Cidades

Amantes de livros resistem à tecnologia

Clubes de leitura na capital e interior promovem interação, diversão, trocas de ideias e sugestões, além de encontros presenciais

Por Tribuna Independente com Lucas França 15/12/2018 13h27
Amantes de livros resistem à tecnologia
Reprodução - Foto: Assessoria
Na velocidade do tempo atual, ainda existem pessoas que apesar do acesso fácil à internet e leituras rápidas online encontram tempo para folhear bons livros. A maioria delas, pode não apontar apenas uma razão para esse hábito: seja necessidade, prazer ou aprendizado. Ainda tem o detalhe de que em um período em que tudo é medido pelo virtual, as livrarias têm passado por crises. Porém, amantes da leitura têm buscado a conexão com pessoas que desfrutam do mesmo prazer. Uma opção tem sido os clubes de livros. Na capital existe o Clube do Livro Maceió (Facebook e Instagram) que tem ajudado a fazer com que essa turma encontre o que procura: boa leitura, amigos para discutir e compartilhar as descobertas e diversão. A atividade é comum em outras partes do país e do mundo. Yngrid Mickaelli Oliveira dos Santos, formada em biologia, atualmente doutoranda em pós-graduação de Ciências da Saúde pela Universidade Federal de Alagoas (Ufal), juntamente com Erika Alcântara, Camila Santos, Pedro Carnaúba, Andressa Lopes e Jordana Rodrigues são os administradores do Clube do Livro. Yngrid conta que a ideia surgiu quando um amigo, Daniel Sabino, leu seu primeiro livro de uma saga - atualmente virou série, e necessitou conversar com alguém sobre tudo que estava sentindo e encontrou outro apaixonado por leitura, Gustavo Mariano. “Então, juntos fomos procurando entre os amigos quem tivesse lido e incentivando outros a lerem também e conversarem sobre. Assim a vontade de compartilhar outras leituras foi crescendo”, comenta. Segundo ela, em 2012 foi criado um grupo no Facebook onde podiam fazer essas trocas, até que o primeiro encontro foi realizado. “Desse momento em diante algumas pessoas permaneceram e ainda frequentam os encontros, outros foram surgindo e fortalecendo os laços de amizade”, explica a administradora. O número de participantes é variável, segundo Yngrid. “Pois conforme as pessoas vão se mudando ou se ocupando isso pode mudar. Mas temos alguns membros fixos que não perdem a oportunidade de se reunir a cada dois meses, conforme tenham disponibilidade, além de conversarmos por WhatsApp, somando 30 pessoas”, acrescenta. Além dos clubes de leitura algumas livrarias em parceria com clubes, outras livrarias e autores também promovem encontros de leitura. A Livraria Leitura, por exemplo, promove um Clube de Leitura quinzenal e os encontros de leitores que as editoras mandam. Grupo promove troca de ideias entre leitores Os administradores ressaltam que a vantagem principal na participação no clube é a troca de ideias com outras pessoas que também gostam de ler. “Além de existir trocas de sugestões, a gente desenvolve empatia e respeito pelas diferenças, nós incentivamos a leitura mensal por meio de desafios que criamos e todos que cumprirem participa de sorteios de livros e outros brindes relacionados com literatura”.   Recebimento mensal de livros motivou criação de um grupo com um ritmo bem puxado de leitura (Foto: Cortesia) O Clube também promove o encontro pessoal a cada dois meses com surpresas para os participantes. “Realizamos encontros a cada dois meses e buscamos fazer em locais diferentes para também conhecermos nossa cidade, como museu de história natural, parques municipais, lojas de jogos, onde conversamos sobre o tema proposto, sobre séries, trocamos livros, vendemos, emprestamos, temos sempre um lanche coletivo, saraus... Somando-se a isso, fazemos ações em escolas e creches, apenas como temos amor pelos livros, pois não somos patrocinados por ninguém”, acrescenta. Para os administradores, o melhor de tudo é notar que existem pessoas que se esforçam para estarem presentes nos encontros. “O melhor de tudo isso é contar com a ajuda de pessoas maravilhosas, que têm se esforçado para estarem presente, para juntos tentarmos fazer um mundo melhor com mais livros e leitores”, comemoram. “Digo aos meus filhos: leiam, a leitura abre os horizontes da mente!” A doula Ângela Soares ainda não participa de nenhum clube que promove essa interação, mas deseja entrar em algum que tenha essa finalidade. A meta dela é até o fim do ano ler sete livros. “Li quatro livros esse ano, estou lendo o quinto no momento. Espero antes do ano terminar de ler mais uns dois. Minha meta literária para 2019 é ler bem mais livros e participar de algum clube do livro”, conta Soares. A doula confessa que com a facilidade do mundo virtual fica difícil manter o foco em um livro, mas com esforço dá para conseguir. “O mundo virtual às vezes tira o foco, mas com muito esforço conseguimos. Digo aos meus dois filhos diariamente: ‘Leiam! A leitura abre os horizontes da mente!’”