um salto de 73% em comparação ao no anterior. E as fitinhas tiveram essa contribuição importante porque, nelas, estão inscritos símbolos que são necessários à denúncia, como o disque 100, e os dados que são necessários informar, a exemplo de nome, endereço e identidade dos pais”, completou Cláudio Malta.
A partir de agora, o Projeto Fitinha da Proteção será executado nas 13 cidades que compõem a região metropolitana de Maceió. Segundo a gerente da iniciativa em 2021, a assistente social Jediane de Freitas, o Fitinha da Proteção vem se tornando um importante instrumento de autodefesa para que crianças e adolescentes busquem ajuda no momento em que se sentirem ameaçadas ou envolvidas em alguma situação de violência. Nessa nova etapa de expansão do projeto, em 2022, ele está sendo gerenciado pela servidora Maria Cristina Mendes: “A Fitinha da Proteção tem sido uma importante ferramenta para que crianças e adolescentes saibam como denunciar. A missão é grande e exige esforços, parcerias e muitas ações em prol do enfrentamento da violência e mudança de realidades”, pontuou.
“Sendo assim, é urgente que criemos estratégias que invistam em prevenção na perspectiva da autoproteção. É importante considerar que essa fitinha é apenas uma das ferramentas que podem contribuir para o desenvolvimento da autonomia de crianças e adolescentes perante a denúncia. Mas, a autoproteção deles só é eficaz se articulada com ações que contemplem a prevenção primária, secundária e terciária, num contexto em que políticas públicas atendam o público abaixo dos 18 anos com absoluta prioridade”, defendeu o promotor de Justiça Cláudio Malta.
SEDUC
A Secretaria de Estado da Educação (Seduc) informou por meio de nota que o tema do abuso sexual de crianças e adolescentes é abordado nas escolas da rede estadual de ensino por meio de projetos, ações e programas, que propiciam um apoio estratégico às instituições de ensino para combater este tipo de violência. Estas ações contam também com a parceria de diversos órgãos, a exemplo do Ministério Público Estadual (MPE/AL).
“Além disso, em maio deste ano, a Seduc criou o Núcleo Estratégico de Acompanhamento Psico Socioassistencial (NeAPSA). O grupo será composto por psicólogos e assistentes sociais que atuarão no combate aos impactos socioemocionais da pandemia em estudantes e servidores bem como na promoção da qualidade de vida no ambiente escolar”, disse o trecho da nota.
“O combate ao abuso sexual será uma das ações do NeAPSA e o edital para contratação temporária destes profissionais está em fase de construção. Em relação aos procedimentos orientados às escolas quando estes casos são relatados, a orientação repassada pela Seduc é acionar a rede de proteção à criança e ao adolescente, que incluem o Ministério Público de Alagoas (MPE/AL), Secretaria de Estado da Assistência Social (Seads) e Conselhos Tutelares, para dar o devido atendimento ao estudante”, pontuou.
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