Cidades

Afinal, a Braskem assumiu ou não a culpa?

Apesar de arcar com custos da retirada de moradores, acordo diz que não há reconhecimento de responsabilidade por parte da empresa

Por Texto: Evellyn Pimentel com Tribuna Independente 11/01/2020 11h17
Afinal, a Braskem assumiu ou não a culpa?
Reprodução - Foto: Assessoria
Há cerca de uma semana, foi firmado acordo entre Braskem e órgãos de controle em Alagoas. Para muitos dos moradores envolvidos, o acordo seria um “reconhecimento de culpa” por parte da empresa que deve desembolsar no mínimo R$ 2,7 bilhões – sendo R$ 1,7 bi para as realocações e indenizações e R$ 1 bi para fechamento de minas. Contudo, a empresa mantém o posicionamento de que não há até o momento “relação definitiva de causa e efeito” para o fenômeno. A cláusula 32ª do documento deixa claro que “Todas as obrigações assumidas pelas partes neste termo de acordo não importam em reconhecimento de responsabilidade da Braskem pela desocupação de pessoas das áreas de risco ou outros impactos BPM e não poderão ser interpretadas neste sentido”. Em outras palavras, não houve reconhecimento oficial nem dos órgãos de controle, tampouco da empresa para o processo de afundamento nos bairros do Pinheiro, Bebedouro, Mutange e Bom Parto. Em maio do ano passado, o Serviço Geológico do Brasil (CPRM) divulgou relatório conclusivo dos estudos, assinado por mais de 50 profissionais que aponta como causa para o afundamento a atividade de extração de salgema em profundidade, executada pela Braskem. Mas ao que tudo indica, a última palavra sobre de quem é a “culpa” deve vir do Judiciário. Sobre isto, o defensor Público-Geral do Estado, Ricardo Melro afirma: a Braskem sabe que há forte possibilidade de ser condenada. “Quanto à cláusula 32ª, ela deve ser lida juntamente com a 16ª, em que fica claro que a inexistência de responsabilidade é por ora, ou seja, no momento que firmamos o acordo, pois ainda não há sentença no processo. Obviamente a Braskem não é empresa filantrópica e sabe que há forte possibilidade de ser condenada”, afirma Melro. [caption id="attachment_298660" align="aligncenter" width="640"] Melro: acordo quita obrigações com moradores, caso concordem com proposta (Foto: Edilson Omena)[/caption] Com ou sem reconhecimento, a Braskem arcará com os gastos para a retirada e indenização de 17 mil moradores dos quatro bairros. Procurada, a petroquímica diz que a desocupação visa à retirada o quanto antes, mesmo que os estudos, até agora, “não permitem estabelecer relação definitiva de causa e efeito”. “A desocupação está sendo feita antes mesmo que todos os estudos sobre o fenômeno geológico na região fiquem prontos, para priorizar a segurança das pessoas. O que está acontecendo na região é um fenômeno novo e complexo. O Serviço Geológico do Brasil aponta vários fatores e ainda há outros estudos em curso de institutos nacionais e internacionais, sendo feitos tanto pela Braskem quanto por diversos outros agentes públicos. Até agora, os estudos não permitem estabelecer uma relação definitiva de causa e efeito sobre o que acontece nos bairros”, afirma a empresa. As procuradoras da República Niedja Kaspary, Raquel Teixeira, Roberta Bomfim e Cinara Bueno, que compõem a força tarefa do Ministério Público Federal (MPF) sobre o caso, atestam que a responsabilidade deve mesmo ser definida por meio da Justiça. “A responsabilidade está sendo discutida em processos já judicializados. E o acordo, mesmo sendo no processo, não interfere na questão da responsabilidade. Ressaltando que quanto à Área de Resguardo, a empresa assume, naquela medida, sua responsabilidade. Quanto ao mais recente acordo que amplia os benefícios do programa da Braskem para outras áreas de criticidade 00 e para alguns imóveis do Bom Parto, o importante é o compromisso assumido pela empresa”, afirmam as procuradoras. Ricardo Melro salienta que só houve concordância entre as partes porque o valor de R$ 3,7 bilhões estava “travado”. “É bom esclarecer para a sociedade que o motivo para o acordo foi o bloqueio de 3,7 bilhões de reais que, apesar da desastrosa decisão no mês de agosto do presidente do STJ, determinando o desbloqueio, ele perdurou até o último dia 6 de janeiro em virtude de alguns incidentes processuais que propusemos, de modo que, se nós não podemos utilizá-lo para a antecipação das indenizações, a Braskem também não pode. Foi isso que trouxe a Braskem para a mesa de negociação e o assunto ficou consignado no acordo. Isso e apenas isso. Muita notícia falsa tem sido espalhada. Portanto, o tão falado acordo foi fruto exclusivo do trabalho da DPE, MPE, MPF e DPU. A população não pode e nem merece ser enganada”, ressalta. Acordo não isenta empresa de ações judiciais e de possível condenação O documento assinado  pela petroquímica e Ministério Público Federal (MPF), Ministério Público do Estado de Alagoas (MPE-AL), Defensoria Pública da União (DPU) e Defensoria Pública do Estado de Alagoas (DPE-AL) prevê a suspensão do bloqueio de R$ 3,7 bilhões e a