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Banco de areia na praia de Ponta Verde esconde perigos

Fenômeno ocorre na maré baixa e tem atraído turistas e nativos, mas caminhar pelo local pode causar danos ao meio ambiente

Por Texto: Ana Paula Omena com Tribuna Independente 26/09/2020 13h23
Banco de areia na praia de Ponta Verde esconde perigos
Reprodução - Foto: Assessoria
Já pensou em caminhar por dentro do mar? Pois é, esta realidade pode ser experimentada por banhistas em Maceió, mais especificamente na Praia da Ponta Verde, devido ao banco de areia de grande extensão que se formou na costa marítima adentro. O diferencial que aparece apenas na maré baixa tem atraído turistas e alagoanos há algum tempo, mas segundo especialistas, este fenômeno, além de não ser nada natural, pode causar muitos problemas para o meio ambiente. Caminhar pelo banco de areia permite usufruir uma visão extraordinária de toda a enseada e avenida, com seus prédios e movimento. Mas nem todos sabem da atração. A técnica de enfermagem Juliana Barbosa, que estava na praia bem em frente ao local onde se forma a faixa de areia, não sabia da existência do fenômeno. “Sou da capital, mas não sabia que tinha uma trilha de areia que a gente pode caminhar por cima dele até os arrecifes de coral. É maravilhoso saber disso, pena que viemos hoje e ela não apareceu. Vou ficar observando porque é uma beleza desconhecida em meio a tantos atrativos turísticos”, disse a técnica de enfermagem Juliana Barbosa. Ir à praia é um dos programas prediletos de Georgilene de Oliveira, mas por conta da pandemia ela se isolou, ficou surpresa em saber da existência do banco de areia e ficou curiosa para ver. “Não somos muito de vir para esse lado da praia, ficamos mais na Cruz das Almas, pela proximidade da nossa casa, vamos até recomendar o local aos familiares que moram em Feira de Santana e costumam vir sempre para Maceió”, avisou. Rodrigues da Silva não confia muito no mar e disse que antes de entrar prefere consultar a tábua da maré para não correr o risco de se afogar, “porque não sei nadar”. A turista Amanda Soares está em Maceió há algumas semanas e descobriu por acaso o banco de areia. “Eu curto bastante praia apesar de morar em Brasília e não ter nada disso, faço até mergulho, quando vi a faixa de areia fiquei realmente encantada, é pouco divulgado. Fiquei com medo de ir até o final, por isso, primeiro perguntei se podia, como disseram que era tranquilo porque a maré estava bem baixa, fui e aprovei. Tinha vindo outras vezes para Maceió, mas nunca tinha visto tamanha beleza que se forma quando o mar está baixo”, contou. Ela enfatizou que embora opine sobre a divulgação do local que ainda é bem pouco visitado, afirmou que se ofender o meu ambiente no sentido dos prejuízos da preservação do local, é melhor deixar como estar. Sérios danos podem ser causados à natureza em longo prazo De acordo com o oceanógrafo Gabriel Le Campion, apesar da beleza exuberante, o local esconde um problema que pode causar sérios danos à natureza em longo prazo. O especialista estuda a formação de bancos de areia há mais de 30 anos em Alagoas. “A formação desse banco de areia perpendicular à praia tem a ver com dois motivos principais nas últimas quatro décadas. Primeiro pelo desvio da corrente de deriva litorânea promovido pelo pontão sólido à praia e pelo pouco espaço entre os pilares do Alagoinhas. Segundo que isso promove a retenção dos sedimentos da fração grossa e média ao norte só permitindo os sedimentos finos que assoreiam a bacia da Pajuçara nas proximidades daquele trecho, retendo muita matéria orgânica e escurecendo o leito antes do Alagoinhas, próximo ao Farol da Ponta Verde”, explicou. O especialista salientou o porquê de o sedimento ter ficado perpendicular à praia. Ele disse que tem origem por conta da contracorrente que ocorre em parte do ano provocado por uma barra existente na barreira recifal. DANO À BIOTA Segundo Le Campion, o encontro das duas correntes se dá naquele local fazendo com que o sedimento por inércia se deposite formando um banco alongado. “O problema é que esse banco está permitindo também acesso a região recifal pelos pedestres que começam a pisoteá-lo e causar dano à biota”, avisou. “Essa biota que cresce sobre o recife é importante no sentido de garantir a biodiversidade local incluindo inclusive a fauna nectônica (peixes) que dela dependem”. Outro ponto destacado por ele, diz respeito mais uma vez a biota, que reforça o Recife arenítico, fortalecendo-o e fazendo com que ele resista a ação erosiva marinha notadamente na energia das ondas. “E ao mesmo tempo acrescendo o Recife caso o nível do mar se eleve, e com