Cidades

Pais denunciam falta de atendimento para crianças autistas

Processos parados na 30ª Vara Cível da Capital são o principal motivo da interrupção do tratamento

Por Ana Paula Omena com Tribuna Independente 12/05/2021 08h26
Pais denunciam falta de atendimento para crianças autistas
Reprodução - Foto: Assessoria
Processos parados na 30ª Vara Cível da Capital são o principal motivo da interrupção do tratamento de dezenas de crianças autistas em Maceió. Os pais denunciam que o caso não é de hoje. Em agosto do ano passado, a Tribuna Independente noticiou a situação que segue emperrada, enquanto os pequenos regridem em seu desenvolvimento perceptível aos genitores. O autismo é um transtorno de desenvolvimento grave que prejudica a capacidade de se comunicar e interagir. De acordo com Erick Cordeiro, advogado de uma das mães com filho autista, o atendimento foi interrompido para esta criança, e que infelizmente sua cliente não tem condição alguma de pagar o tratamento no âmbito particular. “O tratamento multidisciplinar, considerando psicóloga, fonoaudióloga e terapeuta ocupacional, em seis meses, no melhor orçamento foi de exatos R$ 18 mil. Mas tem clínica que o valor dá mais”, afirmou. “A situação é angustiante, sem sombra de dúvidas. É certo que os tratamentos requerem uma condição financeira altíssima, haja vista, serem cobrados por sessões. Agora imagine o sentimento dos pais ao observarem a regressão de um filho? Não é fácil!”, pontuou o advogado. “Os pais estão entrando na Justiça, primeiro porque o estado não ampara este público-alvo e segundo, porque, ainda que demore, a melhor opção é a jurisdição (a tutela dada por um juiz/Estado)”, frisou Erick Cordeiro. Ele observa ainda que as demandas processuais são imensas para poucos servidores, no entanto, sabe-se que pode ser melhorado, com apenas força de vontade, inclusive de trabalho. “Houve uma mudança de Vara, da 28ª para a 30ª, e esse fato tem emperrado o tratamento. Com certeza, essa questão está deixando os processos em limbo, pois cada magistrada está se averbando incompetente (conflito de competência)”, destacou. “Existe a seguinte situação: a juíza da 30ª Vara alega seus fundamentos na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente. Por sua vez, a juíza da 28ª alega que não fere a Constituição Federal, tão pouco o ECA, pois afirma que a lei estadual que criou a 30ª Vara (de saúde) é constitucional”, salientou o advogado. Do ponto de vista de Erick Cordeiro é estritamente legal que a competência seja da 28ª em razão da Constituição Federal e do Estatuto da Criança e Adolescente. No entanto, segundo ele, cabe ao tribunal decidir se é a 30ª vara ou a 28ª, a real competente. “A ação da minha cliente foi iniciada em 05/02/2019, no entanto, houve duas decisões em que concedeu quatro meses de tratamento, na primeira oportunidade, e depois três meses de tratamento, na segunda oportunidade”, comentou. Indagado sobre a eficácia do tratamento se voltasse hoje, o advogado ressaltou que amenizaria a situação. Mas não recuperaria o tempo perdido, pois o tratamento deve ser constante para que haja uma evolução satisfatória e principalmente não ocorra uma regressão física e até mesmo psicossocial. “Processos estão parados na Justiça alagoana há cerca de dois anos”   Silvia Costa, coordenadora-geral da Associação de Amigos do Autista de Alagoas (AMA/AL), que tem um filho autista e também utiliza os serviços na unidade, informou que de fato existem processos contra o estado parados na Justiça alagoana há cerca de dois anos, o que gerou prejuízo para os pais. “O estado e o SUS não atendem a demanda e os pais não estão podendo mais colocar seus filhos para terem atendimento, essa é a realidade de alguns. Na AMA, por exemplo, é feito um rateio entre os pais e, quando esses processos saiam em favor da criança, o estado já colocava o valor para a Associação, porque nós somos sem fins lucrativos, mas somos custeados por meio dos pais com o rateio de valor”, explicou Silvia Costa. Segundo ela, os pais que dependiam inteiramente desses processos para seguir o atendimento de suas crianças, estes provavelmente estão em casa, considerando que pelo SUS e pelo estado não se tem tido tratamento. “Os que estão conseguindo ratear o valor já voltou o atendimento. A grande questão é que não conseguimos atender todos pelo SUS. Então os pais que ficaram sem receber do estado não têm condições financeiras de manter. Enquanto instituição também não conseguimos custear para outros