Cidades

Cresce número de pedidos para porte de arma em Alagoas

Segundo a Polícia Federal, no primeiro semestre deste ano, foram 85 solicitações contra 159 em todo o ano de 2019

Por Texto: Lucas França com Tribuna Independente 19/09/2020 11h48
Cresce número de pedidos para porte de arma em Alagoas
Reprodução - Foto: Assessoria
De acordo com a Polícia Federal em Alagoas (PF), o número de requerimentos para porte de arma de fogo para pessoa física vem crescendo. Só no primeiro semestre deste ano já corresponde a 85 pedidos formulados. Ou seja, mais da metade de todo o ano passado quando foram formulados 159 requerimentos. Ainda segundo a PF, no estado, de janeiro a junho de 2020, já foram deferidos 38 portes de arma para defesa pessoal - que é o porte ao cidadão que comprova a efetiva necessidade e 15 portes funcionais de arma de fogo - a PF, quando solicitado pelo órgão e desde que cumpridos alguns requisitos legais, concede portes funcionais para servidores de algumas categorias, como guardas municipais, servidores da segurança dos Tribunais de Justiça e Ministério Público e guardas portuários. Já em 2019, foram deferidos 94 portes de arma para defesa pessoal, e 30 portes funcionais de arma de fogo. A PF informou à reportagem da Tribuna Independente que até o dia 14 julho em Alagoas existiam 29 processos de pedido de porte de arma de fogo em análise. A PF lembra que lançou em abril de 2019, o novo Sistema Nacional de Armas II (Sinarm), desenvolvido em uma plataforma mais moderna. E ressalta que o novo sistema aprimora o controle de armas e melhora os serviços ao cidadão. Com o Sinarm II, os requerimentos de aquisição, transferência, emissão e renovação de registro, guia de trânsito, ocorrência e porte de arma de fogo serão realizados pela internet, no portal da instituição. Todo o processamento dos pedidos é realizado no próprio sistema. A PF esclarece que na análise dos pedidos, verifica-se se o interessado apresentou toda a documentação exigida, que comprova a inexistência de antecedentes criminais, aptidão técnica e psicológica para o manuseio da arma de fogo, é realizada pesquisa de antecedentes, bem como é avaliada a efetiva necessidade de cada interessado para portar uma arma de fogo. Neste ponto, é preciso que o interessado comprove (não basta a mera alegação) que está submetido a um risco excepcional, diferente daquele a que toda sociedade está submetida, e que tal risco é direcionado contra sua pessoa, de modo que sua integridade física esteja exposta a esse risco. EXÉRCITO Os pedidos feitos no Exército para licença são para os chamados CACs, sigla usada para denominar caçadores, atiradores e colecionadores registrados também teve crescimento. Segundo informações da Seção de Fiscalização de Produtos Controlados (SFPC) da 7º Região Militar, que faz a fiscalização de produtos controlados do Exército Brasileiro no 59º Batalhão de Infantaria Motorizado Hermes Ernesto da Fonseca (59º BIMTZ). De acordo com dados enviados pelo setor até no primeiro semestre desse ano foram 397 apostilamentos, enquanto em todo o ano de 2019 foram 305. Para especialistas, aumento está ligado à transição política A reportagem da Tribuna Independente conversou com especialistas e representantes de vários órgãos ligados à Segurança Pública, Direitos Humanos e outros. Para a secretária de Estado de Prevenção à Violência (Seprev), Esvalda Bittencourt, o aumento pode estar ligado a transição política e as propostas de campanha do atual presidente do Brasil Jair Bolsonaro. “O Brasil passou por um momento de transição política, em que algumas políticas públicas precisaram ser reformuladas ou seguem aguardando definições, como a política nacional de desarmamento. Isso refletiu em Alagoas, a partir do momento em que tínhamos uma campanha em conjunto com o Governo Federal, a campanha de Entrega Voluntária de Armas de Fogo. A campanha perdeu forças após esta transição das políticas públicas. Porém, seguimos acreditando que armas de fogo não traz proteção, elas aumentam os riscos de acidentes, crimes passionais, homicídio culposo, dentre outros’’, fala a secretária. Bittencourt  ressalta que infelizmente a cultura do armamento não é nova no Brasil. “Exatamente por isto a Seprev teve sempre o cuidado de não trabalhar de forma a ‘desarmar’ a população, mas sim de conscientizá-la sobre os riscos da arma de fogo, orientando para a entrega voluntária. Seguimos buscando formas de trabalhar este conceito, esta temática, educando a população para a mediação de conflitos, para a prevenção da violência, sem uso de armas de fogo’’. OAB/AL Anne Caroline Fidelis, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil em Alagoas (OAB/AL), diz que visto como um item de defesa, na maioria das vezes é usado em situação de ataque. “Apesar da difusão das armas como um instrumento de defesa, em verdade, as estatísticas mostram que elas são, em regra, utilizadas em situação de ataque. Por esta razão a inserção de mais armas na sociedade acaba por agravar a violência, seja urbana, seja doméstica. Já foram feitas diversas pesquisas que atestam que a ampliação do acesso às armas não diminui a violência, pelo contrário, amplia, além de tudo, os casos de feminicídio e a ocorrência de suicídios por arma de fogo’’. Já o advogado Bruno Celestino da Comissão de Estudos Criminais da OAB/AL, diz que não é preocupante o número de requerimentos. “O cidadão possui o direito de requerer das instituições competentes aquilo