Cidades

Brincadeira "quebra-crânio” preocupa pais e responsáveis

Escolas orientam alunos sobre perigo da nova “moda” que tem ganhado força nas redes sociais e adesão de crianças e adolescentes

Por Lucas França com Tribuna Independente 13/02/2020 11h09
Brincadeira 'quebra-crânio” preocupa pais e responsáveis
Reprodução - Foto: Assessoria
A ‘brincadeira da rasteira’ que ganhou força na internet está semana vem preocupando pais e responsáveis de crianças e adolescentes. Na brincadeira, duas pessoas combinam um salto, quando a terceira - que fica no meio sem saber do combinado, é desafiada pela dupla a alcançar uma determinada altura. No momento em que ela tenta fazer o salto, recebe uma rasteira já no alto e sofre a queda. A preocupação geral é que ao ter contato com o chão, o choque pode trazer consequências graves. Os especialistas estão alertando sobre o perigo da brincadeira que pode levar a paraplegia, traumatismo ou até mesmo, a morte. Em Alagoas, ainda não foi registrado nenhum incidente provocado pela brincadeira, mas responsáveis por escolas já iniciaram ações para que os alunos não se machuquem ao brincar. A administradora, Grayce kelly da Rocha, mãe de um adolescente de 12 anos, já tomou conhecimento da brincadeira e orientou seu filho sobre os perigos. “Recebi no grupo de mães da escola, e no grupo da catequese do meu filho, vídeos da brincadeira. E já conversei com ele, mostrei as consequências, e pedi que ajudasse aos colegas a não participar disto nunca. É mais uma preocupação para nós pais, pois são crianças e fora de casa, nunca sabemos como realmente eles irão reagir’’. O Colégio Maria Montessori em Maceió está trabalhando para evitar que brincadeiras desse tipo aconteçam em suas dependências. “Desde que circularam os primeiros vídeos nas redes sociais, as turmas começaram a ser alertadas pela coordenação, em sala de aula, sobre os perigos que brincadeiras como essas representam. Também está sendo iniciada uma campanha interna, durante os intervalos, e nas redes sociais, focando no bem que o brincar traz para crianças e adolescentes, mas alertando que até as brincadeiras têm limites. Se vai machucar alguma das partes, deixa de ser brincadeira. Além disso, os professores estão orientados a chamar a atenção dos alunos para essa brincadeira de mau gosto, assim como os pais parceiros, que estão cientes da situação e em constante conversa com os filhos, para que eles não entrem nessa ‘moda’’’, disse a direção. O Colégio Santíssimo Senhor também desenvolveu uma campanha de alerta com o objetivo de conscientizar os alunos. Uma das psicólogas da escola, Ana Paula Sarmento, visitou as turmas para conversar com os estudantes sobre os riscos que a “rasteira” traz para quem a recebe e também a pratica. Com um intuito educativo e de esclarecimento, a profissional chamou a atenção dos estudantes para esta brincadeira, que parece ser a mais recente ação inconsequente praticada por jovens dentro do ambiente escolar. “É importante mostrar a eles que esse tipo de atitude pode trazer diversos prejuízos, desde uma queda, fazendo com que a pessoa frature algum membro, até uma consequência mais grave, como o óbito. O que nos chama a atenção é que a maioria dos alunos já tinha visto algum dos vídeos que circulam na internet. Eles receberam as nossas orientações de uma maneira bem tranquila, pois se mostraram, apesar da idade, maduros o suficiente para não praticarem atos desta natureza”, relata à psicóloga. Além da visita da psicóloga, o colégio também divulgou em suas redes sociais um vídeo, onde três alunos mostram que a brincadeira não tem nenhuma graça e que precisa ser evitada dentro e fora da instituição. MORTE Em Mossoró, no Rio Grande do Norte, uma adolescente de 16 anos sofreu traumatismo craniano depois de bater a cabeça no chão ao cair durante a brincadeira na Escola Municipal Antônio Fagundes. Emanuela Medeiros foi socorrida pela direção do colégio e levada ao Hospital Regional Tarcísio Maia, na última sexta-feira (8), onde ficou internada, mas veio a óbito na segunda-feira (11). “Comunidade médica recebe nova ‘trollagem’ com preocupação” O pediatra João Lourival de Souza Júnior, da Sociedade Alagoana de Pediatria, disse que a comunidade médica recebeu a nova “trollagem’’ com tristeza e preocupação. “Assim como toda a sociedade fomos pegos de surpresa, como a onda da Baleia Azul e outras que vitimavam as crianças. Acredito que a sociedade Brasileira de Pediatria e a local devem em breve produzir um documento de orientação sobre os riscos da prática’’, disse Júnior. De uma maneira geral, o pediatra afirma que o trabalho dos especialistas