Cidades

“Ressocialização não chega a 10% em Alagoas”

Presidente do Sindicato dos Agentes Penitenciários levanta preocupação com um sistema que enfrenta várias dificuldades

Por Tribuna Independente com Carlos Amaral 11/05/2019 12h42
“Ressocialização não chega a 10% em Alagoas”
Reprodução - Foto: Assessoria
Recentemente, Associação Nacional da Advocacia Criminal (Anacrim) visitou o presídio Baldomero Cavalcante e considerou a situação “caótica”. Segundo Petrônio Lima, presidente do Sindicato dos Agentes Penitenciários de Alagoas, a realidade é a mesma em todas as unidades prisionais alagoanas, tanto pela condição física dos prédios quanto pela quantidade de agentes atuando na vigília aos reeducandos. “A situação é de quase colapso”.  Tribuna Independente – A Associação Nacional da Advocacia Criminal (Anacrim) esteve em Alagoas e visitou o presídio Baldomero Cavalcante. Segundo eles, a situação era “mais caótica” do que esperavam. Qual é a situação geral das unidades prisionais alagoanas? Petrônio Lima – Não só o Baldomero. Quando a Anacrim esteve aqui, só conseguimos ir lá, mas o Baldomero é uma cópia das outras unidades. Na verdade, tem unidade pior que o Baldomero. A situação é de quase colapso, pois a partir do momento que você tem um efetivo diário de dez agentes para operacionalizar um presídio com cerca de 1.200 presos, fica praticamente impossível atuar como se deve. Nos presídios tem de se fazer saúde, educação e segurança pública. O atendimento em saúde é para todos que necessitarem e, diariamente no Baldomero Cavalcante, essa demanda – para o atendimento ordinário – de 80 a 100 presos. Mas só são dez agentes e quando se divide entre os postos [locais onde os agentes penitenciários ficam]... Tem local que era pra ter pelos menos 20, só tem cinco agentes... E quando se precisa levar algum preso para a enfermaria, por exemplo, tem que desguarnecer um dos postos. Por causa do baixo efetivo, esse atendimento fica prejudicado. Assim como para atender aos advogados que vão às unidades para ver seus clientes. Tribuna Independente – Ainda na visita da Anacrim, se constatou no Baldomero, cinco agentes para mil reeducandos. Qual é a defasagem de agentes penitenciários em Alagoas? Petrônio Lima – O Baldomero é muito grande e no setor que a Anacrim visitou ficam mil presos, os mais perigosos e faccionados. Naquele posto tinham cinco agentes, mas era para ter, no mínimo, vinte. O mínimo diário no Baldomero como um todo – e isso foi dito pelo secretário de Ressocialização [coronel Marcos Santos] ao solicitar concurso público – era de 33 agentes por dia. E isso para funcionar com dificuldade. Hoje tem dez. E mesmo assim recebemos críticas injustas de vários setores aos quais, inclusive, convido para passar 24 horas conosco nas unidades para ver se há condições para fazer nosso trabalho. É fácil analisar o dia a dia das unidades dentro de um escritório com ar-condicionado. Quando o secretário de Ressocialização pediu o concurso, mostrou a necessidade de contratação de 545 agentes para sistema prisional, o titular da Seplag [Secretaria de Estado do Planejamento, Gestão e Patrimônio, Fabrício Marques Santos] disse que a força de trabalho existente é suficiente. Tribuna Independente – Quando foi o último concurso para agente penitenciário?  Petrônio Lima – O primeiro, e último, foi em 2006. Já são 13 anos. Foram aprovados na época cerca de mil agentes, mas hoje só temos 619. Detalhe: naquela época tínhamos uma população carcerária de 1.900 presos. Hoje são, só no regime fechado, 4.900 presos. Agora, se juntar com o semiaberto são quase 10 mil presos. Tribuna Independente – Diante dessa situação do sistema prisional alagoano, o senhor acredita que ele ressocializa? Petrônio Lima – Em todo Brasil, o índice de reincidência – que é por onde se mede a ressocialização, já que se o cara saiu e não voltou é porque arrumou um emprego e está ressocializado – é altíssimo. Dentro do sistema prisional alagoano, acredito que o índice de ressocialização não chegue a 10%. Por quê? Por que para o preso ressocializar, ele tem de ter acompanhamento religioso, família, trabalho e disciplina. O cara que nunca teve disciplina na vida, que nunca foi para um colégio e nunca chamou um professor de ‘senhor’, ele vai ter que ter disciplina ali no sistema. Quando falo disciplina, me refiro às coisas do dia a dia, de cumprir suas tarefas, seus deveres, para ter seus direitos. E o sistema prisional, do jeito que está, não vai ressocializar ninguém. Não tem agente para levar o preso ao trabalho; para atender seus familiares. Não há gente para fazê-los cumprir seus deveres e para lhes garantir os direitos. O que temos hoje são programas de ressocialização que atendem, no máximo, a 10% da população carcerária. No máximo. Temos um núcleo ressocializador que é um modelo copiado da Espanha e ele é detentor de prêmios nacionais. Lá, a ressocialização é quase 100%. Mas atinge pouca gente. De 4.900 presos, o núcleo tem 150 mais ou menos. Parte disso é por causa das regras, já que é preciso querer ir. Não pode ser obrigado. Tribuna Independente – Geralmente quando surgem demandas das polícias, seja Militar ou Civil, boa parte da população acaba tendo empatia pelos agentes. Já com os penitenciários, não. O senhor concorda com essa leitura e qual seria a causa em sua opinião? Petrônio Lima – Somos uma categoria com menos visibilidade que os policiais. Estamos intramuros e, por mais que o Sindapen – de três anos para cá – tente mostrar a realidade dos agentes à sociedade, o que sofremos para cuidar de um ‘produto’ que ninguém quer e sendo um dos sistemas mais conceituados do país, não temos a mesma visibilidade deles. A Polícia Militar, por exemplo, é centenária e nós temos 13 anos. Temos um grande caminho a percorrer, mas acredito que isso tende a mudar. Já estão criando até minisséries sobre o agente penitenciário. Já está se criando no país, até por conta da crise no sistema prisional brasileiro, uma nova visão sobre o agente penitenciário, tanto que está para ser votado na Câmara dos Deputados a criação da polícia penal. Estamos intramuros, enquanto os policiais usam helicópteros, roupas bonitas... Isso chama mais atenção, acredito. E assim ganha mais a simpatia das pessoas do que o cara que está numa guarita segurando um fuzil. Contudo, isso não tira o brilho da nossa profissão que, segundo a Organização Internacional do Trabalho [OIT], somos a segunda profissão mais perigosa do mundo. Só perdemos para a de mergulhador. Mas falta chegar isso à sociedade e é também papel do sindicato. Temos de fazê-la ver como é o dia a dia de um agente penitenciário, como vive. 98% de nossa categoria tem curso superior, somos qualificados, ao contrário do que muitos pensam. Nossa remuneração é no mesmo patamar de um policial civil e perto da de um policial militar.