Cidades

Alagoas registra 28 casos de racismo em quatro anos

Índice do MDH coloca estado na 5ª posição entre nordestinos em ocorrências; para entidades, número não reflete a realidade

Por Lucas França com Tribuna Independente 21/03/2019 08h24
Alagoas registra 28 casos de racismo em quatro anos
Reprodução - Foto: Assessoria
Alagoas registrou nos últimos quatro anos 28 casos de racismo. Dados são do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MDH). Número coloca o estado na 5º posição do ranking entre os estados do Nordeste. Dados apontam sete casos por ano. Apesar de número parecer baixo, neste Dia Internacional contra a Discriminação Racial (21) não há muito que comemorar. De acordo com os movimentos e entidades afrodescendentes, maioria dos casos é subnotificada e índice deve ser bem maior. “Falar de números é muito complicado porque a maioria dos casos não são denunciados. As pessoas sofrem com a dor e pelo histórico da impunidade e pouco caso com o tema evitam se expor. Mesmo depois da lei, as autoridades policiais preferiam tratar como  injúria e não dava em nada, nenhuma punição para os racistas. Isso deixava e ainda deixa muita gente que sofre o racismo preferir não levar a denúncia à frente”, comenta a jornalista Valdice Gomes, vice-presidente do Centro de Cultura e de Estudos Étnicos Anajô. Ofensas racistas e preconceituosas acontecem sempre em vários locais e muitas pessoas acabam não denunciando. Havia um tempo que isso era ainda mais comum. O jornalista Fernando Jordão publicou no dia 5 de janeiro deste ano uma reportagem no site em.com.br que pontua a realidade. Nos primeiros parágrafos ele diz: ‘’Havia o tempo em que os negros eram livres. Então surgiu a escravidão. Depois veio a liberdade. Mas aí brotou o preconceito. Surgiu, assim, um tempo em que discriminar as pessoas por causa da cor da pele era socialmente aceito e, aos olhos da Justiça, apenas uma contravenção penal. Para tentar pôr um fim a isso, há exatos 30 anos, surgiu a Lei de nº 7.716, que define os crimes de racismo”. A lei foi assinada em 5 de janeiro de 1989, pelo então presidente da República, José Sarney, a lei passou a ser conhecida pelo nome de seu autor, o ex-deputado Caó. Carlos Alberto Caó de Oliveira, que era jornalista, advogado e militante do movimento negro. Nascido em Salvador, mudou-se para o Rio de Janeiro, estado pelo qual, em 1982, elegeu-se deputado federal. Como constituinte, Caó regulamentou o trecho da Constituição Federal que torna o racismo inafiançável e imprescritível. Depois, lutou para mudar a Lei Afonso Arinos, de 1951, que tratava a discriminação racial como contravenção. Morreu em fevereiro de 2018, aos 76 anos. Apesar da lei, os órgãos continuam registrando casos. A reportagem da Tribuna Independente fez um levantamento com dados dos últimos quatro anos enviados pelo MDH e entre os estados do Nordeste a Bahia fica no 1º lugar do ranking com 113 casos. Em 2º o Ceará (46) registros, 3º Maranhão (41), 4º Pernambuco (41), 5º Alagoas (28), 6º Piauí (21), 7º Paraíba (20), 8º Rio Grande do Norte (18) e no 9º fica Sergipe que registrou apenas 9 casos de racismo em quatro anos. A Lei Caó define a punição para “os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”. Entre esses crimes, estão impedir o acesso de uma pessoa devidamente habilitada a um cargo público ou negar emprego na iniciativa privada, que podem render penas de dois a cinco anos de reclusão. Além disso, são tipificadas como crimes ações como impedir inscrição de aluno em estabelecimento de ensino, recusar hospedagem em hotel, recusar atendimento em bares ou restaurantes entre outros. “Falta estrutura para tratar do assunto”   Para o presidente do Conselho Estadual de Promoção da Igualdade Racial (Conepir), Clébio Araújo, falta investimento e estrutura para tratar crimes de racismo no estado. “Temos uma dificuldade enorme de quantificar os casos no estado. Não existem estatísticas esquematizadas por parte dos órgãos de segurança nos quais são feitos as denúncias e atendimento as ocorrências. Embora, segundo algumas informações que eu mesmo obtive com a SSP [Secretaria de Segurança Pública], o formulário que são utilizados para registros contemplam este tipo de ocorrência. No entanto, falta investimento em treinamento e em sensibilização dos servidores públicos para averiguar estes casos. Muitos acabam não entendendo que é um caso de racismo e assim não registram como tal. Muitas pessoas acabam procurando o próprio conselho ou a Secretaria de Direitos Humanos. A gente acompanha muito estes casos e damos atendimento jurídicos e psicológicos. Falta estrutura adequada para tratar este assunto. Aqui está muito difuso. Em alguns estados já existem delegacias especializadas em crime de racismo”, conta Araújo. [caption id="attachment_287816" align="alignleft" width="300"] Clébio