. O desejo de Ângela para entrar em um clube se deu justamente pela falta de alguém para discutir as temáticas que ela ‘consome’. ‘’Esse desejo de participar de um clube se deu justamente pela falta de alguém para discutir sobre os livros que leio. Até porque as pessoas têm percepções diferentes a respeito de um mesmo tema. A construção de uma consciência crítica nasce com a leitura e o debate de opiniões. Com os livros aguçamos nossa imaginação, afloramos nossos sentimentos, adquirimos conhecimento, viajamos e descobrimos o mundo”, avalia Ângela. Já a advogada Flaminhia Gomes da Silva faz parte de um clube de leitura derivado de outro clube. O clube de assinatura da TAG. No clube, segundo ela, é discutido mensalmente o livro que foi enviado no mês anterior. “Aprecio a leitura desde a infância com os livros infantis. Contudo, esse hábito não foi ininterrupto. Houve sim uma fase em que meu ritmo de leitura diminuiu drasticamente. Mas consegui retomar quando me determinei a administrar meu tempo, pois era algo que fazia falta”, conta a advogada. O ritmo de leitura de Flaminhia é bem “puxado” só este ano, até o momento, ela já leu 28 livros. “Na vida, confesso que não sei ao certo, pois passei bastante tempo na infância, adolescência e até início da vida adulta sem me preocupar em contabilizar. Comecei a fazer isso este ano e, dos que me lembro, foram aproximadamente entre 60 e 70”, avalia. A advogada ainda relembra que nem sempre tinha como discutir e compartilhar o que lia, mas sentia essa necessidade. “Nem sempre. Sempre compartilhei e discutia sobre, quando encontrava alguém interessado na leitura e na discussão, mas era difícil encontrar alguém interessado em ambas as coisas. Logo, somente a partir de abril deste ano que comecei a frequentar o clube de leitura da TAG aqui de Maceió. Sempre senti necessidade de discutir qualquer coisa que eu descobria com a leitura.” Segundo a advogada foi um pouco difícil encontrar um grupo que tivesse esse objetivo. “Sabia que devia existir em algum lugar da cidade, mas não fazia ideia de onde nem como encontrar. Até que graças à tecnologia e ao aplicativo da TAG uma moça veio falar do clube e perguntou se eu tinha interesse. Estou no grupo desde então, discutindo livros e fazendo alguns ‘amigos dos livros’”, ressalta. Movimento incentiva leitura de trabalhos literários de mulheres Em 2016 chegou a Alagoas uma iniciativa parecida com o Clube do Livro. No entanto, o clube de leitores tem uma diferença por ser dedicado, exclusivamente, a obras escritas por mulheres. A inciativa já existia em outros lugares do país e fora. A ideia original do projeto surgiu em 2014, com a escritora britânica Joana Walsh, que através da campanha nas redes sociais #readwomen2014 (#leiamulheres2014), procurou incentivar a leitura de livros escritos unicamente por “elas”. O objetivo era difundir as obras entre as pessoas e chamar a atenção para o fato do quanto o mercado editorial ainda é machista, já que a maioria dos livros publicados é escrito por homens. No Brasil, a ideia foi difundida em 2015 com as amigas Juliana Gomes, Juliana Leuenroth e Michelle Henriques que resolveram trazer para lugares como livrarias e espaços culturais. Onde deu início o #LeiaMulheresnopaís. Já para o estado, a ideia foi trazida pela jornalista Roberta Rocha, que fazia uma pesquisa relacionada ao tema da influência do gênero no mercado editorial quando descobriu a iniciativa. Distante dela, mas morando na mesma cidade, a professora Raquel Firmino também esbarrou nas informações sobre o projeto e se interessou por ele. Mesmo sem saber das intenções da jornalista e da professora, as organizadoras nacionais revelaram a ambas que o interesse pelo clube de leitura já era algo compartilhado no estado e sendo assim, ela propôs desenvolver em Maceió por meio de uma parceria entre as duas. Após serem apresentadas, em janeiro de 2016, aconteceu o primeiro encontro, que reuniu cerca de 10 participantes. A ideia deu tão certo que o Leia Mulheres se expandiu para outras cidades alagoanas como Marechal Deodoro e Arapiraca. A mediadora do projeto em Marechal, Elaine Rapôso, de 36 anos, professora, leitora e aspirante à escritora, conta que é apaixonada por esse