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Livro aborda temática de famílias donas de engenho em Alagoas

Obra será lançada nesta quinta-feira (27) em Maceió

Por Texto: Lucas França / Colaboração: Geraldo de Majella - historiador com Tribuna Hoje 25/06/2019 18h34
Livro aborda temática de famílias donas de engenho em Alagoas
Reprodução - Foto: Assessoria
A autora de "A Família do Engenho Castanha", Janira Lúcia Assumpção Couto conta que o livro, que será lançado nesta quinta-feira (27), é baseado em sua vivência e de sua família, na fazenda Castanha Grande, um antigo engenho de açúcar do estado. Segundo a autora, o livro traz um relato histórico e memórias de situações da época e a importância do período do engenho na região norte do estado. Em entrevista para o portal Tribuna Hoje, Janira explica que o engenho em 1838 excedeu a região norte de Alagoas.   Tribuna Hoje - O que a motivou a escrever um livro sobre as famílias Cavalcanti, Albuquerque e Gusmão? Jane Assumpção - Quando casamos, Alberto de Gusmão Couto e eu, vivemos boa parte de nossas vidas no campo, na propriedade da família, a fazenda Castanha Grande, que fora um antigo engenho de açúcar. Nós e os filhos nos encantávamos com os passeios a cavalo nas matas frescas e nos morros, de onde se descortinavam belas paisagens. Mas descobri que os móveis antigos da casa-grande guardavam em suas gavetas lembranças interessantes. Eram álbuns, livros e estampas com dedicatórias escritas à pena, era um buquê esmaecido de noiva, uma trança de cabelos castanhos claros... Tudo isso me despertou a curiosidade, afinal ali era o lugar de várias gerações, ali havia uma longa história. Nossos netos são a oitava geração! Minha sogra Heloísa, com uma memória excepcional, respondia às perguntas que eu lhe fazia. Foram conversas frequentes, que agradavam a ambas. Tribuna Hoje - Qual a importância do engenho Castanha para a região Norte de Alagoas? Jane Assumpção - Eu diria que, pelos proprietários do engenho a partir de 1838, houve uma importância que excedeu a região norte do estado de Alagoas. Entre os descendentes do primeiro casal, Manuel Cavalcanti de Albuquerque e Rosa Machado da Cunha, via-se um governador de Pernambuco por duas vezes, um botânico que descobriu novas espécies de cana de açúcar, o fundador da cidade de São Luís do Quitunde (cidade planejada), o criador da primeira associação agrícola do Brasil, engenheiros, bacharéis, senadores da província e da república, políticos de renome pela honradez, e também um dos criadores do Hospital do Açúcar em Maceió. A marca de todos era a inclinação à política, às artes, à inovação. Essa marca acompanha até os descendentes atuais, especialmente a inovação e a pesquisa. Manuel M em Petrópolis  no  congresso Açucareiro  em 1949 (Foto: Arquivo pessoal) Tribuna Hoje - Além da transmissão oral, como foi conservada a documentação da família? Jane Assumpção - Além das preciosas informações ouvidas e vividas por minha querida sogra Heloísa de Gusmão Couto, que anotei, havia os álbuns da família, os retratos dos patriarcas pintados em Paris e que se encontram na sala da casa-grande. Minha amiga Lucinha de Gusmão, prima de minha sogra, cedeu-me cópias dos escritos do desembargador Carlos de Gusmão, seu pai. O livro dele de reminiscências, “Boca da Grota”, as anotações do general Oziel de Gusmão, o livro “Memórias” do acadêmico e historiador Oliveira Lima, parente da família, o blog da prima historiadora Rosa Torres, estão entre as principais fontes de informação sobre a família. Além da documentação familiar, incluímos o “Banguê das Alagoas”, de Diégues Junior, entre outros, que estão nas nossas referências. Tribuna Hoje - Quais as fontes utilizadas na organização da árvore genealógica da família? Jane Assumpção - Existe uma primeira árvore genealógica da família, obra de Carlos de Gusmão. Ele a realizou a partir de Manuel Cavalcanti de Albuquerque e Ana Rosa Machado da Cunha, considerados o tronco da árvore, os patriarcas. Há uma relação muito grande de parentes. A partir dela, cedida por sua filha Lúcia de Gusmão, fiz uma outra, mais atualizada e que naturalmente, ficou bem maior. Lúcia e sua prima Heloísa, minha sogra, conheciam bem a parentela. Quando pensei no livro da família, a ideia era incluir essa árvore. Porém, eu iria me estender bastante, com nomes como o general Goes Monteiro, Pontes de Miranda... portanto resolvi concentrar-me nas famílias do engenho Castanha. Tribuna Hoje - A casa da fazenda lhe remete a que reflexão? Jane Assumpção - A casa-grande atual é relativamente “nova”, de mais de 60 anos, construída por meu sogro, Dourival Couto. Todavia, conheci a antiga casa-grande, com sua sala grande, resquícios da varanda, um alpendre em meia lua, atrás a cacimba com o cata-vento. Hoje, ela não mais existe. Minhas lembranças somadas, às que eu escutei de minha sogra e de meu esposo, estão descritas no livro. Um tempo saudoso, quando