Saúde

Venda de ivermectina aumenta em mais de 1.000% em Alagoas

Sincofarma indica que saídas do fármaco atingiram nível alto a partir de abril de 2020; este ano, procura volta a crescer

Por Texto: Ana Paula Omena com Tribuna Independente 20/03/2021 10h16
Venda de ivermectina aumenta em mais de 1.000% em Alagoas
Reprodução - Foto: Assessoria
Num ano em que a saúde e a vida ganharam destaque mundial, o ranking de medicamentos mais procurados e comprados em 2020 mostra que o comportamento dos brasileiros em relação ao coronavírus e no Estado de Alagoas não foi diferente. De acordo com o presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Produtos Farmacêuticos do Estado de Alagoas (Sincofarma/AL), José Antônio Vieira, as vendas de ivermectina, atualmente usado para o tratamento contra a Covid-19, cresceram de forma expressiva no ano passado em comparação com 2019. “Quem vendia 10 caixas por mês em 2019 vendeu 100 caixas por mês em 2020; quem vendia entre 20 a 40 caixas em 2019, vendeu em média 300 a 500 caixas mês em 2020”, frisou o presidente do Sincofarma em Alagoas, considerando um aumentou na casa dos mais de 1.000% nos exemplos citados. Segundo José Antônio, o grande volume de vendas se deu principalmente entre os meses de abril e agosto do ano passado. “Em 2021, este mês de março já se percebe um aumento nas vendas considerável em relação há 90 dias. Os médicos estão receitando também, além da ivermectina, a azitromicina, hidroxocloroquina, vitamina C, vitamina D e zinco”, salientou. Um levantamento feito pelo portal Consulta Remédios apontou que um dos medicamentos mais buscados na plataforma digital foi a ivermectina, seguido da azitromicina e a hidroxicloroquina, todos relacionados à Covid-19. Conforme a pesquisa, a Ivermectina, por exemplo, teve recorde de consultas e intenções de compra no site. Foram mais de nove milhões de buscas no Consulta Remédios por informações sobre o medicamento, pela bula e mesmo por disponibilidade nas farmácias cadastradas ou pelo preço. A plataforma indicou ainda que parte das pesquisas feitas por usuários, ou seja, mais de 284 mil intenções foram de compras. “Cliques para finalização da venda redirecionado para o site das farmácias cadastradas. Isso representou um aumento na intenção de compra de mais de 15 mil% em relação ao ano de 2019”, destacou o Consulta Remédios. A Azitromicina teve mais de 3,5 milhões de pesquisas no portal, figurando em segundo lugar no Top 10 de buscas; a Hidroxicloroquina, em terceiro, contabilizadas 2,7 milhões de buscas. O vermífugo Annita aparece em 6º no ranking com 2,3 milhões de buscas. Aumento do uso está relacionado à divulgação de informações equivocadas Para Adriano Correia, assessor técnico do Conselho Regional de Farmácia de Alagoas (CRF/AL), o aumento expressivo do uso do medicamento ivermectina pode ser explicado pela divulgação de informações equivocadas sobre a eficácia do mesmo em relação ao tratamento contra a Covid-19. De acordo com ele, isso ocorreu devido a um estudo australiano ter mostrado que a droga inibe a replicação viral. [caption id="attachment_435038" align="aligncenter" width="1200"] Adriano Correia destaca preocupação do CRF quanto à automedicação (Foto: Assessoria)[/caption] “No entanto, a conclusão da pesquisa foi disseminada equivocadamente nas redes sociais porque tratava-se de um estudo in vitro, ou seja, restrito a um tubo de ensaio. Em virtude da procura exagerada pelo medicamento, em julho/2020 a Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária] publicou a RDC 405/2020, exigindo a retenção dos receituários nas farmácias e drogarias. Até o momento não há evidências da eficácia da Ivermectina no tratamento ou prevenção da Covid-19, já que estudos em humanos ainda não apresentaram evidências científicas que justifiquem o seu uso”, explicou Adriano Correia. O assessor técnico do CRF/AL diz que há uma preocupação, por parte da classe farmacêutica, pelo