Cidades

Novas cláusulas no acordo entre Braskem e MPF viram polêmica

Após dois anos, mudanças vão permitir uma terceira avaliação dos imóveis que ainda não foram indenizados

Por Evellyn Pimentel com Tribuna Independente 07/06/2022 06h51 - Atualizado em 07/06/2022 08h55
Novas cláusulas no acordo entre Braskem e MPF viram polêmica
Mais de 11 mil imóveis que já foram indenizados não serão beneficiados com as novas cláusulas - Foto: Edilson Omena

O acordo entre Braskem e órgãos de controle firmado no início de 2020 e que criou o programa de indenizações às vítimas do afundamento de solo passou por inclusão de duas novas cláusulas. Com as resoluções 25 e 26, os moradores que tiverem diferença acima de 20% entre suas avaliações e as da Braskem terão acesso a uma terceira avaliação, contratada pela mineradora. A mudança causou polêmica entre as lideranças do bairro e foi alvo de posicionamento do Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU).

Chamado de “Parecer Técnico Independente” o documento será elaborado por uma empresa que será paga pela Braskem, mas segundo o Ministério Público Federal (MPF) não pode ter vínculos com a mineradora.

“A Resolução 25 garante que os custos serão integralmente suportados pela Braskem, sem qualquer ônus aos assistidos do PCF [Programa de Compensação Financeira]; assegurando ainda que a Braskem não terá gestão técnica ou operacional sobre a empresa, prevendo a sua total independência. Outra exigência prevista no documento: que os profissionais contratados conheçam a situação da cidade de Maceió, notadamente os impactos pretéritos e atuais ocorridos nos bairros em realocação. As Resoluções 25 e 26 são as mais recentes instruções pactuadas visando o melhoramento do Termo de Acordo firmado no âmbito da ação civil pública ajuizada para garantir as indenizações individuais pelos imóveis incluídos no Mapa de Risco elaborado pela Defesa Civil Municipal, afetados pela exploração de sal-gema, independentemente do nível de criticidade”, aponta o MPF.
Em outras palavras, o dispositivo vai permitir uma terceira avaliação do imóvel quando o proprietário questionar o valor apresentado pela Braskem, mas só é válido para quem está no programa de compensação e ainda não aceitou a proposta. Assim, cerca de 11 mil pessoas que foram indenizadas até agora não serão beneficiadas com as novas cláusulas.
Para o Movimento Unificado das Vítimas da Braskem (MUVB), a mudança “chega tarde”. O Movimento afirma que há cerca de um ano já havia solicitado aos órgãos integrantes do acordo, mudanças no processo de apresentação das propostas.

“Se passaram dois anos e meio desse acordo e só agora o Ministério Público regulamenta e de um modo que quem tem o controle total de todo o processo é a Braskem. Mais de onze mil imóveis foram indenizados e só agora o Ministério Público cria um mecanismo fajuto de contraposição de laudos, cuja empresa independente é paga pela Braskem. E os outros onze mil imóveis e famílias que já assinaram? Então ela deixou rolar, agora que os resistentes não estão querendo de jeito nenhum sair, fazem um mecanismo que só favorece a Braskem novamente”, diz Alexandre Sampaio, representante do MUVB.

Conforme explicou a Braskem, a partir do pedido do proprietário do imóvel, a empresa contratada terá que analisar aspectos como padrão construtivo, área do terreno, área construída e benfeitorias.

“A partir das conclusões do PTI sobre o laudo particular e os elementos objetivos avaliados pelo PCF, será feita uma nova reanálise. O Programa apresentará outra proposta nos casos em que haja dados que justifiquem uma mudança de valor. O Parecer vai ser elaborado por empresas independentes, cujos responsáveis técnicos são profissionais devidamente habilitados e afiliados ao Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de Engenharia (Ibape) e ao Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Alagoas (Crea/AL). Além disso, seguem normas técnicas vigentes, além de possuírem conhecimento específico sobre Maceió e as áreas de atuação do PCF. Não há custo para solicitar o Parecer Técnico Independente. Todas as despesas referentes a ele serão custeadas pela Braskem”, explica a mineradora.

Resolução atual não contempla danos morais e empresas

Alexandre Sampaio reclama que outros pontos como os danos morais aos prejudicados e os valores pagos as empresas afetadas não são contemplados com as novas resoluções.

“O processo nasce viciado, distorcido e favorável unicamente pelo fato de quem contrata a empresa independente? Mais uma vez os Ministérios Públicos colocam na mão da Braskem o destino de uma família inteira, na mão da criminosa coloca a sentença final. Claro que se a pessoa não aceitar vai pra juízo. Mas em minha opinião tem uma coisa aí que é gravíssima. Porque o correto seria a Braskem depositar um dinheiro numa conta judicial administrada pelo Ministério Público e pelas associações das vítimas e elas contratarem de modo independente, aí sim uma terceira empresa. E aí ser feito um laudo independente. Então na prática não há absoluta nenhuma independência porque quem paga domina”, reclama Sampaio.

CAU diz não ter sido procurado

Ainda de acordo com o documento, a contratação das empresas pela Braskem “devem ser referendadas” pelo Ibape, e/ou Crea/AL, e/ou CAU/AL “para a elaboração do Parecer Técnico previsto neste Termo de Resolução”. Citado nas resoluções, o Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU-AL) afirmou por meio de pronunciamento em redes sociais que não foi convocado para participar das discussões.

“O CAU tomou conhecimento nesta última sexta-feira sobre uma resolução publicada, em que seria o CAU como participante e indicador de algumas empresas para avaliar de um processo de seleção de empresas. O CAU gostaria de comunicar à sociedade que em momento algum foi consultado sobre a elaboração da resolução e do documento. No entanto, acredita que qualquer informação à sociedade deve ser feito com transparência e legitimidade”, disse o presidente da entidade Fernando Cavalcanti.