Cidades

IBGE: índice de jovens que nem estudam nem trabalham cai em Alagoas

Segundo pesquisa, 34,1% dos jovens entre 15 e 29 anos não tinham ocupação em 2019; em 2018, eram 37,2%

Por Texto: Ana Paula Omena com Tribuna Independente 28/11/2020 13h29
IBGE: índice de jovens que nem estudam nem trabalham cai em Alagoas
Reprodução - Foto: Assessoria
O índice de jovens entre 15 e 29 anos que não estudavam e não estavam ocupados, os chamados “nem-nens”, reduziu no ano passado em Alagoas para 34,1%. De acordo com a Síntese de Indicadores Sociais, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o índice de jovens nessa condição era de 37,2%. Os dados foram divulgados no último dia 12. José Walisson Santos, de 17 anos, é um desses jovens do levantamento. Ele parou de estudar no sétimo ano do ensino fundamental e nem pensa em voltar. Também está sem trabalho e diz que consegue fazer alguns bicos num lava-jato perto de casa e só. “Não gosto de estudar e nem tenho vontade de voltar a frequentar a sala de aula. Meu negócio é pôr a mão na massa, mas nem isso estou conseguindo. Meus irmãos que estudam pedem que eu volte, mas não volto, não quero”, revelou. Eric Dyla, de 15 anos, disse à reportagem que ficou sem estudar por conta da separação dos pais. “Eu morava com minha mãe, e fui morar com meu pai, quando mudei de bairro, já não tinha mais vaga nas escolas que procurei, não tinha recursos para pagar uma escola particular e fiquei sem estudar, mas não foi porque eu quis”, justificou. Outro jovem ouvido pela Tribuna Independente, Leandro Caiana, de 18 anos, não tem perspectiva para o futuro, ele também não gosta de estudar e acha a escola monótona. “Saio e volto a estudar, mas não tenho planos de concluir nada não”, disse. Indagado sobre se pensa numa profissão, ele afirmou que não pensa no futuro atualmente. “Sonhava em ser jogador de futebol, mas agora não quero mais”, comentou. O levantamento mostrou, pela primeira vez, que entre os que já tinham estudado, quanto mais cedo abandonaram os estudos, maiores eram as chances de estarem sem trabalho. Manoela Correia, de 20 anos, concluiu o ensino médio em 2016, mas nunca trabalhou mesmo tendo feito o curso técnico de enfermagem. A jovem diz que a sua rotina é praticamente a mesma durante toda a semana. “Fico em casa ociosa porque não tenho oportunidade de emprego. Saio às vezes para a feira e só”, comentou. Luciano França também está na mesma situação que Manoela, ele que reside no interior com seus pais contou que terminou o ensino médio, tem curso de auxiliar administrativo e informática básica, porém não consegue êxito no emprego. “O agravante é que moro no interior, então as vagas são ainda menores no comércio. E na agricultura não me identifico apesar de gostar. Para não ficar ocioso em casa tento de tudo, fiz um bico cuidando de um idoso, mas não estou mais”, contou. Luciano expõe ainda que fica preocupado com o futuro porque não terá a ajuda dos pais para sempre, mesmo sabendo que eles têm boa vontade em o acolher. “Todo mundo quando chega a certa idade, deseja ter sua independência. Bate o desânimo, mas não posso desistir, então busco forças e continuo tentando”, colocou. Yasmin Carollyne da Silva Santos, de 27 anos, teve dificuldades de concluir o ensino médio por conta dos filhos. Ela que é mãe de três crianças, uma de 6 anos, uma 3 anos e outra de 6 meses, está desempregada e conta que por não ter qualificação não consegue emprego. Sociólogo: “vagas não são preenchidas por falta de qualificação” O sociólogo Carlos Martins diz que o dado não traz novidades porque Alagoas tem essa mesma média há muito tempo. “O estado lidera o analfabetismo no Brasil. Esses dados não são recentes, na verdade é um histórico de Alagoas”, frisou. [caption id="attachment_413805" align="aligncenter" width="1200"] Martins: é preciso política de formação voltada para necessidade do mercado (Foto: Sandro Lima)[/caption] É que mesmo o estado tendo reduzido o percentual de jovens de 15 a 29 anos que não estudavam e não estavam ocupados em 2019, Alagoas teve a taxa mais alta entre todas as unidades da federação do país. A média para o Brasil foi de 22,1% e para a região nordeste foi de 28,1%, no entanto Alagoas ficou com 34,1%. “O histórico vem se arrastando por longos anos e isso é consequência da falta de investimento no setor de educação, entre outros setores, se tem uma população completamente desassistida. Muitos dados do Sine [Sistema Nacional de Emprego], por exemplo, as vagas não são preenchidas porque não há mão de obra qualificada, por muito tempo percebemos isso”, destacou o sociólogo. De acordo com Carlos Martins, há muito tempo não se tem no estado uma política de formação profissional que qualifique a juventude dentro das necessidades do mercado. “Então como você não tem uma sintonia entre a oferta e a procura, se o Poder Público entendessem