Cidades

Seguro machista: mulheres pagam mais por seguro automotivo

Homens representam 82% dos casos de acidentes de trânsito com mortes no Brasil, mas são elas quem desembolsam mais por serviço

Por Thayanne Magalhães com Tribuna Independente 05/09/2018 08h50
Seguro machista: mulheres pagam mais por seguro automotivo
Reprodução - Foto: Assessoria
“Mulher no volante, perigo constante”. O ditado ultrapassado vai de encontro aos números divulgados pela Seguradora Líder, responsável pela administração do seguro DPVAT que mostra que 75% das indenizações pagas por acidentes de trânsito no Brasil são para vítimas do sexo masculino. Somente em 2017 foram quase 384 mil indenizações pagas pelo DPVAT. Destas, a maior parte foi para homens entre 18 e 34 anos. Eles também representaram 82% das vítimas nos casos de acidentes com mortes. [caption id="attachment_165736" align="aligncenter" width="700"] Fonte: Seguradora Líder[/caption] Apesar disso, as mulheres pagam mais caro pelo seguro auto em capitais brasileiras como Belo Horizonte, Brasília, Porto Alegre, Rio de Janeiro e São Paulo. De acordo com um levantamento da Bidu, plataforma online de recomendação, comparação e contratação de seguros e serviços financeiros, as motoristas do perfil feminino gastam em média 157 reais a mais que o perfil masculino no seguro cotado no mês de julho. As brasilienses chegam a desembolsar um valor 227 reais superior em relação aos motoristas homens, seguidas pelas condutoras paulistanas com 168 reais. [caption id="attachment_165737" align="aligncenter" width="700"] Fonte: Seguradora Líder[/caption] PRINCIPAIS VÍTIMAS Corretor de seguros há 24 anos e diretor do Sindicato dos Corretores de Seguros de Alagoas (Sincor-AL), Ailton Júnior acredita que a diferença do valor do seguro auto entre homens e mulheres está relacionada à “fragilidade” com que ainda é visto o sexo feminino. “A questão dos valores sempre tem muitas variações. Em Alagoas não existe essa diferença como em outros estados do país porque estatisticamente está comprovado que a mulher é mais cuidadosa, porém, nesses grandes centros, o fato de as mulheres serem as principais vítimas dos ladrões de carros é levado em consideração”, afirmou. Roubo a mulheres seria justificativa   Ailton Júnior explica que em capitais como São Paulo, o índice de roubo de veículos é levado em consideração pelas seguradoras e na maioria dos casos as vítimas são mulheres. Esse seria o principal fator para o valor pago mais alto pelo público feminino. [caption id="attachment_165738" align="aligncenter" width="700"] Fonte: Seguradora Líder[/caption] O profissional explica ainda que muitos fatores são levados em consideração na hora de se definir o valor do seguro. “O CEP do cliente é um dos fatores levados em consideração. A questão do índice de violência da região onde mora, se o carro fica guardado em garagem ou se fica estacionado na rua, se existe outro condutor menor de 26 anos que usa o veículo e até a profissão”, explicou Ailton Júnior. Em Alagoas as mulheres chegam a receber vantagens já que, estatisticamente, ficou comprovado que elas são mais cautelosas ao volante. “A maioria das seguradoras oferece mais benefícios quando se trata de mulheres. Um exemplo são empresas que na assistência 24 horas dão direito ao homem de solicitar três trocas de pneus furados, já para mulheres não existe um limite”, explicou. Para o cientista social Jorge Vieira, tanto o valor cobrado mais alto pelo seguro auto em alguns estados quanto a justificativa de que mulheres podem ser as principais vítimas de assaltos em algumas capitais do país, só reforça o machismo da sociedade patriarcal em que ainda vivemos. “Essa questão de dizer que a mulher no volante é sinônimo de insegurança no trânsito não condiz com os dados mostrados pelas pesquisas. Ela é muito mais atenta e cuidadosa que o homem. E sobre serem a maioria das vítimas de assaltos e roubos de carros, onde estão esses dados? Puro machismo”, opinou. IMPRUDÊNCIA Especialistas afirmam que os homens se mostram mais impacientes ao volante e menos atentos às normas de trânsito. Atitudes como o não uso dos equipamentos de segurança, ultrapassagens perigosas e utilização de aparelhos eletrônicos acabam se tornando frequentes causas de acidentes envolvendo pessoas do sexo masculino. Dados do Denatran mostram que, dos 45 milhões de motoristas no Brasil, quase 30 milhões são do sexo masculino. De acordo com os números, 71% dos acidentes no país são provocados pelos homens. Além disso, 70% das multas registradas são para motoristas do sexo masculino. Segundo o Censo do IBGE 2010, a população brasileira é composta por 49% de homens e 51% de mulheres. Ainda de acordo com os números da Seguradora Líder, no comparativo entre homens e mulheres, o maior risco associado ao volante também pode ser verificado pelas estatísticas referentes ao condutor do veículo. Em 2017, 42% das indenizações pagas para condutores dos veículos foram para o sexo masculino, contra apenas 7% para motoristas do sexo feminino. Os números revelam ainda que a maior incidência de indenizações pagas foi para a faixa etária considerada economicamente ativa, de 18 a 34 anos, representando 37% dos indenizados (cerca de 142 mil). [caption id="attachment_165739" align="aligncenter" width="700"] CEP do cliente é um dos fatores considerados para definir valor do seguro pelo índice de