Cidades

Após dois anos do acordo entre MPs, DPs e Braskem, empreendedores seguem à míngua

Relatos de donos de negócios dos mais diversos ramos, que foram atingidos pelo crime socioambiental da mineradora, evidenciam o massacre econômico e emocional que o estado de Alagoas continua vivendo

Por Assessoria 21/01/2022 13h03
Após dois anos do acordo entre MPs, DPs e Braskem, empreendedores seguem à míngua
Reprodução - Foto: Assessoria

Este mês de janeiro marca dois anos do acordo que definiu o formato de pagamento das indenizações relativas ao crime socioambiental cometido pela Braskem em Maceió. Assinado pelo Ministério Público Federal (MPF), o Ministério Público de Alagoas (MP-AL), a Defensoria Pública da União (DPU) e a Defensoria Pública de Alagoas (DP-AL), o acordo é tido pelas vítimas como um instrumento jurídico que legalizou a barbárie imposta pela multinacional no processo indenizatório. Hoje, a situação desastrosa dos quase 4.500 empreendedores afetados pela tragédia revela que, após 4 anos do início da catástrofe, persiste a violência contra as vítimas.

O balé de Eliana Cavalcanti

Fundadora da primeira escola de balé do estado, que operou por 48 anos, Eliana Cavalcanti é um dos empreendedores que ainda hoje sofrem com a penúria financeira e emocional provocada pelo crime da Braskem. A sede onde funcionava seu negócio — ou “sonho”, em suas palavras — foi construída por ela em 1981, no bairro do Pinheiro, e, segundo Cavalcanti, custou dois empréstimos no banco e as vendas da casa própria, do carro e de um terreno na praia. Em 2018, com o terremoto, passou a perder muitos alunos e logo perdeu a escola, ao passo que sua filha perdia a casa onde morava, localizada no andar de cima do prédio.

“Já em 2018 o emocional e o físico vieram abaixo. Minha saúde ficou muito precarizada”, relata a professora de balé, que, rapidamente, após o tremor de terra, teve de procurar outra sede para sua escola, a fim de não perder ainda mais alunos, cujos pais estavam amedrontados com o episódio. “Saímos de um prédio com uma enorme estrutura e alugamos duas salinhas no colégio Monteiro Lobato, mas logo precisamos agilizar um espaço maior”, conta. Segundo Cavalcanti, para manter a escola funcionando “dignamente”, foi preciso, pela segunda vez, vender o carro e fazer um empréstimo no banco, o que gerou inúmeras dívidas.

Forçada a aceitar um valor injusto

A essa altura, a empreendedora já estava emocionalmente “em frangalhos”, como afirma, sem qualquer procura da Braskem para uma negociação. “Insônia, insegurança, angústia, queda de cabelo, pressão arterial oscilante, gastrite. Foi quando decidi escrever e publicar uma carta para a Braskem”. Como a professora é figura reconhecida nacionalmente, a grande repercussão da carta e a preocupação com a opinião pública fizeram com que a mineradora a procurasse para negociar uma indenização.

“Depois de três anos de sofrimento, aceitei a proposta da Braskem, recebendo 50% do valor devido pela minha atividade econômica, unicamente porque não queria adoecer ainda mais”. Para Cavalcanti, os negócios afetados deveriam ser atendidos mais rapidamente, já que representam o sustento de milhares de famílias. “Essa espera de quatro anos é absurda. Os empresários estão à míngua, adoecendo, e alguns já morreram”, declara. “Com essa rasteira que levei, encerrei as atividades da escola dois anos antes do que eu esperava e, agora, tratando uma úlcera que adquiri nesse processo, me viro para ter um futuro que chegue ao menos perto daquilo que eu tinha”.

A padaria de Cláudia e Dirceu Buarque

No caso de Cláudia e Dirceu Buarque, proprietários da padaria Belo Horizonte, que consta na primeira versão do mapa de risco feito pela Defesa Civil de Maceió, a proposta indenizatória da Braskem sequer foi feita. A padaria funcionou por mais de 40 anos no Pinheiro, sendo uma das maiores e mais tradicionais do bairro, e foi fundada pelo pai de Dirceu. Assim como Eliana Cavalcanti, Dirceu precisou vender o carro próprio para investir na padaria, quando o pai faleceu e ele decidiu, mesmo sem possuir plena condição financeira, comprar a parte dos irmãos para exercer o negócio dos seus sonhos.

A empresa foi encerrada sem qualquer proposta indenizatória

“Nossa única fonte de renda sempre foi a padaria e nós a vimos perder mais de 80% do seu faturamento. Há mais de dois anos, estávamos funcionando no vermelho”, conta Cláudia Buarque, que, junto do marido, fechou as portas do negócio no dia 30 de dezembro de 2021. O casal narra que a mineradora já chegou até a enviar a companhia elétrica para desativar a energia da padaria em pleno horário comercial, além de outros abusos vividos há 3 anos. “Não há negociação com a Braskem! Eles criaram um ciclo vicioso conosco: solicitam um documento e prometem uma reunião. Entregamos e, depois de meses, em vez de marcar um encontro, solicitam um novo documento, com informações que eles já possuem”.