já é de orientação também. ‘‘Nosso papel é orientar as famílias nos consultórios, falar sobre prevenção de acidentes. Porém, como essa brincadeira é uma prática não tão conhecida, é nova – só nos próximos dias teremos respostas mais direcionadas a esse evento’’. O médico Luciano Timbó avalia que a brincadeira pode trazer consequências irreversíveis. Além disso, ele explica que a brincadeira de passar uma rasteira nos dois pés de uma pessoa, quando a mesma deu um salto, é crime de lesão corporal que prevê detenção de três meses a um ano. "Entretanto como médico venho expor a parte técnica dessa terrível brincadeira. O resultado final é o impacto no chão que provoca risos em quem fez e danos sérios em quem caiu. Do ponto de vista técnico, a pessoa perde o equilíbrio muito súbito, neutralizando as defesas fisiológicas do corpo. Por exemplo, quando, inadvertidamente, tocamos em algo quente, a medula responde mais rápida que o cérebro e causa um Ato Reflexo, ou seja, retira nossa mão antes que a mensagem chegue a ele. Entretanto isso não é impossível se você tiver suas duas pernas empurradas no ar", alerta. Timbó diz que existem algumas pessoas que vão conseguir evitar que sua cabeça choque contra o chão, mas muitas não. “Essas pessoas podem sofrer lesões leves, como contusão que provoca desmaio, corte com exteriorização de sangue ou hematoma, o famoso galo na cabeça. Contudo, o que preocupa são as lesões graves, pois o traumatismo craniano é a terceira causa de óbito nos EUA e a OMS [Organização Mundial da Saúde] estima que em 2020 será a maior causa. Porém essa estatística é feita através do conhecimento dos acidentes de trânsitos e sem essa terrível brincadeira". Ele explica o porquê relacionou aos acidentes de trânsito. “Porque a lesão é semelhante, entretanto é limitada à região occipital, podendo causar traumatismo cranioencefálico (TCE) fechado. Neste o crânio permanece íntegro e a queda resulta em rápida aceleração e desaceleração da cabeça provocando Lesão Axonal Difusa (LAD). No TCE aberto, o crânio é fraturado ou penetrado, cegueira cortical. Se ambos os lados do lobo occipital forem lesionados, as pessoas não conseguem reconhecer objetos com a visão, apesar de os próprios olhos funcionarem normalmente. Podem ocorrer convulsões que resultem em alucinações, afundamento da calota craniana, isquemia traumática, lesões vasculares secundárias, hematoma subdural, hemorragia subaracnóide e morte. A injuria cerebral pode trazer sequelas reversíveis e irreversíveis, sendo esta última a mais preocupante”. Psicólogo diz que conversa com filhos deve ser clara e orientada O psicólogo Bruno Freire, alerta que os pais devem intervir. “Isso está viralizando na internet como uma brincadeira, porém não é a brincadeira em si, mas sim a necessidade da intervenção dos pais explicando os riscos dela para os filhos. Muitos pais se queixam de não saber conversar com os filhos e se perguntam, muitas vezes, qual é a melhor forma de utilizar o diálogo sem intimidar ou sem que os seus conselhos possam parecer imposições. Vale atentar para o processo educacional do filho. Buscar formas de interagir com os filhos, explicando os riscos das brincadeiras nocivas à saúde física e mental. É fundamental, nos tempos atuais", ressalta. O psicólogo questiona ainda se os pais estão atentos a conversar com os filhos. “Quantos pais se dispõem a conhecer seus filhos? Será que o filho é o que os outros dizem ou o que o pai experimenta com ele? E de quanto em quanto tempo os pais têm tempo livre para os seus filhos? O que as crianças fazem dentro desse espaçamento de tempo disponível? A melhor forma de conversar, com certeza, é a forma educacional libertadora, sem ciclos, sem pensamento crítico, ou seja, a explicação das coisas de forma clara e orientada”. Freire diz ainda que a criança e o adolescente precisam de orientação e direcionamento. “Deve-se pensar urgentemente numa estratégia de aproximação e de melhoria na dinâmica familiar. Muitas vezes, os pais só percebem que o filho precisa de ajuda, quando a escola os “convoca” para conversar. Claro que isso não é em todos os casos, mas infelizmente acontece. A família é a estrutura-base para uma tomada de consciência sobre os riscos e consequências de seus atos. A educação é processual e não algo dado uma única vez. Sendo assim, entender os processos dos filhos e suas questões de necessidades básicas pode ajudar os pais a intervir nas demais questões dos filhos de forma libertadora, e não de forma opressora. Contato, afeto e presença podem ser grandes aliados no processo educacional e no desenvolvimento infanto-juvenil", aconselha.