pais, eu também sou mãe de pessoa com autismo que recebe atendimento na Associação, mas eu não tenho condições de custear de uma outra criança que não seja a minha”, detalhou. Silvia Costa reforçou que os pais devem continuar lutando com os processos porque a mudança de varas aconteceu, lá foi formada uma comissão e agora estão alegando que não tem competência estadual, e seria federal. “É uma questão interna, deles, de Justiça. Então a única coisa que os pais podem fazer é reclamar. Mas enquanto isso os filhos perdem um tempo precioso de estimulação, principalmente neste tempo de pandemia, que alguns não conseguem voltar para a escola, diferente da AMA que a exposição é um para um”, salientou. Defensora diz que tem combatido mudança   A defensora pública, que atua na Defensoria da Infância e Adolescência, Taiana Grave Carvalho, destacou que o órgão tem combatido a mudança de vara desde o início, já que os processos foram automaticamente da 28ª para a 30ª, prejudicando crianças e adolescentes que precisam do atendimento contínuo e tem prioridade absoluta, conforme a Constituição. LEI ESTADUAL Taiana explicou que a 28ª Vara era específica para saúde e a Defensoria, desde sempre, tem combatido uma lei estadual editada em dezembro de 2019, que entrou em vigor em janeiro de 2020, determinando que todos os processos de saúde de Maceió fossem para a 30ª Vara, única para este fim, e que inclusive, a lei inclui também as ações de crianças e adolescentes, isto é, indo todos juntos para ela. “Os pais estão mobilizados e com toda a razão. Tem um ano e meio, que a Defensoria bate nesta tecla e o argumento é que essa lei é inconstitucional. Nosso pedido é que os processos sigam na 28ª Vara”, salientou. “Aliada a isso, a juíza da 30ª tem um entendimento que dificulta e muito as pessoas que têm processos tramitando nesta vara; ela cria muitas dificuldades, requer que se junte muita coisa, ao contrário da 28ª Vara que era mais célere com as exigências, e se efetivava o direito das crianças”, pontuou. Taiana Grave Carvalho reforçou ainda que, além da 30ª Vara ser cheia de processo, a juíza titular cria embaraços para o andamento do processo. Segundo a defensora, são inúmeros recursos que a Defensoria tem feito que protelam a decisão do processo. De acordo com ela, na pandemia, a 30ª Vara também começou a negar o procedimento dos bloqueios para autismo dizendo que as clínicas estavam fechadas, no entanto, diz Taiana, que isso nunca ocorreu, “porque nunca pararam, reduziram o atendimento, carga horária, entre outros”. “Temos processos com entraves absurdos e a Defensoria vem recorrendo não somente da inconstitucionalidade da lei, mas também de todas as decisões que só atrasaram o processo”, mencionou. “Até o reembolso, a 30ª Vara está negando o ressarcimento, porque muitas vezes esses pais fazem vaquinha, tiram do próprio bolso, usam cartão de crédito de terceiros para poder manter o filho no tratamento. Os remédios e suplementação são caros e que não podem ser interrompidos. Vivemos um caos na Vara da Infância e Adolescência diante deste conflito”, revelou. “A 28ª tem até concedido algumas decisões favoráveis, mas é passo de tartaruga, complicado demais”, emendou. “Esperamos que se resolva de quem é a competência”   Conforme a defensora, a partir de janeiro deste ano, um ano depois, a 30ª Vara começou a concordar com a Defensoria, devolvendo os processos para a 28ª, mas a mesma continua, com base na lei, dizendo que também não é ela. “Processualmente falando, se gera um conflito negativo de competências, porque há a suspensão do processo até o tribunal decidir quem será o juízo competente para julgar processos de criança e adolescente em Maceió, e seguem travados. A Defensoria tem conseguido agravar e bloquear no segundo grau. São recursos e mais recursos, eles não têm uma decisão unânime, temos agravos parados. Esperamos que a Justiça resolva quem é a competência”, concluiu. NOTA O Tribunal de Justiça de Alagoas (TJ/AL) comunicou por meio de nota que está elaborando um projeto de lei para modificar a competência da 30ª Vara Cível, visando dar mais celeridade ao julgamento dos processos da área da saúde. “O projeto de lei será apresentado, em data breve, aos 15 desembargadores da Corte estadual para análise em sessão plenária. Uma vez aprovado, o texto segue para a Assembleia Legislativa Estadual (ALE), onde será analisado também. Após aprovação pelos deputados, a alteração legislativa é encaminhada para sanção do governador de Alagoas”.