Em audiência pública na Câmara Municipal, Dirceu já chegou a relatar que seu carro estava sob risco de apreensão, já que não teve mais como pagar o emplacamento, e o pagamento da faculdade de sua filha estava em atraso. “Estou preocupadíssima com o nosso futuro financeiro! Estamos saindo com uma mão na frente e outra atrás”, desabafa Cláudia, que também se queixa pelo quadro emocional ao qual chegou sua família ao longo dos últimos anos. “Temos várias crises de ansiedade e síndrome do pânico. Estou sentindo muito medo de como vai ser nossa vida daqui para frente”.

O jardim de Luani Macário

Luani Macário é terapeuta holística há cerca de 15 anos e possuía um amplo espaço de atendimento no sítio dos pais, chamado O Jardim. Precisou fechar seu negócio há quase três anos e, desde então, esforça-se para conseguir realizar ao menos algumas das muitas atividades que oferecia no sítio em um pequeno apartamento na Cruz das Almas. Segundo Macário, ela foi procurada uma única vez pela Braskem, que lançou uma proposta indenizatória para o seu negócio cujo valor cobria apenas 22% do valor real devido.

Uma tragédia dupla

“O modo como a empresa trata a gente é imperial. Eles querem nos deixar doentes, enfraquecidos, nos colocando abaixo dela sem nem poder conversar”, afirma a terapeuta, que ainda passou por outro trauma com o processo de indenização da casa dos pais idosos. Segundo ela, para evitar que o sofrimento fosse prolongado, a família teve de aceitar menos de 60% do valor do imóvel. “Tivemos que fechar o acordo, o que, para mim, é uma extorsão. E pior: uma extorsão a duas pessoas idosas, como são meus pais”.

“A família está destruída. Meus pais estão muito doentes e, recentemente, nós chegamos a separá-los para conseguir cuidar deles. Agora, minha mãe está em Alagoas e meu pai, na Bahia”, relata Macário. Sem perspectivas financeiras futuras nem espaço para trabalhar, a terapeuta avalia, hoje, a possibilidade de recorrer à Justiça para recuperar o dinheiro perdido. “Estamos pensando em recorrer ao tribunal, mas, como nunca houve, para nós, apoio dos poderes e das instituições neste caso, provavelmente isso só se resolverá para os meus descendentes”.

Os empreendimentos de Kátia e Alexandre Sampaio

“No dia do terremoto, eu já perdi uma venda”. É assim que Alexandre Sampaio, empresário que atua no mercado imobiliário e do marketing há mais de 20 anos, inicia seu relato sobre os três negócios dos quais sua família foi forçada a fechar as portas. Proprietário da imobiliária Moura Sampaio há 10 anos, o também presidente da Associação dos Empreendedores no Pinheiro e Região Afetada conta que chegou a receber uma proposta indenizatória da mineradora que não chegava a 1% do valor real da empresa. “Para a clínica de psicologia da minha mulher, eles propuseram 25% do valor justo, enquanto para a nossa empresa de marketing, apenas 2%”, completa.

A imobiliária de Alexandre Sampaio foi fechada em 2020, devido ao grande montante de dívidas acumulado depois da perda quase total do faturamento. No mesmo ano, Kátia Sampaio, esposa do empresário, também precisou fechar sua clínica, que era o projeto de aposentadoria do casal. “Do ponto de vista financeiro, nossa vida parou. Do ponto de vista emocional, nós tivemos sérios problemas, especialmente quando recebemos a proposta indecente da Braskem. É um esforço muito grande para não adoecer e, com 50 anos, começar a vida praticamente do zero”, afirma o presidente da Associação dos Empreendedores.

‘A empresa colocou, para negociar conosco, robôs treinados para nos irritar’

“A Braskem trava uma negociação de surdos conosco. Quando você propõe o valor justo, eles ignoram e dão uma contraproposta irrisória. A empresa colocou, para negociar conosco, robôs treinados para nos irritar”, declara o empreendedor. “Além disso”, acrescenta, “não nos é pago o dano moral, enquanto os moradores recebem apenas R$ 40 mil por imóvel”. Na visão de Sampaio, a Braskem “está comprando os cinco bairros por um valor irrisório, nas barbas dos ministérios e defensorias e a olhos vistos pelo prefeito, o governador e o presidente”.

Para Alexandre Sampaio, a maior violência sofrida durante quase 4 anos da tragédia é “não ter a quem recorrer”. “Os ministérios e defensorias não abrem a guarda, muito menos a Braskem. Vamos ao Congresso Nacional e ao CNJ, mas também nunca conseguimos resposta”, explica. “A maior violência é a do silêncio do poder público diante de uma expulsão em massa por conta de um crime que sequer foi responsabilizado. Há um verdadeiro conluio para que a Braskem pague o mínimo possível sob o manto da institucionalidade, do tal acordo”.