Saúde

Corrida por Cloroquina gera desabastecimento em Alagoas

Incentivo ao uso do medicamento, mesmo sem comprovação científica, contra a covid-19 preocupa setor de farmácia no estado

Por Evellyn Pimentel com Tribuna Independente 22/05/2020 08h16
Corrida por Cloroquina gera desabastecimento em Alagoas
Reprodução - Foto: Assessoria
As constantes declarações do presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido) incentivando o uso da Cloroquina no tratamento contra Covid-19, mesmo sem a eficácia oficialmente comprovada, tem causado o desabastecimento do remédio nas prateleiras de farmácias em Alagoas. Além disso, a publicação de estudos preliminares ou inconclusivos sobre o uso de outros medicamentos também tem causado preocupação para o setor farmacêutico. A polêmica em torno do uso da Cloroquina motivou o pedido de demissão de Nelson Teich, do Ministério da Saúde. Mas os problemas não são apenas de ordem política. São ainda mais profundos que a queda de um ministro. Se a “corrida” para fazer estoques de um remédio sem eficácia comprovada no combate a Covid-19 já preocupa especialistas, a automedicação e a falta para quem realmente precisa causam ainda mais estragos. Conforme apurou a reportagem da Tribuna Independente, falta desde a famosa Cloroquina até a Ivermectina, remédio usado no combate a parasitas como piolhos. Estoques de outros medicamentos como a Azitromicina e a Nitazoxanida (Annita) também estão em baixa. O farmacêutico Jamisson Barbosa é proprietário de uma farmácia no município de Arapiraca e conta que a desabastecimento ocorre de forma geral. “A falta começou com essa procura exacerbada, como a Hidroxicloroquina, associada à Azitromicina. A Azitromicina ainda tem no mercado, mas a gente recebeu a informação dos distribuidores que logo vai faltar também. Hoje nós não temos nenhum acesso a Cloroquina ou Hidroxicloroquina, infelizmente. As farmácias de manipulação já começaram a manipular também, mas só passaram dois dias, faltou matéria prima porque a procura foi grande. E agora esse medicamento é controlado, antes não era, agora precisa de receita. A situação é geral. A distribuidora que atende em Arapiraca é a mesma que atende em Maceió. Já não tem na distribuidora, já tentamos comprar essa semana e não conseguimos de jeito nenhum. O Ivermectina não tem mais para compra. O único que ainda tem para compra é o Annita”, revela. O descontrole fica evidenciado, segundo o farmacêutico pela iniciativa de compra para “estoque”. Ou seja, as pessoas têm comprado para manter em casa, para numa eventual necessidade se automedicarem. “A população está muito apavorada, qualquer coisa que escuta, sobre qualquer medicamento já corre para comprar, acho que para se resguardar. A maioria das pessoas que temos recebido está sem sintoma algum. Quer comprar para deixar em casa porque ouviu falar, porque tem algum estudo, para caso adoeça tenha lá para usar, é totalmente irregular e ilegal. E o pior, quem precisa de medicamentos como a Hidroxicloroquina, no caso de pacientes com artrite reumatoide não está achando o medicamento”, explica. Barbosa critica o comportamento e se diz “refém do desespero”. Para ele, as informações sem comprovação científica aliadas ao desespero da população tem criado um “absurdo do absurdo”. “Eu acho um absurdo do absurdo. Primeiro porque a pessoa sai em busca de um medicamento que não sabe nem a eficácia para a patologia para tomar por contra própria. Sem sintoma nenhum. Não há um dado científico que comprove a total eficácia. É o próprio desespero, as pessoas seguem vendo as notícias a cada dia de outras morrendo e buscam refúgio em medicamentos. Por isso que a Anvisa já colocou esse medicamento como controlado, porque antes era vendido com receita, mas sem a retenção, agora precisa. O Annita também. Tudo isso é muito complicado, a gente se torna refém dessas informações e refém do desespero das pessoas”, reclama. Segundo o farmacêutico, não há previsão para reabastecimento do medicamento, e o cenário deve se agravar com a falta desses medicamentos também em hospitais. “É realmente lamentável e preocupante essa situação. Eu trabalho também no Hospital de Emergência do município e está começando a faltar esse medicamento porque a distribuidora não tem para entrega e a demanda só aumenta. Aqui, o pessoal de outro hospital particular me perguntou onde comprar e eu já disse que não encontra em distribuidora nenhuma. Infelizmente. É lamentável. Os distribuidores não tem indicativo de quando vai retomar”, enfatiza.