Cidades

Reportagem de 1985 fez alerta sobre situação no Pinheiro

Material produzido pelos ainda estudantes de jornalismo Érico Abreu e Mário Lima cita possíveis consequências da extração de salmoura

Por Tribuna Independente com Evellyn Pimentel 12/01/2019 10h38
Reportagem de 1985 fez alerta sobre situação no Pinheiro
Reprodução - Foto: Assessoria
Era 1985. Os então estudantes de jornalismo da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) Érico Abreu e Mário Lima acompanhavam a repercussão de um acidente químico em Bhopal na Índia que matou mais de 3 mil pessoas. Preocupados com a possibilidade de um acidente semelhante ocorrer em Maceió com a recém-instalada Salgema, os estudantes produziram um material investigativo sobre as consequências da extração de salmoura na capital. Dentre as possibilidades, estava a de tremores no solo de áreas próximas. A reportagem da Tribuna Independente conversou com o agora mestre em Comunicação e professor da Ufal, Érico Abreu. Ele considera o alerta feito trinta anos antes uma espécie de previsão. [caption id="attachment_272428" align="alignright" width="350"] Érico Abreu: ‘quando eu vi essa história do Pinheiro, eu lembrei de imediato da reportagem. Foi uma espécie de previsão’ (Foto: Cortesia)[/caption] “Entrevistamos jornalistas, pessoas envolvidas, fomos na Salgema e nos mostraram como funcionava, o que podia ocorrer de ruim e de bom devido a localização da indústria. Nessa época, uma das coisas que a gente descobriu e que foi mostrado para a gente era que para extrair o sal das cavernas subterrâneas, que boa parte ficava na área beirando a lagoa, Bebedouro, que passa por baixo do Pinheiro... Nós também estudamos sobre isso. Quando se tirava todo o sal delas, elas ficavam vazias e eles colocavam água para encher, mas que com o tempo poderia haver movimentação e abalos sísmicos decorrentes dessas cavernas. E quando eu vi essa história do Pinheiro eu lembrei de imediato, foi uma espécie de previsão”, garante o jornalista. O chamado Desastre de Bhopal que ocorreu em dezembro de 1984 matou 3 mil pessoas além de expor 500 mil aos gases tóxicos. Na época, 40 toneladas de gases tóxicos vazaram da indústria química norte-americana Union Carbide que atualmente é propriedade da multinacional Dow Química. A principal causa do desastre foi negligência com a segurança e até hoje os moradores da região sofrem com as consequências. “O acidente ocorreu com uma indústria química e muita gente morreu na época e nós tínhamos aqui uma indústria química que era na época Salgema recém-instalada na cidade de Maceió. Nós estranhamos porque a imprensa de Maceió não se referiu ao acidente de Bhopal e não questionou se isso poderia ocorrer aqui. Nós desconfiamos disso, de que algo tinha sido escondido. Fizemos um levantamento da publicidade que a Braskem fazia nos jornais impressos durante um mês, no mês anterior ao acidente e um mês depois. A gente descobriu que houve um investimento dez vezes maior no valor de publicidade colocado nos jornais. O que a gente pensou na época é que era uma forma de calar a boca da imprensa”, afirma Érico. Em 3 de março do ano passado foi registrado um tremor no Pinheiro de intensidade 2,5 na escala Richter. No dia seguinte, Érico fez uma publicação em suas redes sociais relacionando as descobertas da década de 1980 com a situação. “A possibilidade de tremores de terra nas regiões próximas às cavernas deixadas pela extração do sal e o vazamento de substâncias tóxicas nos levaram a classificar a Salgema como uma bomba, que parece inofensiva até o momento em que explode”, disse à época. A repercussão depois da publicação da reportagem foi tanta, que os estudantes receberam homenagens até da Câmara de Vereadores de Maceió. Mas o professor e jornalista admite não ter “propriedade” para julgar se as circunstâncias estão atualmente relacionadas. “Eu não sei exatamente se isso é decorrência dessas cavernas. Não sou especialista nisso. Mas levantamos na época que isso poderia ser uma consequência no volume de sal nas crateras, que haveria uma acomodação”, aponta. A reportagem fez contato com a Braskem. Em nota, a empresa afirmou que não há relação de suas atividades com o fato ocorrido no Pinheiro. “A Braskem segue rigorosamente as recomendações técnicas de segurança em todas as suas operações. As atividades de mineração em Alagoas começaram em 1975.  