Cidades

'Mudanças propostas no CTB não têm respaldo técnico'

PL enviado ao Congresso pelo presidente Jair Bolsonaro é visto como retrocesso por especialista em trânsito

Por Lucas França com Tribuna Independente 06/06/2019 08h34
'Mudanças propostas no CTB não têm respaldo técnico'
Reprodução - Foto: Assessoria
Para os especialistas em trânsito em Alagoas, o Projeto de Lei (PL) que altera o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) apresentado na terça-feira (4) ao Congresso pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL), que prevê a eliminação de multa para motoristas que transportarem crianças de forma irregular, ampliação da validade da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e outros pontos específicos, não tem qualquer respaldo técnico ou fundamentação na busca por um trânsito mais seguro e humano. “A priori, a proposta de aumento dos pontos não tem respaldo técnico nenhum. Só beneficiará uma pequena parcela dos condutores infratores contumazes. Ou melhor, não trará benefício nenhum à segurança viária. Pelo contrário, ampliará a sensação de impunidade”, avalia Renan Silva. Para o especialista em trânsito Fábio Barbosa, as mudanças serão um retrocesso. “É um retrocesso que vai contra o fluxo de um País que ceifa mais vidas no trânsito do que a guerra da Síria, sendo terceiro trânsito mais violento do mundo. A proposta foi apresentada sem qualquer argumentação científica e/ou estatística que suportasse as mudanças sugeridas. O único argumento foi ‘desburocratizar’. A meu ver, as consequências diretas são a tendência ao aumento de fatalidades e maior propensão ao risco por parte de condutores e passageiros de veículos. Uma consequência indireta é o ocasional aumento no valor dos seguros, já que as pessoas podem se arriscar mais. Um pergunta pertinente é: Qual País do mundo conseguiu melhorar seu trânsito afrouxando a lei’’? Quem também discorda de grande parte das mudanças é o coordenador da Operação Lei Seca em Alagoas, tenente Emanuel Costa. “Vale ressaltar que ainda é um PL. Algumas coisas podem passar e outras serão modificadas. Mas nas mudanças especificas da CNH acredito que é preocupante. A sociedade já estava acostumada com o controle dos 20 pontos. Para que o condutor tenha cuidado na vida do outro e na própria. Isso pode dar liberdade e uma sensação de segurança no trânsito. Um país que perde mais de 40 mil [vidas] no trânsito e outras várias sequeladas tem que ter maior cuidado”. A reportagem também entrou em contato com os principais órgãos de trânsito do Estado e da Capital. A Superintendência Municipal de Transporte e Trânsito (SMTT) informou que só irá se pronunciar sobre as mudanças, após a votação e regulamentação de todo o projeto. Proposta sobre uso da cadeirinha divide opiniões   Entre os condutores ouvidos pela reportagem que têm filhos pequenos e utilizam a cadeirinha a discussão está longe de ter fim. Uns acreditam que o PL é um retrocesso, outros comemoram as mudanças. A professora universitária Edna Cunha discorda das mudanças. “Isso é péssimo. Todos os dispositivos que podem ser utilizados para a segurança de crianças devem ser aplicados. Retirar a multa é um retrocesso. Muitas vidas infantis foram salvas pelo uso desse dispositivo de segurança. Não deixo de usar nunca com meu filho de dois anos’’. Já a empresária Karine Moura aprovou a mudança. “Tenho dois filhos e amei a proposta. Até porque pra quem tem um pouco de inteligência iria saber que isso é só para tirar dinheiro do povo. As crianças andam em ônibus, vans, ônibus escolares, táxi sem segurança nenhuma. Cabe aos pais zelarem pela segurança dos filhos e não o governo gerar uma lei pensando apenas em mais uma forma de roubar a população’’. O condutor Bebeto Salles concorda com a professora e crítica às mudanças. “Sou a favor, a partir do momento que retirar as multas para não utilização de cinto de segurança, para não utilização de capacete nos motociclistas, para utilização de celular no trânsito, para o excesso de velocidade, para a ultrapassagem na faixa continua, para ultrapassagem em sinal vermelho. Dentre tantos outros itens de segurança do condutor, passageiros e no trânsito em geral. Se retirar as multas para todos estes itens, sou de acordo total. E o trânsito vai ser cada um por si! Parece cômico, mesmo com o arrocho do estado em relação ao trânsito temos os índices que temos de acidentes e infrações, imagina retirando multas de alguns itens apenas porque isso é de responsabilidade do condutor do veículo’’, ironiza. Para Wilton Johnnie Marques, as mudanças trarão mais prejuízos. “Vai aumentar mais aposentadoria por invalidez e pensão por morte e ainda mais seguros DPVAT, fora gasto com a saúde pública. As leis de trânsito são para reeducar as pessoas. Se você anda certinho, não tem o que falar. Tanto é positivo para você quanto para terceiro. Todo mundo ganha”. “Código precisa de reformas, mas precedidas de evidências”, diz Detran   Já a presidência do Departamento Estadual de Trânsito de Alagoas (Detran/AL), esclarece que as notícias vinculadas sobre as possíveis alterações no CTB tratam apenas de uma proposta que ainda não está em vigor, devendo tramitar, como qualquer outro projeto de lei, no Congresso Nacional (Câmara dos Deputados, Senado Federal e suas respectivas comissões), podendo, inclusive, sofrer alterações, o que pode demorar meses, anos, ou até mesmo não ser aprovado. No entanto, o órgão entende que o CTB necessita de reformas, mas qualquer alteração que impacte na sociedade deve ser precedida de evidências que constatem, através de estudos técnicos desenvolvidos pelos órgãos do Sistema Nacional de Trânsito, ouvindo a sociedade civil e que comprovem a necessidade e a eficácia. “A direção também ressalta que a equipe de técnicos das áreas operacionais da autarquia estão realizando um levantamento de dados para formar uma opinião mais consolidada sobre o assunto e a Associação Nacional dos Detrans (AND) já está marcando uma reunião para o próximo mês, para que seja realizado um debater mais aprofundado em conjunto com os demais Detrans do país’’. CADEIRINHA Atualmente, o uso da cadeirinha infantil é apenas uma norma do Conselho Nacional de Trânsito (Contran). O condutor que estiver transportando a criança sem o dispositivo recebe multa gravíssima no valor de R$ 293,47 e tem veículo retido. Caso o PL seja aprovado, o uso da cadeirinha infantil passará a ser obrigatório em lei, mas a infração “será punida apenas com advertência por escrito”. O tenente Emanuel fala que tem equívoco no texto sobre o uso do dispositivo. “Precisa ser analisado melhor, têm alguns erros que precisam ser corrigidos. Então não quero abrir uma discussão agora, acredito que houve erros legislativos de construção do artigo do PL”.