Cidades

O incansável perde batalha para o câncer

Fundador da Casa do Penedo, Francisco Sales morre em Brasília aos 79 anos; médico viu sonho se concretizar antes de partir

Por Texto: Wellington Santos com Tribuna Independente 19/09/2018 17h37
O incansável perde batalha para o câncer
Reprodução - Foto: Assessoria
Era o dia 26 de abril de 2018 quando a Tribuna Independente e o portal tribunahoje.com publicaram aquela que viria a ser a última reportagem feita com um desbravador da cultura nas Alagoas. Intitulada de “Incansável Sonhador”, a matéria trazia à baila na ocasião a luta e as histórias do presidente da Fundação Casa do Penedo, o médico Francisco Alberto Sales, que revelava um sonho: ver o prédio secular do Chalé dos Loureiros, no município de Penedo, todo recuperado e entregue à população ribeirinha para abrigar o Museu do Rio São Francisco. Curiosamente, três dias após o secular prédio ser entregue à população local, totalmente restaurado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), através do PAC Cidades Históricas, Sales faleceu ontem em Brasília. Aos 79 anos, lutava contra três tipos de cânceres. O sepultamento e o velório aconteceram na manhã desta quarta-feira (19) no cemitério Campo da Esperança, em Brasília. https://tribunahoje.com/noticias/cidades/2018/04/26/incansavel-sonhador/ Durante a solenidade de inauguração do Chalé dos Loureiros, realizada no último sábado (15), Sales foi homenageado e, mesmo não estando presente por conta de sua saúde fragilizada, ficou muito feliz e se sentiu realizado em ver, depois de tanto tempo, o prédio ser recuperado para muito em breve abrigar o Museu do São Francisco. O trabalho de resgate e preservação da memória nacional por Sales foi destaque durante a entrega do Chalé dos Loureiros, especialmente no discurso da presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a especialista em Historiografia Brasileira e Regional, Kátia Bogéa. Planejado para abrigar o Museu do Rio São Francisco, a recuperação do chalé, que tem mais de cem anos de construção, só foi possível porque Sales o salvou das ruínas, atuando em parceria com instituições como BNDES, Ministério da Cultura, Iphan e prefeitura de Penedo. “A gente pede duas coisas: que vocês sejam Sales para proteger a memória de vocês e que façam tudo junto, com amor no coração. O Iphan sozinho, jamais, vai proteger o patrimônio cultural brasileiro, o Iphan precisa do Sales, o Iphan precisa de vocês”, declarou Bogéa, antes de anunciar que os recursos para o projeto de instalação do Museu do Rio São Francisco estão garantidos. Para Gardência Nascimento, arquiteta do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a perda é lamentável. “Ele tem um rico acervo diferenciado, com livros seculares. A valorização pelo patrimônio histórico fez surgir a Casa de Penedo, o grande mérito dele é ter juntado ao longo da vida um acervo incrível e tirado do seu bolso para investir recursos para essa continuidade de preservação”, frisou. “Ele comprou o Chalé dos Loureiros com os próprios recursos. Ganhou a medalha Mário de Andrade do Iphan durante os 80 anos do Instituto, justamente por ser a pessoa que é”, salientou a arquiteta. A última entrevista do desbravador Na sua última entrevista, sem perder o bom humor em momento algum, muitas vezes em tom de blague, apesar dos “três caranguejos” — como se referia aos três tipos de cânceres que se instalaram no corpo magro — Francisco Alberto Sales não se fez de rogado. Gravador ligado, no ponto. E a Tribuna Independente saca da cartola a primeira pergunta para o personagem desta reportagem. “O senhor…” — Epa! Senhor não, por favor! Senhor está no céu! Interrompe o culto interlocutor, ao se apropriar de um jargão popular para repreender, educadamente, o repórter. — Me chame de Francisco ou de Chico… fica melhor… Francisco Sales, entre o repórter Wellington Santos e o secretário Enio Lins: a última entrevista (Foto: Adailson Calheiros) Não se sabe se intencionalmente ou se é um daquelas ‘coincidências’ da vida, mas, por ironia (ou não), seu nome tem Francisco e sua sugestão para o chamar pelo apelido é também como muitos chamam um dos mais famosos rios do Brasil, “Chico” – o Rio São Francisco. No local da entrevista, ao fundo, o quadro imponente de uma figura a quem atribui como o mais importante jornalista brasileiro, em sua opinião: Carlos Castelo Branco, da Academia Brasileira de Letras, autor da prestigiada coluna no Jornal do Brasil e um marco do jornalismo político. E a quem conheceu bem, quando morava em Brasília. “Veja o quadro, o Castelo está com livros por todos os lados do corpo. Foi o mais importante do Jornal do Brasil”, diz o entrevistado. Descontraída e entremeada por muita cultura, assim foi o tom da conversa com o desbravador da cultura penedense que nasceu praticamente às margens do São Rio Francisco. Hoje com 79 anos, Francisco Alberto Sales, o criador da Casa do Penedo — o mais completo acervo e considerada a guardiã das tradições, das riquezas e herança cultural do Baixo São Francisco e que mantém um patrimônio bibliográfico, iconográfico e cartográfico, somados a preciosos objetos de arte que simbolizam a cultura e a tradição de sua população — revela à Tribuna Independente em que estágio está sua luta para concretizar um sonho alimentado desde os anos 1990: transformar Penedo na capital do Baixo São Francisco com a construção de um museu em homenagem ao rio e a seu povo. Mas Francisco Alberto Sales, o Chico, enfrenta um câncer que, às vezes, o revela com a inevitável expressão de dor de todo mortal. “Estou com três caranguejos no corpo”, diz, ao se referir à batalha diária que mantém contra o adversário sorrateiro e perigoso. Mas Chico, assim como o rio, não desiste, esbanja espirituosidade, mesmo diante da dificuldade. É obstinado, do mesmo jeito de quando era criança levada e, ao mesmo tempo, culta; um habitué de chás de leituras pelas ruas históricas da velha Penedo. “Meu filho, aos 20 anos já possuía um automóvel, fato raríssimo para aquela época”, relembra, em tom de blague. Apesar dos três “caranguejos”, era um obstinado Mas Francisco Alberto Sales, o Chico, enfrentava um câncer que, às vezes, o revelava com a inevitável expressão de dor de todo mortal. “Estou com três caranguejos no corpo”, disse, ao se referir à batalha diária que mantinha contra o adversário sorrateiro e perigoso. Mas Chico, assim como o rio, não desiste, esbanja espirituosidade, mesmo diante da dificuldade. É obstinado, do mesmo jeito de quando era criança levada e, ao mesmo tempo, culta; um habitué de chás de leituras pelas ruas históricas da velha Penedo. “Meu filho, aos 20 anos já possuía um automóvel, fato raríssimo para aquela época”, relembra. É na Casa do Penedo que estão ainda biblioteca, auditório com galeria de penedenses ilustres, anfiteatro e o Memorial Permanente, que expõe a história econômica, política, cultural e artística da cidade de Penedo e do Baixo São Francisco. “Os documentos de Penedo produzidos pelos cartórios estavam em petição de miséria, guardados em sacos de farinha de trigo, empilhados em um galpão, noventa por cento perdidos. Eu pedi ao prefeito à época e este foi o primeiro procedimento técnico cedido pelo poder público municipal para que a gente cuidasse. Depois fizemos o mesmo procedimento com os documentos do Estado e assim nascia a Casa do Penedo”, rememora.