Cidades

Invasões de terras indígenas crescem 300% em 2019 em Alagoas

Conselho Indigenista Missionário aponta aumento da violência contra estes povos no Brasil durante governo de Jair Bolsonaro

Por Emanuelle Vanderlei com Tribuna Independente 20/10/2020 08h10
Invasões de terras indígenas crescem 300% em 2019 em Alagoas
Reprodução - Foto: Assessoria
O Relatório Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil – dados de 2019, apresentado no início do mês pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), mostra uma realidade preocupante para o Brasil indígena no primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro na Presidência do país. Os casos de violência através de invasões, ameaças, desassistências e outras formas aumentaram significativamente em vários lugares. Em Alagoas, quatro territórios foram invadidos em 2019, contra um único episódio em 2018. Apresentando os fatos ocorridos neste período, a pesquisa aponta que foram 256 invasões no país inteiro no período, contra 109 no ano anterior. No entanto, Alagoas teve um aumento ainda mais alarmante. Foram 4 casos contra apenas um em 2018. Isso representa um aumento de 300%. Os povos atingidos aqui em Alagoas foram os Xukuru-Kariri, Karapotó, Karuazu e Wassu Cocal. As invasões se deram por conta de duplicações de rodovias (dois trechos da BR-101), obras da ferrovia Transnordestina, e a obra do Programa de Aceleração do Crescimento, na transposição do Rio São Francisco. O coordenador do Núcleo de Estudos Afro-brasileiro e Indígena (Neabi-Ifal/Maceió), Amaro Leite, se aprofunda na pesquisa indígena alagoana. Na sua visão, a violência contra os povos indígenas é histórica e se dá em todos os níveis, mas, sem dúvida, tem crescido muito nos últimos anos, e em especial em 2019. “O governo tem assumido uma política indigenista genocida, e isso pode ser verificado em todas as áreas da administração pública, que começa com o desmonte da Funai, passa pela falência dos órgão de controle e fiscalização ambiental, até chegar no incentivo da grilagem de terras e invasões das terras indígenas pelos garimpeiros, madeireiros e agronegócio. Isso tem provocado inúmeros conflitos e mortes, além de poluir os rios e as plantações das comunidades com diversos tipos de agrotóxicos. Os indígenas têm resistido de todas as formas a essa violência, pagando, inclusive, com a própria vida”, diz Leite. “Em Alagoas, é notório a violência vivida pelos povos indígenas, no que diz respeito a falta de assistência à saúde, educação e, sobretudo a negação da demarcação de suas terras, um direito garantido pela Constituição, mas pouco respeitado pelo Estado e pelo poder local”, acrescenta o coordenador do Neabi-Ifal. Ele acredita que a demarcação de terras indígenas pode representar muito para o povo brasileiro. “Numa sociedade cada vez mais individualista e consumista como a nossa, o modo de vida indígena é uma alternativa, que aponta para o respeito com o outro, com a diversidade, na integração com a natureza e com os ancestrais”. A importância de manter essas terras, na visão dos pesquisadores, vai além do reconhecimento do direito desses povos, já que na prática representam a preservação do meio ambiente. “As terras indígenas são, comprovadamente, as áreas que mais protegem as matas e os seus ricos ecossistemas”, explica o CiMi no relatório. O pesquisador Amaro Leite alerta: “Devido a essa violência contra os povos indígenas, já estamos vivendo a destruição avassaladora de algumas reservas de água e recursos naturais; algumas comunidades indígenas estão sofrendo ameaças concretas de genocídio. Não seria exagero afirmar que sem os povos indígenas, não há natureza, não há possibilidade de vida, pelo menos, de forma saudável como a conhecemos”. Ataque e interferência do homem branco trazem insegurança aos Kariri-Xokó   Além das invasões, também aconteceram muitos conflitos relacionados aos direitos territoriais, que o relatório associa à política do atual Governo Federal. “É bastante explícito que a paralisação de todos os processos de demarcação das terras reivindicadas pelos povos indígenas e a revisão de procedimentos demarcatórios, de terras já demarcadas realizadas pela própria Presidência da Funai, incentivaram a ocorrência de conflitos em todas as regiões do país. Em 2018, haviam sido registrados 11 casos de conflitos, três vezes a menos que o total de 2019”, aponta o texto do relatório. Em Alagoas, o povo Kariri-Xokó tem enfrentado conflitos como esse. Após a retomada de uma fazenda, “os indígenas foram surpreendidos por um grupo de jagunços que portava armas de grosso calibre. Eles os ameaçaram, atirando para o alto e, posteriormente, agrediram a todos, inclusive mulheres e crianças, com pontapés e pauladas”. Nahynatyá é da etnia Kariri-Xokó e relata o que passou naquele dia. “Quando menos esperamos estava lá um monte de homens atirando pra todo canto. Pensei: ‘Estão matando nossos irmãos?’ Fiquei naquele desespero. Nós sofremos muito, já foi muito massacre, perdemos muito do nosso povo”. Sobre a atuação do poder público na defesa do seu povo, Nahynatyá diz que não se sente protegida. “Não vemos nenhum interesse do poder público de estar nos acobertando. Temos o maior poder do mundo que é o de Deus, que é o de Tupã, ele nunca deixou a gente. Nossa memória viva, nossa cultura e tradição nos defende de tudo o que for ruim, principalmente nas nossas lutas”. A Kariri Xokó de 29 anos explica que o povo se sente injustiçado pelo que é dito sobre eles. “Algumas pessoas têm o costume de dizer que nós invadimos as terras dos outros. Nós não invadimos! Nós retomamos o que de direito é nosso”. Segundo ela, depois do ataque sofrido a comunidade ficou muito abalada, mas segue resistente. “A comunidade ficou sem forças, viu que a justiça não foi favorável a nós. Estamos tentando fazer uma luta pacífica, com cautela”. Amaro Leite ressalta o papel que esses povos têm desempenhado no Estado. “Sempre houve resistência dos povos indígenas em Alagoas, a começar pela bravura do conhecido povo Caeté contra os invasores portugueses e sua empresa do açúcar. Essa resistência continua em todos os momentos da história. No Quilombo dos Palmares, os indígenas lutaram junto aos negros e brancos pobres, embora tivessem outros índios e negros que se juntaram as forças legalistas”. O pesquisador menciona momentos históricos em Alagoas e Pernambuco do século XIX e XX, em que há protagonismo indígena. E destaca a luta pela terra como luta mais significativa e duradoura deles. “Aproveito para fazer uma homenagem justa – a luta da guerreira Maninha Xucuru-Kariri, que junto com os outros povos indígenas do Nordeste cria a Associação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas e Espírito Santo (Apoinme), que continuou com sua irmã Raquel e outros companheiros, “na luta pelo bem viver”.