isso mantendo a proteção da Costa contra as energias atmosfera- oceânicas”, observou. Maré enche de fora para dentro aumentando risco de afogamento O oceanógrafo frisou ainda que o simples pisoteio de banhistas sobre os recifes destrói completamente essa biota e expõe ao risco, o próprio banhista. “Pessoas podem morrer afogadas porque uma das características do lugar é a elevação do nível das águas na maré enchente próximo à praia, e o banhista que não conhece esse fenômeno, pode ficar ilhado e se afogar”, alertou. Na visão do oceanógrafo o trânsito de banhistas sobre a região recifal deveria estar terminantemente proibido em toda a extensão do litoral, porém lamentou que a prevenção não fosse feita no local. “Infelizmente isso não é feito, numa região tão importante para o turismo. E o fenômeno não é novo, o banco arenoso começou a surgir há quatro décadas, mas só se tornou visível nos últimos dez anos quando parte dele fica exposta na baixa-mar”, garantiu. Quanto à questão da dragagem da Pajuçara, Gabriel Le Campion, foi enfático ao afirmar que só pode ser feito com estudos oceanográficos e correntes marinhas locais, além de análises dos sedimentos e levantamentos da biota local. “Tais estudos têm que prever influências sazonais, ou seja, para serem efetivos devem ser feitos no período de duração de pelo menos um ano de acompanhamento das condições locais. O ideal são dois anos. O que mostra que qualquer ação de intervenção naquela região deve ser previamente planejada para evitar desastres futuros”, ponderou. Afogamentos já foram registrados no local Com o intuito de avisar os banhistas sobre o risco de transitar pelo banco de areia, a Secretaria de Turismo do Estado instalou uma placa alertando sobre o perigo, mas não há guarda-vidas no local. [caption id="attachment_401685" align="aligncenter" width="1200"] Placa instalada por Secretaria de Turismo alerta sobre perigo de afogamento que a região oferece aos banhistas (Foto: Edilson Omena)[/caption] Conforme o Corpo de Bombeiros, já houve registro de afogamento naquela área, “mas foram casos pontuais, geralmente são pessoas que vão para as regiões dos arrecifes na maré baixa e não retornam a tempo, como também já houve casos de afogamento secundário devido a mal súbito”. O órgão foi questionado sobre a não presença de guarda-vidas naquela região e informou que, pela praia em si não oferecer grandes riscos de afogamentos por conta de suas características de solo plano, por ser abrigada e por ter correntes fracas e quase ausência de ondas, não há essa necessidade. “Pelas características da praia, sem grandes riscos de afogamento, não há guarda-vidas fixos no local, mas há postos do grupamento de salvamento aquático nas proximidades, na Pajuçara e na Jatiúca”, disse o órgão por meio da assessoria de comunicação. CAMPANHA Devido a todos esses fatores e a aproximação da alta temporada, o Corpo de Bombeiros está desenvolvendo uma campanha educativa com objetivo de orientar os banhistas para prevenção de diversos tipos de acidentes em meio aquático, que deverá ser lançada no próximo mês e tratará também desse risco específico. Em contato com a Prefeitura de Maceió, a reportagem foi comunicada de que a mesma detém apenas atribuições quanto à orla e faixa de praia no que diz respeito ao ordenamento e à emissão de alvarás e que o assunto referente ao banco de areia fica a cargo da zona costeira, da qual, a jurisdição é estadual e federal. IMA: desassorear bacia causaria impacto sério De acordo com Ricardo Cesar, do Gerenciamento Costeiro do Instituto do Meio Ambiente em Alagoas (IMA/AL), desassorear a Praia da Pajuçara requer um impacto ambiental muito sério, em decorrência de que a área é rica em algas e pastos marinhos – plantas que migraram do continente para o mar e possuem uma grande biodiversidade agregada por serem local de berçário e refúgio de animais jovens. “É importante, antes de cogitar o desassoreamento, estudar qual impacto ambiental isso causará”, mencionou. Ricardo Cesar explicou que o banco de areia da Pajuçara, assim como em algumas praias do Litoral Norte do estado, é formado devido a forte presença de areia carbonática (resto de conchas e de alga). Essa areia, por ser muito leve, sofre grande influência de mudanças de correntes marítimas e é logo facilmente acumulada em banco de areia. “É possível observar esse cenário não apenas em Maceió, mas também em outros litorais estimados: Maragogi, Japaratinga e São Miguel dos Milagres”, lembrou. Ricardo apontou uma solução mais adequada, “o engorda da Praia da Pajuçara”, o que não aconteceria com a areia do próprio local, por ela ser muito fina – seria retirada logo de imediato.