aumento no uso da ivermectina, já que isso pode ser um indicativo que a população possa estar se automedicando ou utilizando o medicamento para o tratamento precoce. Para ele, a divulgação de estudos preliminares acabou incentivando a população a comprar o medicamento como forma de combater o Coronavírus. “No entanto, esse é um risco altíssimo, uma vez que não há comprovação científica em relação a sua eficácia e, sobretudo, porque todo medicamento possui efeito colateral, dependendo da condição de saúde de cada um”, avisou. “Os principais eventos adversos causados pelo uso indiscriminado da Ivermectina são náuseas, diarreias, dor abdominal, vômitos, perda da força física (astenia), tontura, entre outros”, advertiu Adriano Correia. O Conselho Regional de Farmácia de Alagoas fez um alerta por meio do assessor técnico quanto ao uso da medicação sem prescrição médica, uma vez que pode causar problemas de saúde graves. “O CRF/AL reitera a importância do uso consciente dos medicamentos, sempre respeitando a prescrição médica. Com esse intuito, lançamos todos os anos, no mês de maio, a Campanha do Uso Racional de Medicamentos, que alerta a população sobre os riscos de se automedicar. A automedicação é uma das principais causas de intoxicações no Brasil e seus riscos são muito altos, podendo levar à morte. Entre eles estão alergias, intoxicações, interações medicamentosas indesejadas, etc”, detalhou. O Conselho observou também que o estado obteve um aumento nas vendas de hidroxicloroquina, supostamente usado no tratamento contra a Covid-19, medicamento este também defendido pelo presidente da república, assim como a ivermectina. “O CRF/AL publicou uma matéria em maio de 2020 que mostrou um aumento de 68% nas vendas de hidroxicloroquina nos três primeiros meses daquele ano. Contudo, diferentes estudos mostram não haver benefícios para os pacientes que utilizaram o medicamento. Além disso, os efeitos adversos graves, tais como distúrbios de visão, alterações cardiovasculares e neurológicas, cefaleia, entre outros, devem ser levados em consideração”, finalizou Adriano Correia. “Médicos entenderam importância da ivermectina”, diz farmacêutico O farmacêutico Luiz Alberto lembrou que médicos passaram a receitar a ivermectina porque entenderam a importância da medicação para o tratamento contra a Covid-19. “O aumento da procura por ivermectina se deu pela Covid-19 e também porque muitos médicos entenderam que era importante o tratamento e começaram a prescrever. Recebemos diversos receituários médicos e, com isso, a população vai aprendendo de certa forma a criar esse mecanismo de defesa, assim que começa a entender os sintomas se procura fazer o uso do medicamento”, ressaltou. “Nosso papel como farmacêutico é orientar da melhor maneira possível para o uso racional do remédio os possíveis riscos e benefícios na farmácia”, destacou Luiz Alberto. Conforme o farmacêutico, a procura por ivermectina ainda não está como em 2020. Ele diz que, na primeira onda da pandemia do novo coronavírus no ano passado, foi absurda a busca pela medicação nas farmácias. “As farmácias estão estocando ivermectina este ano. A busca pela medicação está aumentando, mas não como no ano anterior”, contou. “Nenhum fornecedor no estado tem ivermectina somente fora daqui [Alagoas], a tendência é que se aumentem as vendas nos próximos meses.” Luiz Alberto refrisou que a demanda de cliente este ano é menor que 2020. No entanto leva em consideração que o aumento de casos está começando somente agora. “Então a tendência é que se cresça a procura por esses dias”, observou. Indagado sobre a procura por outras medicações defendidas pelo presidente Jair Bolsonaro, o farmacêutico colocou que quanto à hidroxicloroquina raramente se procura, porém revelou que no ano passado foi maior a busca pelo remédio. “Mas nunca exorbitante. Este ano, caiu bastante”. Sobre a precificação dos medicamentos, ele mencionou que seguindo a