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Parada Segura: Lei completa 3 anos com apenas 38 denúncias de descumprimento formalizadas

Autora da lei, movimento de mulheres e usuárias avaliam que é preciso mais ações para efetivação da política pública; empresas investem em conscientização dos trabalhadores

Por Lucas França / Evellyn Pimentel com Tribuna Hoje 30/09/2020 20h04
Parada Segura: Lei completa 3 anos com apenas 38 denúncias de descumprimento formalizadas
Reprodução - Foto: Assessoria

Há exatos três anos, a Lei da Parada Segura está em vigor em Maceió. A lei permite que as mulheres solicitem aos rodoviários a partir das 20h para desembarcar do ônibus em um local que se sinta mais segura para isso.   Desde a sua promulgação a Superintendência Municipal de Transportes e Trânsito (SMTT), órgão responsável pela fiscalização recebeu 38 denúncias de descumprimento. Para usuárias, é preciso fazer mais pela proteção das mulheres nos coletivos da capital alagoana.

Após dois meses da promulgação da lei, a reportagem da Tribuna Independente foi às ruas para saber se as usuárias conheciam o direito. Na matéria “Lei municipal da ‘Parada Segura’ não é cumprida na totalidade” a Tribuna trouxe relatos de usuárias quanto ao cumprimento da lei. Agora, três anos depois, a reportagem voltou às ruas com o mesmo questionamento e há quem mesmo após esse tempo, desconheça o direito.

É o caso da manicure Mayara Silva de Oliveira. Ela é usuária do transporte público e afirma que não conhecia a lei. “Nunca ouvir falar sobre essa lei. Três anos já? Então está faltando mais divulgação, campanhas, informes porque nem conhecia e nunca vi nenhuma outra pessoa falando sobre a mesma. Inclusive, muitas vezes desço ou aguardo sozinha em ponto o transporte coletivo’’, comenta.

Já a assistente administrativa, Elita Fernandes conhece a lei, mas até então não precisou utilizar. ‘’Conheço a lei da Parada Segura – acho de grande importância para nós mulheres, não precisei utilizar, mas conheço mulheres que se beneficiam desta lei’’, conta.

[caption id="attachment_402683" align="aligncenter" width="567"] Elita Fernandes, ‘’conheço a lei da Parada Segura e acho de grande importância para nós mulheres'' (Foto: Edilson Omena)[/caption]

Para a ativista e membro do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Mulher de Alagoas, Amanda Balbino, esse desconhecimento e a falta de aplicação da lei reforçam a necessidade de criar mecanismos de conscientização.

“Com a legislação a mulher tem uma maneira a mais de se proteger, porém a lei não garante a efetividade. Quando a gente pensa na efetividade dessa lei, não há estudos para saber qual o impacto disso na vida da mulher maceioense. A gente não tem um termômetro, não dá para saber se a lei cumpriu o papel dela. Porque a lei fala que a usuária pode solicitar, tem um direito, mas coloca para o trabalhador que ele pode parar em qualquer ponto sem risco de infração, mas a lei não especifica se haverá um trabalho de conscientização a parte, porque embora a lei exista, isso não obriga o trabalhador a executá-la”, afirma Balbino.

Mesmo assim, Amanda avalia como um passo positivo nas políticas voltadas à proteção da mulher.

“Eu vejo a lei como uma evolução no processo de leis que dão suporte às mulheres, mas a gente não tem infelizmente dados sobre isso. Ou até mesmo eu diria que precisaria também de um suporte para essa lei, dando suporte aos rodoviários com palestras educativas, conscientizando sobre a importância dessa lei. A lei tem importância, mas um trabalho em conjunto com os trabalhadores, informando os trabalhadores seria ainda mais positivo”

De autoria da ex-vereadora e atual deputada federal Tereza Nelma, a lei nº 6.695/2017 vale apenas para o desembarque e não para o embarque. Ouvida pela reportagem, a autora da lei defende uma maior sensibilização.

“Acredito que não foi absorvido o real propósito da lei, que é prezar pela integridade física e mental das mulheres que precisam utilizar o transporte público durante a noite, retornando do trabalho, da faculdade ou de outros compromissos. Afinal, a Parada Segura não é uma questão de comodidade, e sim de segurança. Alguns motoristas permanecem cumprindo a lei, até mesmo por sensibilidade aos riscos corridos pelas mulheres à noite, como assaltos e estupros. Mas outros, não cumprem, mesmo sem despesa ou prejuízo algum para as empresas, já que não há qualquer desvio à rota percorrida pelo veículo. É necessária uma campanha mais ampla e contínua, tanto com as passageiras como com os motoristas. E mais, que a fiscalização por parte da SMTT seja mais efetiva e rigorosa.  As mulheres precisam se empoderar desse direito e, caso as empresas não estejam cumprindo a lei, elas podem denunciar para a SMTT, através do número 118”, diz Tereza Nelma.

Empresas investem em capacitação para entendimento da lei  

De acordo com o Sindicato das Empresas de Transporte Urbano de Passageiros (Sinturb), as empresas têm investido na conscientização dos rodoviários. Eles passaram por capacitação pra entender a lei e também mudança no comportamento para atender mulheres, falar sobre assédio e como ajudar as mulheres que passam por algo dessa natureza dentro dos coletivos.

