Cidades

Durante a pandemia, cresce venda de remédios sem eficácia comprovada

Pesquisa do CFF e CRF/AL aponta que média de aumento foi de 64% para seis medicamentos procurados pela população

Por Lucas França com Tribuna Independente 06/05/2020 07h48
Durante a pandemia, cresce venda de remédios sem eficácia comprovada
Reprodução - Foto: Assessoria
A pandemia de covid-19 disparou as vendas de medicamentos sem eficácia comprovada. Em Alagoas, segundo o Conselho Federal de Farmácia (CFF) e o Regional de Farmácia no Estado (CRF/AL), o crescimento percentual somados dos seis remédios mais procurados foi de 384,87%, o que dá uma média de aumento de 64,15%. Os medicamentos pesquisados foram apontados como possibilidade de tratamento para o novo coronavírus, mas não existem evidências clínicas de sua efetividade. Entre eles estão medicamentos à base de hidroxicloroquina, substância propagandeada pelo presidente Jair Bolsonaro mesmo sem estudos sólidos e com efeitos colaterais perigosos, como parada cardíaca apontada por alguns estudos. De acordo com o CRF/AL, no mês de março de 2019, foram vendidos 800 medicamentos de cloroquina; no mesmo período de 2020, as vendas chegaram a 1.983. Outros que tiveram grande procura foram a vitamina C e o paracetamol. De acordo com o levantamento do conselho, de janeiro a março deste ano, a vitamina C registrou aumento de mais de 180% nas vendas, seguida do paracetamol (77,35%) e cloroquina (67, 93%), em relação ao mesmo período de 2019. A hidroxicloroquina, por sua vez,  a Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa) colocou no grupo especial de medicamentos em março, e só é vendido com receita médica. Isso segurou a dispensação, mas atualmente têm alguns médicos receitando para a Covid-19. O professor de farmácia e secretário-geral do CRF/AL Daniel Fortes ressalta que os Conselhos Federal e Regionais fizeram a pesquisa com esses medicamentos, todos que foram noticiados como drogas que ajudam no tratamento do Covid-19. “Vitamina C, paracetamol e hidroxicloroquina lideram o ranking. No início o Ibruprofeno também, mas como surgiram as notícias que poderia agravar o quadro a procura foi diminuindo. Mas, mesmo assim, a venda no Estado teve um crescimento de 44,97% em relação ao mesmo período do ano passado. Todos esses  são medicamentos relacionados como cura para alguma infecção’’, disse Fortes. Desde o início da pandemia, que cientistas, médicos e várias instituições estão buscando uma vacina ou medicamentos para combater a doença. E o uso da cloroquina é alvo desses estudos. Apesar de evidências positivas, não há resultados conclusivos e médicos alertam para os efeitos colaterais, como a arritmia cardíaca. A Organização Mundial da Saúde (OMS) diz que nenhum medicamento, até agora, se mostrou seguro e eficaz contra a Covid-19. No país, o Ministério da Saúde (MS) divulgou protocolo que indica o uso da cloroquina para pacientes graves e moderados. Vele lembrar que o governo de Alagoas autorizou no dia 15 de abril o uso da cloroquina em pacientes internados diagnosticados com coronavírus. Sobre a procura por vitamina C, Daniel Fortes diz que é baseada na tentativa de aumentar a imunidade. “Cabe ressaltar que é uma substância estudada há mais de 100 anos, e dentre todos os estudos nunca foi identificado  que ela elevaria a imunidade. Ou seja, as pessoas buscam o consumo nessa expectativa e isso preocupa porque elas podem sentirem seguras e acabam relaxando em outras medidas que são essenciais ao combate as infecções. Já a cloroquina está tendo uma certa dificuldade em encontrar no mercado, mesmo que as vendas sejam sob prescrição médica”. “Automedicação traz prejuízos à saúde e pode causar morte”   Para o presidente do CRF/AL, Robert Nicácio, os dados reforçam a preocupação por partes dos farmacêuticos com relação a automedicação cujo hábito é comum em 77% dos brasileiros, segundo pesquisa do Instituto Datafolha de 2019. “Essa cultura da automedicação traz prejuízos à saúde, que podem ser resistência quanto ao uso daquela droga, alergias e reações que podem levar a morte”, alerta. O presidente pontua que mesmo que sejam medicamentos livres de prescrição médica a orientação por parte do profissional farmacêutico é fundamental. Por exemplo, o uso excessivo da vitamina C pode levar ao surgimento de cálculo renal. No caso do paracetamol, pode causar lesões hepáticas e do sulfato de hidroxicloroquina problemas de arritmias e até parada cardíaca. Já Fortes lembra que a automedicação é responsável por 30% dos óbitos no país por intoxicação e são a principal causa de internação também nesse sentido. “Estamos orientando aos farmacêuticos sobre a venda racional e conversar com os pacientes para avaliar a necessidade e ingerir apenas por orientação médica, farmacêutico ou outro profissional de saúde’’. Outra preocupação observada pelos profissionais  é a procura pela ivermectina - é um medicamento usado para controle de infecção parasitárias, também utilizado no tratamento de piolhos e outros. Alguns estudos mostram que in vitro - experimentos, esse medicamento poderia diminuir a infecção do coronavírus. Mas não existe nenhum protocolo estabelecido pelo Ministério da Saúde (MS) ou outros órgãos. “Ou seja, é uma substância que não tem comprovação científica com efeito para a doença, nem estudo que demonstre sua segurança. Mas as pessoas compram e fazem a automedicação’’, aponta Fortes. A automedicação traz vários riscos como reações alérgicas, intoxicação e desenvolvimento de resistência por parte do organismo a outros medicamentos. E a superdosagem também pode diminuir a eficácia de outros medicamentos e provocar lesões. “A Vitamina C é um exemplo, ela é contra indicada aos pacientes que tem deficiência renal. Ela pode acumular e provocar a formação dos cálculos que se formam nos rins ou até na bexiga’’, esclarece o farmacêutico. Um relatório publicado por entidades ligadas à Organização das Nações Unidas (ONU) em 2019 demonstrou que o uso excessivo de medicamentos pode levar a morte de 10 milhões de pessoas por ano até 2050. Além disso, as infecções resistentes a antibióticos já causam, pelo menos, 700 mil mortes todo ano. Dessas, 230 mil são por causa da tuberculose multirresistente.