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Livro sobre quilombola traz fatos inéditos

Obra de autora palmarina revela casos desconhecidos pelos alagoanos sobre a luta negra na Serra da Barriga

Por Lucas França com Tribuna Independente 30/11/2019 09h58
Livro sobre quilombola traz fatos inéditos
Reprodução - Foto: Assessoria
A escritora palmarina Genisete de Lucena Sarmento lançou na 9ª Bienal Internacional do Livro de Alagoas a obra “A Ocupação das Terras do Quilombo dos Palmares e a Criação de Vilas - Introdução à história de União dos Palmares”. O livro retrata a última batalha dos aguerridos quilombolas palmarinos na Serra da Barriga contra as tropas invasoras de Domingos Jorge Velho, que destruiu o Quilombo, 100 anos depois de sua fundação em 1694, e as consequências para a Capitania de Pernambuco – Alagoas. Isso e muito mais fatos estão no livro, com novos documentos, resultantes de exaustiva pesquisa realizada pela escritora. A reportagem da Tribuna Independente conversou com a autora que contou o que tem de importante na obra e o diferencial do livro.   Tribuna Independente – O que o leitor pode encontrar nesta obra lançada? Genisete Sarmento – A história começa no dia 6 de fevereiro de 1694, dia em que Domingos Jorge Velho chegou ao platô da Serra da Barriga, após sair vitorioso na batalha que destruiu o Quilombo dos Palmares. O leitor encontrará no livro a narrativa dos acontecimentos posteriores, desde a luta de Domingos Jorge Velho para se apossar das terras agora desocupadas, garantidas aos paulistas no acordo assinado em 1687 entre estes e o então Governador da Capitania de Pernambuco; a criação do Terço dos Paulistas, para guarnecer a área e impedir a reorganização do quilombo; a distribuição de largas sesmarias, o povoamento e posteriormente a formação de vilas, entre elas Atalaia e União dos Palmares. Tribuna Independente - Tem alguma descoberta nova, inusitada? Genisete Sarmento – Várias. Uma delas é que o Arraial de Nossa Senhora das Brotas não ficava em Atalaia, como aprendemos na escola. Atalaia é que foi fundada nas vizinhanças do Arraial. Outro fato interessante sobre Atalaia é que foi criada por determinação real. O rei havia implementado a política de acabar com os aldeamentos indígenas transformando-os em lugares ou vilas.  Os primeiros moradores e fundadores de Atalaia foram os índios das aldeias de Urucu, Santo Amaro e Gameleira além de outros menores, inclusive os índios de Palmeira. Portanto, as 224 casas construídas na Vila de Atalaia foram habitadas por índios, somente depois é que os brancos passaram a residir na vila, até que suplantaram os índios e passaram a dominar política e economicamente. Outra novidade é com relação a quem introduziu a cultura do algodão em Alagoas. Aprendi que teria sido o Ouvidor e depois Conservador das Matas José de Mendonça de Matos Moreira. Na verdade, quem trouxe instruções reais para que o algodão fosse cultivado na Comarca das Alagoas foi o Ouvidor que o antecedeu, Francisco Nunes da Costa. Em dezembro de 1776, em reunião na Câmara de Penedo, com a “presença da nobreza e povo”, as novas determinações reais foram transmitidas. Tribuna Independente – O que a levou a abordar o tema? Genisete Sarmento – Eu queria saber como, quando e por quem foi fundada a povoação do Macaco, que depois deu origem à Vila da Imperatriz, atual União dos Palmares. Na escola, sempre nos ensinaram que em 1810 houve a doação de terras para construção da capela de Santa Maria Madalena, mas ninguém nunca disse o que houve nesse intervalo de 116 anos, ou seja, da última batalha na Serra da Barriga até a mencionada doação. E eu sempre quis saber a partir de quando chegaram os primeiros colonos, os novos ocupantes da vasta área, se eram paulistas ou pernambucanos. Para encontrar as respostas, tive que pesquisar desde o 6 de fevereiro de 1694, porque a última batalha ocorreu justamente no território que depois passou a constituir o município de União dos Palmares. A propósito se foram paulistas ou pernambucanos que povoaram o que depois veio a ser União dos Palmares, foram os dois. Na margem direita do rio Mundaú foi Alexandre Jorge da Cruz, filho de Domingos Jorge Velho; e, na margem esquerda, o pernambucano de Itamaracá Simão Alves (ou Álvares) de Vasconcelos. Tribuna Independente – Quem foram os personagens ouvidos para a formação desta obra? Genisete Sarmento – Só ouvi pessoas sobre fatos ocorridos em União no século XX. Toda a pesquisa foi em documentação primária, livros, teses, dissertações e jornais antigos. Tribuna Independente – Que lugares visitou para reunir as informações? Genisete Sarmento – As pesquisas foram realizadas em Maceió (Arquivo Público, Instituto Histórico e Geográfico, Biblioteca Pública Estadual, Fórum do Barro Duro e Arquivo da Arquidiocese de Maceió)), Recife ( Arquivo João Emerenciano, Biblioteca Pública de Recife), Rio de Janeiro (Biblioteca Nacional), e, pela internet, acervo do IHGB, Biblioteca Digital Luso-Brasileira – Projeto Resgate, Hemeroteca da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Fui também em Atalaia, no local de fundação da vila, e no sumidouro do Rio Paraíba, em Viçosa, onde Zumbi teria morrido. Tribuna Independente – Quanto tempo levou para terminar a obra? Genisete Sarmento – O interesse em conhecer a história de União dos Palmares, minha terra, é bem antigo, desde que ouvi falar sobre o Quilombo dos Palmares e o papel da Serra da Barriga nessa história. A decisão de pesquisar e, se possível, escrever o resultado da pesquisa é da década de noventa do século passado. A intensificação da pesquisa e a decisão de escrever o livro foram em janeiro de 2016, quando passei a quase viver dentro dos arquivos. Tribuna Independente – Muitos alagoanos desconhecem essa história? Genisete Sarmento – Sim. No dia que a conhecerem de fato e tiverem um mínimo de empatia pelos seus personagens, sobretudo por homens e mulheres que foram escravizados, pelos índios que eram donos de tudo e ficaram sem nada, perderam suas terras, suas vidas e suas culturas, não tenho dúvida que nossa sociedade, nosso Estado será um lugar muito mais interessante de se viver.