Não há nenhuma evidência de relação com os eventos do bairro do Pinheiro. Em função do conhecimento técnico de geologia, a Braskem vem dando apoio às autoridades a fim de encontrar as reais causas deste fato.”, diz a nota. Cratera na Bahia mede 86 metros e fica em área de exploração de salmoura   Em maio do ano passado a multinacional Dow Química divulgou a descoberta de uma cratera com 45 metros de comprimento no município de Vera Cruz, na Bahia, numa área de extração de salmoura. Rapidamente a cratera passou a ter 69 metros e quatro meses depois 86 metros de comprimento, 34 metros de largura e 41 de profundidade. Especialistas apontam que a estabilização do terreno só ocorrerá quando o topo da cratera tiver a mesma metragem do fundo que hoje está em 115 metros. [caption id="attachment_272429" align="alignright" width="350"] Cratera em Vera Cruz, na Bahia, já chega a 86m de comprimento (Foto: Reprodução/G1 Bahia)[/caption] Coincidentemente, a empresa Dow Química é a mesma que incorporou a Union Carbide, responsável pelo desastre de Bhopal em 1984. A área onde a cratera surgiu fica numa região de mata a cerca de 1km de uma comunidade.  A reportagem da Tribuna Independente esteve em contato com a Defesa Civil da Bahia. Por lá, os moradores, mesmo distantes da cratera, já receberam treinamento e um plano de contingência está em atividade até que o os estudos do Serviço Geológico do Brasil (CPRM) concluam a causa do fenômeno. Ainda segundo a Defesa Civil, a multinacional realiza estudos paralelos para saber a relação das suas atividades com a formação da cratera. O Coordenador Adjunto da Defesa Civil da Bahia, Vitor Alexandre Gantois explicou à Tribuna que o órgão tomou medidas preventivas no sentido de proteger a comunidade de um eventual risco. “O estudo ainda continua sendo encaminhado. O que há no momento é a possibilidade de ser uma falha geológica. O que a Defesa Civil do Estado da Bahia fez foi isolar a área, junto com a empresa e a Defesa Civil do Município. Nós elaboramos um plano de contingência que teve o apoio inclusive da empresa no sentido de treinar os moradores para caso houvesse uma necessidade, ou uma ação de alguma coisa que pudesse atentar contra a segurança da comunidade próxima, apesar dos estudos apontarem que a comunidade vizinha não sofre nenhum risco. Mas nós trabalhamos de forma preventiva”, ressalta. “Eles fizeram um estudo preventivo que apontou que não existe uma relação entre a exploração e a cratera. E que apontava para uma falha geológica, mas esse estudo não está completo. A CPRM também faz um estudo paralelo”, comenta Vitor Gantois. Tomando conhecimento do fato ocorrido aqui em Alagoas, o coordenador se disse surpreso por ser um fenômeno que ocorre no meio da cidade. “Nós temos uma situação muito parecida na Bahia, no município de Lapão, que além de uma falha geológica, ele tinha um conjunto muito grande subterrâneo que as pessoas procuraram poços e tiraram, mas isso não foi provocado por exploração de empresa. As pessoas que fizeram uso indevido de perfuração de poços e a cidade ficou meio oca por baixo. Aqui nesse município, no centro da Cidade não passa caminhão por que as casas estão rachando. É preciso ver o tipo de terreno, fazer estudos aí no caso de vocês”, pontua o técnico da Defesa Civil da Bahia. Braskem vai realizar estudos sobre situação no Pinheiro   No processo inverso ao que o Serviço Geológico do Brasil (CPRM) tem feito no bairro do Pinheiro, a Braskem deve iniciar em fevereiro estudos para analisar se as fissuras podem comprometer as atividades da empresa. A informação é do engenheiro de minas e consultor da Braskem, Paulo Cabral. “Paralelamente a gente vai fazer uns estudos sísmicos, conhecer como estão as estruturas geológicas da superfície. O pessoal da Defesa Civil, Governo Federal vai fazer outro estudo. Nós vamos fazer esse estudo para verificar se essa falha geológica pode comprometer nossas atividades. A gente quer saber se isso traz consequências”, pontua o geólogo. Segundo o especialista, um dos estudos consiste em emissão de ondas para as camadas mais baixas da superfície. A expectativa é de que seja iniciado em fevereiro e dure cerca de dois meses para ser concluído. “Inclusive existiam algumas pessoas que achavam que esse estudo poderia prejudicar a situação na região, mas a empresa que vai fazer tem experiência em área urbana. É assim: vão dar umas pancadas, e vai para baixo, não para as laterais. É um caminhão que vem batendo e capta a onda, que vai lá para baixo e depois é captada pela superfície. As mais resistentes voltam mais rápido, as menos resistentes voltam depois. E aí vai se fazer perpendicular à falha. Vamos percorrer todas as linhas perpendiculares e algumas linhas horizontais.  