mesma linha de raciocínio da ivermectina, como aumentou a procura, cresceu também o valor para o comprador e consumidor final. “Azitromicina, vitamina C com Zinco, dipirona já se começa a sentir um aumento nos valores destes itens, mesmo antes do reajuste de medicamentos que recebemos no início desta semana”, concluiu. Eficácia contra Covid-19 não é comprovada A infectologista Luciana Pacheco orienta a população quanto aos riscos do uso da ivermectina na causa de outros problemas de saúde. Segundo a especialista, o primeiro risco é não ter evidência científica em estudos de boa qualidade e ser utilizada de forma indiscriminada, podendo gerar uma falsa sensação ao paciente de estar protegido e deixar de usar as medidas preventivas mais adequadas como o uso de máscaras, distanciamento social e higienização das mãos. Além disso, de acordo com a médica, não existem boas evidências que mostrem que o uso da medicação reduz hospitalizações e óbitos de Covid. “As doses que estão sendo usadas pelas pessoas são muito altas podendo causar hepatite medicamentosa principalmente e até convulsões”, atentou. “Não existe uma dose estudada para tratar ou prevenir a doença que não cause risco dessas reações adversas. A dose estudada na Austrália que mostrou diminuir, in vitro, a replicação do vírus na célula é infinitamente maior do que a que vem sendo utilizada pelas pessoas”, salientou a infectologista. Sobre a ingestão de ivermectina uma vez por semana para o tratamento contra o coronavírus, Luciana Pacheco orientou que pode causar hepatite medicamentosa. “A ivermectina permanece ativa no corpo por cerca de 30 horas... Tomar uma vez por semana não irá proteger o indivíduo, tanto é que várias pessoas tomam e contraem o vírus, como a apresentadora Leda Nagle, por exemplo, que deu uma entrevista dizendo isso. E ainda podem ser vítimas de hepatite medicamentosa”, lamentou. NÃO COMPROVADA Em um comunicado divulgado no dia 4 fevereiro passado, a farmacêutica Merck, responsável pela fabricação da ivermectina, informou que não há dados disponíveis que sustentem a eficácia do medicamento. “Os cientistas da empresa continuam a examinar cuidadosamente as descobertas de todos os estudos disponíveis e emergentes de ivermectina para o tratamento de Covid-19 para evidências de eficácia e segurança. É importante observar que, até o momento, nossa análise identificou: Nenhuma base científica para um efeito terapêutico potencial contra Covid-19 de estudos pré-clínicos; Nenhuma evidência significativa para atividade clínica ou eficácia clínica em pacientes com doença Covid-19, e; A preocupante falta de dados de segurança na maioria dos estudos”, diz a nota. “Não acreditamos que os dados disponíveis suportem a segurança e eficácia da ivermectina além das doses e populações indicadas nas informações de prescrição aprovadas pela agência reguladora”, completa a nota. A fabricante brasileira da Ivermectina, a Vitamedic Indústria Farmacêutica, diz que o estudo da Merck “reflete sua opinião isolada sobre o assunto e que a empresa não é produtora de Ivermectina para humanos no Brasil”. Diz a nota: “Desconhece-se qualquer estudo pré-clínico que essa empresa tenha realizado para sustentar suas afirmações quanto à ação terapêutica no contexto da pandemia do Covid-19. Contrariamente ao que diz a empresa Merck, existem evidências médicas e científicas ao redor do mundo demonstrando a ação antiviral do medicamento. Dezenas de estudos feitos em diversos países demonstram os benefícios do medicamento, especialmente nas fases iniciais da doença e, por essa razão, a comunidade médica internacional e também do Brasil passou a incluí-la nos protocolos de tratamento de Covid-19. Trata-se de um medicamento de baixo custo e de reduzido impacto em termos de efeitos adversos”. O Conselho Regional de Medicina de Alagoas (Cremal) foi procurado pela reportagem da Tribuna Independente, mas preferiu não se posicionar sobre o assunto.