trabalho. “O Leia Mulheres é um movimento que, a partir de São Paulo, espalhou-se pelo país inteiro. Atualmente, existem mais de 90 grupos espalhados por cidades brasileiras. Em Alagoas, há três grupos: Leia Mulheres Maceió, Leia Mulheres Marechal Deodoro e Leia Mulheres Arapiraca. Junto com as alunas Maria Rosane e Sara Maria, eu sou mediadora do Leia Mulheres Marechal Deodoro. O grupo reúne-se mensalmente, no Campus do Ifal Marechal Deodoro, e alia à formação de leitores e leitoras à discussão de temáticas relacionadas à visibilidade das mulheres escritoras, bem como violência, desigualdade social, de raça e gênero a partir da leitura de livros escritos por mulheres”, explica Elaine. “Lemos obras de ficção e não-ficção, a partir de escolhas feitas entre os integrantes do grupo, que hoje conta com mais ou menos vinte participantes. O grupo é aberto à participação masculina, inclusive, temos rapazes participando dos encontros, mas ele é um espaço de protagonismo feminino. Então apenas mulheres podem ser mediadoras e só lemos textos de autoria feminina. Sou professora e pesquisadora e sempre estudei a literatura a partir do recorte de gênero, com foco nas obras de autoria feminina. Trazer o Leia Mulheres para Marechal Deodoro foi uma realização muito importante para mim, porque alia meus estudos e pesquisas a minha prática docente de forma direta”, reforça Elaine. De acordo com ela, o foco na autoria feminina, para o Leia Mulheres como um todo, é parte de uma ação afirmativa, no sentido de dar visibilidade às mulheres escritoras do passado e do presente. “Dessa forma, ele funciona como uma medida de reparação histórica, que se volta para a construção de espaços de visibilidade para as escritoras e suas obras a partir da leitura de suas obras e do compartilhamento dessas leituras por meio do diálogo’’, ressalta. Este mês, o Leia Mulheres Marechal Deodoro junto com a curadoria da Flimar realizarão um evento exclusivamente voltado para o contexto das mulheres. O encontro acontecerá na quarta-feira (19), às 15h30, no Instituto Federal de Alagoas (Ifal), no Campus Marechal Deodoro, com discussão do livro: O conto da aia, da Margaret Atwood. O encontro é aberto ao público. Leia Mulheres em Arapiraca valoriza espaços culturais Em Arapiraca, o Leia Mulheres surgiu a partir de uma leitura em uma revista feminista. “Conheci o que era o Leia Mulheres e fui pesquisar se existia em Alagoas, e vi que tinha em Maceió e Marechal. Mas eu não tinha como participar dos encontros porque não tinha dinheiro para ir todos os meses. E eu queria voltar a ler como fazia na adolescência. Então, enviei e-mails para os coordenadores nacionais mostrando meu interesse, dizendo as dificuldades e até mandei prints do Google Maps para elas terem noção da distância falando que seria importante ter em outros municípios. Foi um processo longo até formamos o clube aqui”, explica Laura Emília Araújo, estudante de Letras Inglês e uma das mediadoras do clube na cidade. De acordo com ela, os encontros são bem itinerantes e com objetivos de promover alguns espaços. “A nossa proposta aqui também valoriza os espaços culturais da cidade. Fizemos encontros no Vinil Coffee Bar, Uneal [Universidade Estadual de Alagoas], casa da cultura, biblioteca pública, praça e bosque.” Laura ressalta que o clube não é apenas de mulheres e que qualquer pessoa pode participar. “É um clube para quem gosta de ler. Ou seja, muitas pessoas podem participar apesar do número maior ser de mulheres. A gente sente que o público é limitado, geralmente são mulheres que estão na universidade, ainda não conseguimos atingir o ensino básico ou pessoas mais velhas. Mas queremos melhorar isso para o ano que vem”. Segundo a mediadora, já ouviu pessoas questionando sobre o por que de um clube de leitura só com livros de escritoras. Ela disse que o ideal mesmo seria não precisar do Leia Mulheres. “Mas a gente vive em uma sociedade machista que invisibiliza a mulher em todos os campos, e também na literatura. Então, o Leia Mulheres surgiu para isso, fazer um convite e para dá luz a essas mulheres e a esses livros que muitas pessoas não conhecem, não têm acesso. Acho importante. É um espaço de resistência mesmo, pois estamos trazendo livros marginais – que não estão dentro dos cânones, são mulheres estrangeiras, brasileiras, latino-americanas etc. É importante esse clube. Estamos em espaços diversos. Cada clube é “independente’’, mas a gente responde as coordenadoras nacionais. O Leia Mulheres está em mais de 100 cidades do Brasil, é um movimento que veio para ficar”, ressalta Laura.