E lá embaixo, onde está a mineração vamos fazer também”, detalha Cabral. “São pelo menos dois meses, mas a gente vai ter alguma coisa preliminar que mostre porque está havendo essa acomodação. A acomodação nós supomos o que seja. Isso tem um custo, mas nós vamos assumir. Nós temos um dever social, não é só produzir e empregar pessoas”. Ele diz ainda que todos os poços ativos ou inativos serão avaliados pelos técnicos da empresa. “Queremos saber o que é e o que pode nos afetar. De todo jeito vamos entregar isso aos técnicos do CPRM. Independente disso nós estamos com sondas naquela região para avaliar as crateras desativadas naquela região, naquele terreno onde as pessoas põe lixo, na continuação da rua da Convem. E também vamos fazer em todos os poços onde for possível fazer. O importante é a gente saber o que isso pode vir a nos afetar. Se houve movimentação do terreno na superfície, lá embaixo pode ser que tenha. Nós queremos saber se no próximo tremor, caso tenha, vai afetar.” Engenheiro aponta nova hipótese para fissuras   Hipóteses sobre a causa do fenômeno nas fissuras no bairro do Pinheiro que remonta há cerca de vinte anos têm sido ventiladas. Além da possibilidade de relação com a extração de sal-gema pela Braskem, a mais famosa das teorias, pesquisadores do CPRM afirmam que é possível que haja uma depressão no solo, ou uma área tectonicamente ativa. O engenheiro de minas Paulo Cabral sugere uma nova hipótese para as rachaduras: A existência de uma lagoa aterrada antes da urbanização no bairro. [caption id="attachment_272430" align="alignright" width="350"] De acordo com o engenheiro de minas e consultor da Braskem, Paulo Cabral, a empresa deve iniciar em fevereiro estudos para analisar se as fissuras podem comprometer suas atividades (Foto: Ascom/Crea)[/caption] “Na linha da falha geológica, que passa no Divaldo Suruagy, ali é a parte mais crítica. Foi ali que a falha se movimentou. O tremor não sei se saiu dali, mas surgiu naquela região daquela falha. Então aquela parte do afundamento já é devido a infiltração de água, água de chuva e sumidouros. Fizemos uns estudos há um tempo atrás e ali era uma lagoa que foi aterrada, e depois de aterrada se fez a urbanização, fez-se as ruas, loteou-se terrenos. Mas isso faz muito tempo. De todo jeito, naquela parte, talvez, nessa falha já houve uma acomodação do terreno. Você observa que quando tem chuva corre pelas laterais e tendo essa fissura corre para os terrenos. Se isso está provocando o afundamento tem solução. É colocar uma rede de saneamento”, avalia. Sobre a possibilidade de a Braskem ser a responsável pelas fissuras e toda a atividade geológica no Pinheiro, Paulo Cabral nega a relação. “Quando se fala em caverna na cabeça de qualquer pessoa é uma coisa vazia. Um buraco normalmente é vazio, mas no caso das nossas atividades a caverna fica sempre cheia de líquido. Quando se faz o poço nós injetamos a água, a água remove o sal e leva ele em forma de salmoura, água mais sal. No lugar que saiu o sal a água ocupa o lugar. Se fosse uma coisa vazia, a gente injetava e não voltava. Se volta é porque está cheio e a água não é como um gás que pode vazar. Quando a gente desativa o poço ele fica fechado, a água é incompressiva. Apertou ela, não sai. Tudo que estamos dizendo são hipóteses. As atividades nossas estão transcorrendo normalmente. No terreno do CSA onde tem poços desativados está tudo normal, nada rachou. Dizer que tudo no Pinheiro é devido a extração, não é. Isso é devido a construções mal feitas”, esclarece. O engenheiro questiona a atuação da Defesa Civil. “Eu acho que o pessoal demorou muito para dar informação, é uma sensação de abandono. Mas a Braskem tem feito os esforços dela”, pontua. Especialistas do CPRM estão em Alagoas desde o início da semana e devem ficar até o dia 24 para realizar mais uma etapa de estudos. Durante a próxima semana, diversas reuniões estão agendadas para discutir os rumos da crise no bairro do Pinheiro que no dia 15 de fevereiro completa um ano. Ainda nessa sexta-feira (11), o Palácio do Planalto publicou uma nota informando que o presidente da República determinou que o Governo Federal adote ações necessárias para agilizar a identificação do fenômeno. Veja abaixo a íntegra da nota. [caption id="attachment_272431" align="aligncenter" width="527"] (Foto: Reprodução)[/caption]