extinção parcial de ação no que tange às obrigações com os moradores. No entanto, tal pacto não exime a Braskem de ser alvo de novas ações, inclusive, podendo ainda ser responsabilizada pelas ações em curso e pelos danos ambientais causados na área de exploração de sal-gema em Maceió. Ricardo Melro explica que de certa forma, o acordo “quita” as obrigações da empresa com os moradores – principais afetados pelo afundamento-, tendo em vista que os retira do risco iminente. Mas que outros pontos ainda serão alvos de litígio. “Em relação aos moradores e pequenos comerciantes, o acordo quita, desde que eles concordem com as propostas das indenizações ofertadas pela Braskem. Em relação às questões sociais, urbanísticas e ambientais, estas estão sendo discutidas em outras ações cíveis públicas (...) A cláusula 55ª estabeleceu que o Termo de Acordo não vincula e não gera obrigações para os cidadãos que não concordarem com as propostas da Braskem, ficando livres para adotarem as medidas que entenderem cabíveis. Penso que, se não concordar, o cidadão pode pegar o acordo e propor a liquidação individual”, pontua o defensor geral. As procuradoras da República Niedja Kaspary, Raquel Teixeira, Roberta Bomfim e Cinara Bueno reforçam que os processos continuam. “O acordo foi homologado em dois processos, mas ambos continuam, nenhum foi extinto. Em relação ao processo sobre a indenização dos moradores, haverá extinção parcial no tocante ao que for cumprido pela empresa e apenas em relação aos moradores que ela indenizar (...) O acordo não quita tudo, porque o acordo é parcial, envolve algumas áreas afetadas (as de maior risco). Existem outras situações que já estão em processos judicializados e que não são abrangidos pelo acordo. O cumprimento compreende o pagamento de indenizações por danos morais e materiais aos afetados. Uma vez homologadas essas compensações pela Justiça, entende-se que cada uma das vítimas que a Braskem recompensou haverá ‘quitação de débito’. Cada caso será um caso”, afirmam as procuradoras. Moradores sairão ainda que não aceitem acordo Segundo a Braskem a retirada dos moradores é uma medida de segurança. “O acordo assinado entre Braskem, DPE, MPF, MPE e DPU visa assegurar a desocupação das áreas identificadas pela Defesa Civil em Maceió no menor tempo possível e com os custos de realocação dos moradores e as respectivas compensações pagos pela Braskem”, informa a empresa. A Defensoria afirma que as desocupações na área irão ocorrer independente da concordância dos moradores com os termos do acordo. “Por estarem na área de risco, o juiz federal que homologou o acordo determinou a retirada dos moradores para preservar suas próprias vidas, logicamente, com o pagamento dos aluguéis sociais”, explica o órgão. O MPF também defende a saída imediata dos moradores das áreas de criticidade 00. “Todas as pessoas em áreas de risco devem sair de suas residências. A preservação de vidas tem que ser a prioridade de todos, vítimas, poder público e empresa. Aquelas que optarem por não aderir ao programa poderão buscar a Justiça em demandas individuais, mas deverão sair de suas residências”, esclarece o órgão ministerial. ADVOGADO Na avaliação do advogado Luciano Lima, consultado pela reportagem, a aceitação das cláusulas é uma tentativa da petroquímica de reduzir riscos, ações judiciais e melhorar imagem. “Com esse acordo, aparentemente, a Braskem busca reduzir os riscos, os custos de ações judiciais, a quantidade de ações na Justiça, aumentar a previsibilidade de gastos, liberar valores que tinham sido bloqueados de sua conta, melhorar sua imagem junto ao público e solucionar com mais rapidez o caso”, destaca o especialista. Ainda segundo o advogado, o acordo é um passo positivo na resolução do conflito. “É um acordo que foca basicamente na desocupação e realocação dos moradores e pequenos comerciantes da região, ainda não contemplou as grandes empresas e equipamentos públicos, bem como os danos ambientais causados. Já é um grande avanço, principalmente, para a população mais afetada, que são os moradores dos respectivos bairros. As empresas afetadas ainda poderão ingressar com ação em face da Braskem, buscando ressarcimento dos danos causados, bem como pelos demais prejuízos sofridos. No mesmo sentido, após o término dos estudos que avaliarão os culpados pelos danos, a empresa ainda poderá ser condenada ao pagamento de multas e indenizações pelos danos ambientais e danos coletivos”, aponta. Entre outros termos, o acordo substitui o seguro-garantia de R$ 6,4 bilhões que tinha sido apresentado pela Braskem em juízo por outros dois seguros no valor aproximado de R$ 3 bilhões. “A Braskem tem um compromisso de mais de 40 anos com a sociedade alagoana e pretende continuar operando no Estado, gerando riqueza e empregos na região. A retomada da operação em 2020 provisoriamente com sal importado já estava prevista, independentemente do acordo, e segue cumprindo os requisitos legais conforme licenças necessárias”, afirma a empresa.