que o direito permite. Os números relativos ao aumento de requerimentos não significam, necessariamente, que foram concedidas as autorizações. Mostra-se necessário observar os dois dados para que se possa falar em alguma correlação. De toda a sorte, as instituições brasileiras só autorizam porte ou licença se o cidadão preenche todos os requisitos legais e regulamentares’’. Celestino também não relaciona os aumentos as falas do presidente. “Não sou capaz de fazer qualquer correlação entre as falas do presidente da República com o aumento de requerimentos de porte ou licença. Decerto, como já mencionado antes, o requerimento é pessoal, sendo um direito de qualquer cidadão requerer das instituições aquilo que seja do seu interesse, não significando que o poder público irá atender o pleito do cidadão’’. “Estar armado dá ilusória segurança’’ Para o coordenador-geral do Centro de Defesa dos Direitos Humanos Zumbi dos Palmares (Cedeca), Elson Folha, possuir uma arma, portar oferece uma ilusória segurança, e pode terminar com uso abusivo e execuções. Ele diz que é dever do Estado agir com responsabilidade e em atendimento ao direito a vida devendo restringir o acesso da população às armas. “Consideramos importante a restrição imposta hoje pelo estatuto do desarmamento e ampliar os mecanismos de controle das armas e munições. Especialistas afirmam que o impacto de uma flexibilização na legislação brasileira sobre armas tende a ser negativo para a segurança pública. Irá significar mais crimes. No Brasil os indicadores de latrocínio (roubo seguido de morte), devem subir bastante, assim como também o de homicídios, seja doloso ou em decorrência de intervenção policial. Cerca de 70% das mortes em termos de homicídio doloso são ocasionadas por pessoas que portam arma de fogo. São tipos de crimes produzidos por determinada forma de agir’’, comenta Folha. Para Elson, a liberação das armas pode incrementar reações violentas que “levam ao homicídio como uma briga de rua, de bar, uma discussão de trânsito etc. No campo da violência doméstica também, além do aumento da violência letal em situações rotineiras. Outra preocupação é o impacto no que diz respeito à segurança dos filhos e filhas dentro de casa. As crianças têm acesso onde essas armas estão e elas estão carregadas dentro de casa e isso será uma preocupação a mais para todos os pais. Por tudo isso, somos contrários a flexibilização. Segurança pública é dever do Estado e responsabilidade de todos como afirma o texto constitucional. Fora disso, serve a política de armamentos para estimular mais violência e naturalmente é a população mais pobre que irá sofrer as consequências dessa irresponsabilidade governamental’’. PESQUISADORA A pesquisadora, professora da Faculdade Cesmac do Agreste, advogada e especialista em Direitos Humanos pela Universidade Federal de Alagoas (Ufal), Maria Juliana Dionísio de Freitas, também diz que o elevado número de armas por si só não torna uma sociedade mais ou menos segura. “Se tomarmos esse dado de forma isolada não temos como precisar que o resultado vai interferir positivamente ou não na segurança pública. O fato de um país ter grande número de armas em circulação não significa que o índice de violência será inevitavelmente superior àqueles que têm menos armas em circulação. Os dados, contudo, apontam que, invariavelmente, alcançam-se os melhores índices de paz/segurança em Estados nos quais as variáveis políticas, sociais e econômicas, consideradas conjuntamente são satisfatórias’’. Juliana lembra que um estudo realizado pelo Ministério da Justiça aponta que há, de fato, coincidência entre os altos índices de homicídios e os fatores negativos dos indicadores-sínteses associados às macrocausas consideradas (fatores transversais - inclusa neste fator encontra-se a disponibilidade de armas de fogo como agente responsável por potencializar o cometimento de homicídios, gangues e drogas, violência patrimonial, violência interpessoal, violência doméstica, presença do Estado, conflitos entre sociedade civil e polícia, concentração dos homicídios e causas nas UFs e públicos vulneráveis aos homicídios). “Por isso, para que possamos considerar outras variáveis como violência e desigualdade social, a presença qualificada e responsável do Estado, através de políticas públicas que promovam a dignidade e o controle da criminalidade através de uma polícia cidadã, deve ser considerada. Inserir mais armas entre civis no Brasil terá, certamente, efeito distinto daquele que obtemos se mudamos o país (Canadá e Suíça, por exemplo)’’, explica a especialista acrescentando que dados do Ministério da Justiça apontam que na região Nordeste há altas taxas de mortes por armas de fogo, figurando índices piores que Colômbia ou Congo. De modo semelhante a região Norte também vê crescer as taxas de homicídios por arma de fogo em seu território. Dionísio diz que é inadmissível tomar apenas o uso de armas como medida principal e efetiva de contenção do complexo fenômeno da criminalidade. “A segurança pública adotada por um estado democrático de direito não deve fundamentar-se e desenvolver-se em torno de práticas de enfrentamento civil armado. O exercício da liberdade pelo particular não é medido suficiente e legítima para enfrentar o crime. É preciso que o Estado promova a segurança através das instâncias de justiça criminal sem que abandone as elementares macrocausas da criminalidade elencadas em estudos e pesquisas’’.