cita falta de investimento em treinamento para averiguar casos (Foto: Reprodução)[/caption] De acordo com Clébio, recentemente o Conselho registrou um caso que tomou repercussão em Arapiraca, Agreste do estado. “Muito recentemente tivemos um caso em Arapiraca, de uma mulher negra quilombola da Comunidade do Sítio Carrasco que foi vítima de racismo dentro de uma rede de farmácia. Ela sofreu constrangimento por ser negra e foi uma experiência traumática. A vítima nos procurou e eu encaminhei o caso para a Secretaria de Direitos Humanos. Estamos acompanhando para que não caia no vazio e seja engavetado”. O presidente do conselho conta que a vítima estava na farmácia e foi abordada por uma funcionária e obrigada a abrir a bolsa e tirar tudo. “Ela foi acusada de roubo, aconteceu que obviamente ela não tinha roubado nada. Pelas circunstâncias da narrativa dela, foi por ser negra. Inclusive pedimos para checar as câmeras e tudo. São vários casos, têm casos envolvidos os terreiros de matrizes africanas”, ressalta. OAB/AL O presidente da Comissão da Promoção da Igualdade Social da Ordem dos Advogados do Brasil em Alagoas (OAB/AL), Alberto Jorge, disse que a entidade vem dando o acompanhamento a determinados casos de acordo com as demandas que chegam. [caption id="attachment_287817" align="alignright" width="262"] Alberto Jorge diz que OAB acompanha casos de acordo com demanda (Foto: Ascom/OAB)[/caption] “Nossas ações são puramente administrativas de acompanhamento e direcionamento – o que difere de sermos advogados. Para um advogado particular, é uma situação. No nosso caso, é outra. Fazemos o acompanhamento de acordo com a demanda – pedimos aos órgãos e delegacias que apurem, encaminhei o procedimento, verificamos se foi encaminhado ou não. Isso faz parte da nossa obrigação. Em matéria de representação contra ao agressor ou instituição é uma coisa personalíssima quem tem que fazer é aquele que foi ferido no seu direito”, explica Alberto Jorge.   “As pessoas fazem de conta que não existe”   Para a presidente do Instituto Raízes de África e ativista na luta permanente pela igualdade racial, Arísia Barros, em Alagoas não existem políticas públicas para criminalizar o racismo. “Aqui, o assunto ainda é visto como assunto polêmico. Aquele que a gente faz de conta que não existe, e se não existe não deve gerar preocupações/providências. Não é mesmo? Apesar da população ser em torno de 50% preta, Alagoas ainda é considerada um dos estados mais racistas do país, e  o quesito racismo ainda é visto como polêmico. São inúmeras as denúncias de racismo, na terra preta de Aqualtune, todavia são invisibilizados. Os números são inócuos e como não há um observatório ou mesmo um portal de transparência que retrate os registros fica difícil quantificar”, avalia a ativista. Ela também afirma que muitas vítimas, apesar do medo e do receio à exposição popular fazem a formalização da denúncia. “Entretanto, no contraponto desse processo há o conivente entendimento do Judiciário de que crime de racismo pode ser minimizado/categorizado como injuria racial. Relativizar esse crime cria brechas jurídicas e esvazia o poder da luta do movimento negro. Um caso emblemático foi do delegado Leonardo Assunção, da Polícia Civil que recebeu mensagens com conteúdo racista de policiais militares. Foi retratado como ‘nego imoral’. E é a Segurança Pública uma das esferas da ação estatal onde a seletividade racial se torna mais patente”, relembra Arísia. Arísia conta que em 2018 a SEPPIR/Governo Federal esteve em reunião com o secretário da Segurança Pública, Coronel Lima Júnior, com a participação do Instituto Raízes de Áfricas. Segundo ela, na reunião, foram traçadas estratégias para a criação e instalação da Delegacia Especializada de Crime Contra o Racismo. Mas não vingou. “Na época em que o diretor da Polícia Civil era Marcílio Barrenco o Instituto Raízes de Áfricas provocou Barrenco e ele formalizou o pedido da Delegacia à Brasília. Mas com a saída dele do governo aconteceu à descontinuidade”, diz. A ativista ressalta que é urgente que o estado crie uma rede de apoio às vitimas. “Além disso, é urgente que o Conselho Estadual da Promoção para Igualdade Racial saia do silenciamento de gabinetes e reuniões e ocupe os espaços do diálogo social, na busca de atender às demandas da população preta. Espaços da educação que ponha em vigor a Lei nº10.639/03 reensinando a pedagogia antirracista que enfoca o olhar de meninos e meninas para a equidade social, onde as diferenças  são essenciais para pontuar o caminho da igualdade. Espaços de saberes e fazeres que levem conhecimento da real história de Áfricas e descendentes de pretos para que este mesmo conhecimento desmonte  a lógica do imaginário social escravista, das senzalas contemporâneas”, crítica.