qual é a demanda do setor que emprega, de todos os setores inclusive, hoteleiros e produtivos do Estado, e sentisse qual é a necessidade deles, fariam programas de capacitação de jovens dentro dessas necessidades dos empregadores”, avaliou. Para o sociólogo paralelo a isso se tem um sistema educacional completamente desconectado com o jovem de hoje; as escolas públicas continuam sendo espaços desinteressantes, o investimento é muito baixo e a falta de emprego do meio juvenil é matéria-prima para a cooptação do tráfico e de outras atividades ilegais. “Então não vê estruturalmente nada acontecendo no estado de Alagoas que vai à contramão disso, por isso que eu não acredito na redução do número de homicídios, pode ter mudado a metodologia de contabilização desses dados, mas eu não acredito que houve uma redução”. Martins diz que está muito ligada uma coisa com a outra. “Então eu entendo que o aumento do desemprego entre os jovens é por uma ausência de uma política dos governantes, é de inteira responsabilidade deles e esses números altos em relação à educação isso é histórico em Alagoas e ao longo dos tempos não se vê efetivamente nada concretamente construído por quem gerencia o estado. Então a consequência só tem que ser aumento e aumento dos dados estatísticos negativos”, detalhou Carlos Martins. “Modelo econômico é contraditório” De acordo com a análise do antropólogo Jorge Vieira, se não houver mudanças no modelo econômico no sentido de capacitar os jovens a perspectiva é que essa realidade se agrave nos próximos anos. “A tendência da desocupação pela falta de capacitação dos jovens gerando a falta de oportunidade para juventude vai piorar. O grande problema diante da discussão central está no modelo econômico que é contraditório, de um lado ele exclui os que já têm experiência profissional que já tem certa idade, já não serve mais para o mercado e exclui os jovens por não ter experiência profissional e não ter capacitação”, mencionou. [caption id="attachment_413804" align="aligncenter" width="1200"] Jorge Vieira acredita que, se não houver mudanças no modelo econômico, problema pode agravar nos próximos anos (Foto: Rafael Soares)[/caption] “O modelo econômico é extremamente contraditório. Então por isso apenas um número mínimo vai ter acesso ao emprego, àqueles que tiveram condições de se capacitar. Essa é a realidade que eu visualizo”, afirmou. Consuelo Correia, presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Alagoas (Sinteal) diz que os dados divulgados pelo IBGE não são surpresa, porque sabe-se que a educação pública é instrumento mais democráticos de acesso a cidadania e oferta de oportunidades. “Então para que tenhamos melhorias nos nossos índices, nossos estudantes têm que ter oportunidades na educação pública para que possa ingressar no mercado de trabalho com qualidade, não qualquer serviço terceirizado que seja uma mão de obra barata no mercado.” Consuelo destaca que a educação é uma ferramenta que transforma vidas e muda a realidade. “E o que nós temos aqui no estado de Alagoas na rede municipal de Maceió e estadual são escolas fechadas de Jovens e Adultos, portanto para o jovem trabalhador ficou muito mais difícil o acesso à educação mais próximo da sua casa, que mesmo cansado do trabalho assistem às aulas”, salientou. PANDEMIA De acordo com Consuelo, essa realidade foi agravada pela pandemia que aumentou o distanciamento entre a escola e a comunidade com o fechamento das unidades de ensino nos bairros, além da ausência de políticas sociais que garantem a segurança alimentar, já que merenda deixou de ser ofertada aos estudantes, bem como os equipamentos eletrônicos com a garantia de internet. “Não estão na escola e nem trabalhando porque não são qualificados para o mercado de trabalho, então são muitos fatores que fazem com que os nossos estudantes fiquem distantes da escola”, destacou Consuelo. A sindicalista fala da necessidade de melhorar o ensino, de projetos ou algo diferenciado para os jovens que estão buscando mercado trabalho, mas também precisam estudar e se qualificar. “A situação é muito difícil e a gente cada vez mais fica triste quando vê esses números principalmente no Nordeste, onde não temos um parque industrial, principalmente em Alagoas, ficando mais difícil para os estudantes”. Segundo Consuelo, muitos jovens deixaram a escola mesmo por via remota porque não tinham condições de colocar crédito no celular. “Ou estudo pela internet ou compro alimento para minha casa. Com o que ganha num bico não tem como fazer as duas coisas”, contou ela. Para a sindicalista, a evasão escolar interrompe a realização de sonhos por falta de uma política de articulação entre as diferentes áreas do governo, que poderiam ter garantido assistência a esses estudantes que não tem as condições necessárias mínimas para as aulas virtuais e estarem ocupadas.