a iluminação noturna era obtida com velas e lampiões, depois com a luz de carbureto; o hábito das leituras clássicas em voz alta; sinhazinhas que tocavam valsas e sonatas ao piano e no bandolim; flores secas que ainda encontro em velhos livros; visitas entre amigos... O tempo discorria de outra forma, falava-se um vocabulário mais requintado e havia muito respeito nas relações. Engenho Castanha Grande (Foto: Arquivo pessoal) Tribuna Hoje - Quais memórias deixou o engenho, símbolo de uma época e de família? Jane Assumpção - Gosto da definição de Carlos de Gusmão: “aquilo era uma civilização”. E gosto também das palavras de Diégues Junior, que fala de uma época que foi de esplendor para as Alagoas, pela vida intensa que havia em torno dos engenhos, as famílias patriarcais, os trabalhadores e escravos, o trabalho do campo, a moenda, os casamentos, os dotes, as festas. O engenho significava uma condição social, a casa-grande, o ponto de encontro de uma sociedade requintada. Carlos de Gusmão ainda diz que “os filhos dessas casas tornavam-se dignos homens do Estado: médicos, sacerdotes, bacharéis, diplomatas, magistrados, alguns para o serviço da Pátria. ” Com os problemas com a seca, a falta de interesse dos governos e com o advento das usinas de açúcar, toda essa civilização desaparece. Tribuna Hoje - Qual a relação familiar entre a família Gusmão e a Goes Monteiro? Jane Assumpção - Eram primos. A família do Castanha sempre foi próxima aos Goes Monteiro. Ambrósio, filho de Manuel Cavalcanti de Albuquerque (o Patriarca), era amigo e colega de Manuel César Bezerra de Goes. Após se tornar bacharel em Direito, Manuel casa com Ana Rosa, irmã de seu amigo. Entre os filhos do casal estava Constança, que por sua vez, desposaria o médico Pedro Aureliano dos Santos em 1889. Teriam nove filhos: Pedro Aurélio (general Goes Monteiro), Manuel Cesar, Cícero Augusto, Durval, Silvestre Péricles, Edgar, Ismar, Rosa e Conceição. Os primos Gusmão e Goes Monteiro eram bisnetos do Patriarca. No entanto, para desgosto da prima Constancinha, houve querelas entre os filhos, entre estes e os primos, principalmente pelo temperamento intempestivo de Silvestre Péricles. Tribuna Hoje - Carlos de Gusmão talvez tenha sido o membro da família que mais tempo exerceu influência política como deputado e membro do judiciário alagoano? Jane Assumpção - Carlos de Gusmão foi certamente alguém de projeção política, de projeção no judiciário e de projeção social. Quando me refiro a ele no livro, eu o denomino “O filho brilhante”. Além disso, possuía uma sabedoria de vida. Faleceu longevo, admirado, realizado. Porém, seu pai, o Dr. Messias de Gusmão, em seu curto tempo de vida (58 anos), destacou-se como político: foi senador do Império e da República, governador do estado de Alagoas circunstancialmente; foi líder da classe canavieira, fundou a primeira associação de agricultura do Brasil, fundou as primeiras revistas com publicações do interesse da classe; foi pioneiro ao realizar mudanças importantes no setor agrícola. Era respeitado e considerado na política e na classe agrícola. Há uma homenagem tocante do Senado Federal por ocasião do centenário de seu nascimento. Livro será lançado na quinta-feira (27) (Imagem: Divulgação) Tribuna Hoje - É possível identificar, passados quase duzentos anos, os feitos ou obras de Manuel Cavalcanti? Jane Assumpção - Manuel Cavalcanti de Albuquerque e sua esposa Ana Rosa da Cunha Machado foram a primeira família do engenho Castanha. Ele era espirituoso, tido como latinista, culto. Na juventude, escapou da forca pelas suas ideias republicanas e participação nas revoltas. Ao casar-se, abandonou o viés político e tornou-se um laborioso senhor de engenho de sucesso. Nessa época áurea da lavoura canavieira, ele chegou a ter dez engenhos de açúcar. Era reconhecido e prestigiado no seu meio. Educou a prole muito bem, com cursos em Recife e na Bélgica. Penso que seu maior feito foi ter deixado uma descendência singular, que assim descrevo no prólogo do livro: “nenhum deixou o tempo passar sem uma assinatura; antes nos legaram exemplos de trabalho, dedicação e respeito à família, na contribuição à sociedade, nas inovações.” SOBRE A AUTORA Janira Lúcia Assumpção Couto optou por seu nome conciso Jane Assumpção para registrar seus escritos. Desde cedo foi aficionada à leitura, principalmente de romances históricos e da própria História. Um hábito estimulado por seus pais, Cláudio e Janyra Assumpção. O desenho, a pintura e a música foram e são seus maiores lazeres. Fez graduação em Medicina, exerceu a prática por dez anos, após o que se dedicou à Universidade Federal de Alagoas, como docente e pesquisadora. Fez mestrado e doutorado em Patologia, com projetos e trabalhos em esquistossomose, endemia importante em Alagoas. Na fase acadêmica, suas publicações foram científicas. Após a aposentadoria, devotou-se à parte artística, a pintar aquarelas e a escrever.