 “Os rodoviários fazem curso de atendimento ao cliente devido à parceria das empresas de transporte com o Sest Senat. Com a capacitação eles entendem e passam a conhecer a realidade das mulheres, bem como, passam a seguir a lei Parada Segura a risca. Eles passam a entender que não é apenas descer próximo ao local que mora ou trabalha, é algo que pode assegurar a segurança da mulher fora do transporte público’’, comenta Guilherme Borges, presidente do Sinturb.

https://www.youtube.com/watch?v=ULDwLPlwJhI

O sindicato disse ainda que com essa capacitação, os números de denúncias diminuíram relacionadas ao descumprimento da lei reduziram.

‘’Os números de denúncias de rodoviários que não cumpriram a lei é muito pequeno, mas fazemos questão de acompanhar. Foram 38 denúncias feitas na SMTT. E chegamos juntos de todos esses casos para não voltar a acontecer, os setores de recursos humanos das empresas também acompanham caso a caso para que a lei seja cumprida. Porém, existe um fator também muito importante é que mulheres desconhecem como funciona de fato a lei, a lei permite desembarque a partir de 20h da noite em qualquer local, porém, sem desviar do trajeto. E só permite o desembarque e não o embarque, por questões de segurança, os ônibus não podem parar em qualquer lugar pra o embarque de passageiros. Mas é fato, as empresas vão trabalhar cada vez mais para além de divulgar mais a lei, fazer com que ela seja cumprida em sua totalidade’’, afirma.

FISCALIZAÇÃO

A SMTT orienta ainda que em caso de descumprimento da Lei da Parada Segura, as maceioenses devem formalizar a denúncia através do Disque SMTT, no número 118. O canal de atendimento à população funciona de segunda a sexta-feira, das 7h às 19h. Após apurar a denúncia e ser constatado que houve descumprimento da Lei, a empresa de ônibus é notificada e autuada.

O órgão ressalta que a Lei da Parada Segura é importante para as mulheres maceioenses que utilizam o transporte público urbano justamente por proporcionar mais segurança ao garantir que o público feminino desembarque, a partir das 20h, nos locais em que se sintam mais seguras, desde que a parada indicada esteja dentro do itinerário da linha. Mas, apesar disso, algumas mulheres ainda desconhecem esse direito e, as que conhecem acabam não solicitando.

A SMTT esclarece ainda que para que todas as mulheres usuárias do transporte urbano de Maceió tivessem conhecimento sobre o seu direito, a SMTT intensificou a divulgação da Lei da Parada Segura com a colagem de cartazes da campanha dentro dos coletivos do Sistema Integrado de Mobilidade de Maceió (SIMM) e nos principais terminais de ônibus da capital. Fiscais do órgão também distribuíram materiais dentro dos coletivos informando sobre o serviço e os canais de denúncia disponíveis para a população. A campanha de divulgação da Lei da Parada Segura também foi ampliada e reforçada pela SMTT no site oficial e nas redes sociais da Prefeitura de Maceió. Entrevistas para as principais emissoras de TV e de Rádio de Alagoas também foram concedidas, além da divulgação de releases em diversos portais de notícias do estado. O órgão destaca, ainda, que todos os cobradores e motoristas das empresas de ônibus que fazem parte do SIMM foram orientados sobre o os horários de funcionamento da Lei da Parada Segura e sobre a importância do cumprimento da Lei.

Rodoviários afirmam que solicitação é mais frequente em determinados bairros  

O motorista Cícero Marques Tavares, 52 anos, há 30 anos atua como motorista, sendo 18 anos como rodoviário em sua maior parte na linha 5625, afirma que a Lei Parada Segura vem sendo cumprida. No entanto, ele acrescenta que percebe que para determinados bairros tem mais solicitação.

No áudio abaixo, o rodoviário comenta sobre a demanda e os atendimentos as usuárias.

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Cícero afirma que categoria segue a lei. “A gente segue a risca a lei. E percebo no a dia que para alguns bairros as mulheres solicitam mais. As passageiras do Benedito Bentes, Jacintinho, Trapiche, por exemplo, usam bastante por morarem mais distantes dos pontos de ônibus. E atendemos, é um direito delas’’, afirma Cícero.

[caption id="attachment_402684" align="aligncenter" width="338"] O motorista Cícero Marques afirma que rodoviários estão aptos a cumprir a Lei (Foto: Acervo Pessoal)[/caption]

Para o rodoviário, muitas ainda desconhecem a lei, e por isso o número de pedidos não é maior. ‘’Acredito que muitas desconheçam a lei. Têm locais que elas nem solicitam mesmo estando dentro do trajeto do ônibus’’.

O presidente em exercício do Sindicato dos Trabalhadores em Transportes Rodoviários no Estado de Alagoas (Sinttro-AL), Hernande José dos Santos, afirma que atualmente a demanda tem sido restrita. ‘’Achamos que ela é de grande importância e por isso, aplaudimos e respeitamos. No entanto, a demanda é pequena principalmente em tempos de pandemia do Covid-19.’’

Hernandes também avalia que a lei caiu no esquecimento. “Seria interessante divulgar novamente, realizar novas campanhas para que as usuárias não se esqueçam dos seus direitos. Quanto a nós rodoviários, estamos aptos a cumprir o que determina a lei’’.