violência da região (Foto: Sandro Lima)[/caption] Dados divulgados pela Seguradora Líder, administradora do Seguro DPVAT, em agosto deste ano, reforçam o alto índice de acidentes de trânsito envolvendo vítimas do sexo masculino. Somente em 2018, três em cada quatro indenizações pagas pelo DPVAT foram para homens. De janeiro a junho, eles representaram aproximadamente 75% dos 169 mil indenizados em todo o território nacional. As motocicletas aparecem como responsáveis pelo maior número de acidentes. Apesar de representar apenas 27% da frota nacional, o veículo já concentra 76% das indenizações pagas neste ano. Entre os casos fatais envolvendo motos, 88% foram com vítimas do sexo masculino. Nos sinistros com os demais tipos de veículos, os homens também são maioria: 76% nos casos de morte e 65%, de invalidez permanente. Três indenizações em cada quatro são pagas aos homens   Os dados do Seguro DPVAT servem como um alerta para a importância dos cuidados no trânsito. Para os pais que costumam dirigir acompanhados dos filhos pequenos, a atenção deve ser redobrada. É preciso respeitar os limites de velocidade, não usar o celular ao volante, obedecer à sinalização e usar sempre o cinto de segurança, inclusive no banco de trás. Crianças nunca devem andar na garupa de motos e devem sempre usar cadeira de segurança nos automóveis. Para os filhos jovens, vale também o aviso sobre o perigo da combinação álcool e direção e, é claro, o bom exemplo. O Seguro DPVAT representa uma proteção importante aos mais de 207 milhões de cidadãos em caso de acidentes de trânsito em todo o território nacional, seja ele motorista, passageiro ou pedestre, sem considerar a responsabilidade sobre o acidente. São três tipos de coberturas: morte, invalidez permanente e reembolso de despesas médicas e hospitalares (DAMS). O DPVAT é um seguro de caráter social, pago por todos os proprietários de veículos automotores uma única vez ao ano. No recorte de acidentes com motocicletas, também no ano passado, 88% das indenizações por morte e 79% por invalidez permanente também foram para homens. Já as indenizações por acidentes com os demais veículos representaram 65%. Isso demonstra que motociclistas do sexo masculino se envolvem em mais acidentes que condutores homens dos demais veículos. Somente em 2018, de janeiro a maio, já foram pagas 148.164 indenizações por acidente de trânsito em todo o território nacional, sendo aproximadamente 111.123 sinistros pagos a vítimas do sexo masculino. “Sofro assédio no trânsito dirigindo e pedalando”   Antes mesmo do inconveniente de pagar mais caro pelo seguro auto, mulheres já convivem há anos com o assédio de homens enquanto estão dirigindo. No caso da estudante Maria Alliny, de 24 anos, o sofrimento é em dobro, pois costuma fazer alguns percursos do seu cotidiano de bicicleta. “Eu comecei a dirigir com 18 anos e usava o carro para ir para a faculdade e o machismo era ainda pior do que hoje e eu sempre saía receosa com os assédios, porque estava sozinha. Muitas vezes acabamos sofrendo limitações em nossa liberdade, por não querer passar por uma situação de machismo”, comentou. [caption id="attachment_165740" align="aligncenter" width="700"] Segundo Maria Alliny, dirigir com vidro do carro aberto e de short se tornou inviável em função do assédio de motoqueiros (Foto: Acervo Pessoal)[/caption] Maria Alliny conta que por várias vezes estava com o vidro do carro aberto, e algum motoqueiro sempre parava do lado do carro e ficava olhando para as suas pernas quando estava de short. “Já cansei de passar por isso. A partir daí a gente começa a criar uma maneira de se proteger, como levantar o vidro antes mesmo do assédio acontecer. Isso é terrível. E aí já não basta muitas vezes estarmos cansadas de um dia de estudo e trabalho, ainda ter que enfrentar um trânsito e escutar frases do tipo ‘fez isso porque é mulher’, é bem triste e revoltante. Homens que se acham superiores, que podem gritar, furar a fila de carro, ficar buzinando, só porque viu que é uma mulher no volante e por isso se sentem superiores ao ponto de nos intimidar? Esses homens existem, mas precisamos buscar forças e coragem para lutar contra eles”, ressalta a estudante. Quando Maria Alliny começou a pedalar, sentiu o machismo ainda mais presente por estar mais exposta. “Como na bicicleta ficamos mais expostos, então consequentemente prestamos mais atenção no que acontece em nossa volta. E a realidade é tão triste, que algumas ações já são automáticas, como por exemplo, no meu trajeto diário de bicicleta, passo por um local onde sempre ficam muitos homens na calçada. Quando eu estou chegando perto, acelero a pedalada pra passar o mais rápido possível, porque sei que ficam me olhando de um jeito intimidador e às vezes chegam a falar coisas pejorativas. Não vou deixar de dirigir e nem de pedalar, ou fazer o que quer que seja, por causa do machismo existente em nossa sociedade, mas eu gostaria que não existisse mais o medo, gostaria que todos percebessem o quanto o machismo é cruel e como prejudica a nossa vida”, defendeu a jovem. Sobre o valor mais alto no seguro auto para mulheres, a Tribuna Independente conversou com algumas motoristas e a maioria afirmou que o que todas esperam não é serem melhores condutoras do que os homens, mas terem os mesmos direitos, como pagar um valor justo pelo seguro auto, independente do seu gênero.