Cidades

Raizeiros mantêm cultura da medicina popular na capital

Além de comercializar sementes, plantas, cascas e raízes, eles dão uma espécie de consultoria sobre preparo e uso

Por Lucas França com Tribuna Independente 04/08/2018 10h30
Raizeiros mantêm cultura da medicina popular na capital
Reprodução - Foto: Assessoria
Os raizeiros são figuras conhecidas no Nordeste. Aqui em Alagoas, no Centro de Maceió, no Mercado da Produção e no bairro da Levada é possível encontrá-los. Eles vendem sementes, plantas, cascas e raízes medicinais e dão uma espécie de consultoria sobre o uso e o preparo de cada tipo de especiaria. São verdadeiros doutores na medicina natural. No Mercado da Produção, em meio às pequenas mercearias, barracas de frutas e legumes, há espaço para barracas que oferecem raízes e ervas medicinais.  Além de chamar atenção pela variedade e quantidade de produtos, o cheiro forte de hortelã, eucalipto, canela e outras plantas atraem os consumidores. [caption id="attachment_122988" align="aligncenter" width="400"] Raizeira há 32 anos, Rosário Marques diz que ofício é uma tradição na família e ela o herdou do pai (Foto: Sandro Lima)[/caption]   GERAÇÃO EM GERAÇÃO Raizeira há 32 anos, Rosário Marques de 48 anos, tem contato com plantas medicinais desde criança e disse que é uma tradição na família a vendas de raízes. “Comecei a vender e conhecer os produtos aos 16 anos. Trabalhava com meu pai. Ele vendeu e também produzia ervas a vida toda”, disse Rosário. A Raizeira conta que os produtos são bem procurados e a eficácia são garantidas. “A procura por raízes e ervas medicinais é muito boa. Sempre tem gente buscando para fazer um chá, fazer um banho. A eficácia dos produtos naturais é excelente”, afirma Rosário. Rosário Marques disse que o movimento em sua barraca é intenso. “Recebo diariamente clientes em busca da solução para vários tipos de problemas de saúde. A lista é grande. Tenho canela, para enxaqueca ou estômago; sucupira para artrite, artrose e reumatismo; casca da romã, para gastrite e garganta inflamada; raspa do juá, para caspa, cabelo e tosse. Tenho ervas e raízes para combater infecção, cálculo renal, ferida no útero, para banhos (geralmente para abrir os caminhos). Isso depende muito do que o cliente está em busca e da crença de cada pessoa”, conta. PRODUÇÃO Rosário Marques disse que algumas ervas ela mesmo e a família produzem. Outras compram de terceiros para revender. “Tem algumas que a gente mesmo produz. Mas outras chegam de outros estados para revendermos. Muitas das raízes que comercializamos vêm de aldeias indígenas. Agora eu faço minhas garrafadas e misturadas como meu pai me ensinou”, explica. Quem também herdou o ofício da família foi a Laís Alves da Silva que já está no ramo há 16 anos junto com uma tia. “A venda e produção de raízes é uma tradição que passa de geração para geração. Não há como fugir disso. É o nosso sustento. E, além disso, acreditamos em nossos produtos”, ressalta. Laís Alves disse ainda que em sua barraca os produtos mais procurados são gengibre, babosa, hortelã miúda, barbatimão, raspa de aroeira. As raizeiras garantem a eficácia das raízes e produtos produzidos a partir delas e afirmam que isso é comprovado pelos próprios clientes que voltam para comprar mais e agradecer pela indicação. “As pessoas voltam aqui e nos dizem que o remédio serviu e acabam comprando mais”, afirma Laís. [caption id="attachment_122989" align="aligncenter" width="400"] Laís Alves da Silva está no ramo há 16 anos e diz que “é uma tradição de famíla passada de geração a geração” (Foto: Sandro Lima)[/caption] Consumidores atestam eficácia de ervas e raízes nos tratamentos A dona de casa Francisca Queiroz garante que os produtos naturais dão um bom resultado no tratamento de algumas doenças e que muitas vezes são melhores que os remédios alopáticos (comprados em farmácia). “Eu utilizo e recomendo. Tem ervas e raízes para diversas doenças e tratamento. Uso desde criança e hoje passo para as minhas filhas. Eu prefiro medicá-las com remédios da natureza que com antibióticos, por exemplo. Não é bom para as crianças tomarem muito essas drogas”, conta Francisca.   [caption id="attachment_122990" align="aligncenter" width="400"] Aposentada Marineide Amaro da Silva sempre compra plantas medicinais para tratar problemas de saúde; ela diz que o próprio médico indicou algumas ervas para o tratamento do marido que tem diabetes (Foto: Sandro Lima)[/caption] NO QUINTAL Francisca Queiroz que já tem o hábito de usar os produtos naturais disse que em seu quintal tem uma pequena horta com as ervas que ela costuma utilizar. “Eu não compro muito porque eu produzo em casa várias espécies de ervas porque como costumo utilizar bastante não tenho que sair comprando ou procurando. Só quando não tem no meu quintal”, ressalta a dona de casa. Já a aposentada Marineide Amaro da Silva, estava no mercado à procura de ervas e raízes para o esposo que tem diabetes. “Eu sempre venho aqui comprar alguns produtos para diabetes e outras doenças. Canela, Pata de Vaca, Giseng, Chia são alguns deles. Meu marido utiliza para baixar o diabetes. Ele toma insulina e o próprio médico indicou algumas ervas para usar para o tratamento”, conta a aposentada. Os preços dos produtos oferecidos também chamam a atenção dos clientes que acaba levando para casa mesmo quando não está precisando no momento. “Vou levar alguns para estocar em casa. Porque quando precisar já tem. Né? O preço está bom. Tem ‘remédios’ a partir de R$ 2”, ressalta a aposentada. O aposentado José Auto Firmino sempre compra na Feirinha do Tabuleiro ou com os raizeiros que ficam no centro perto da escola Cyro Accioly. “Geralmente compro gengibre e outras especiarias para problemas no estômago. Também comprei algumas raízes para o problema de gastrite da a minha filha. E ela sentiu uma melhora. Já havia procurado um médico e tomou alguns remédios, só que não estava vendo o resultado. Aí, fiz uma garrafada com várias raízes e ela passou a sentir melhoras. E ela não teve mais crise de lá para cá”, afirma o aposentado. [caption id="attachment_122991" align="aligncenter" width="400"] Jorge Vieira diz que índios mantêm segredo sobre princípio ativo de algumas plantas por questão religiosa (Foto: Sandro Lima)[/caption] Tradição: índios e quilombolas ainda mantêm hábitos de cultivo A medicina natural é utilizada desde sempre no Brasil. Os índios a utilizam fartamente, assim como os povos quilombolas. Em países como a China, ela se confunde com a medicina científica, pautada em pesquisas bioquímicas na indústria farmacêutica. O jornalista e cientista social, Jorge Vieira, com especialidade em sociologia e antropologia em pesquisa com indígenas e povos quilombolas, disse que a tradição permanece em várias aldeias e até mesmo fora delas. “Os índios e os quilombolas fazem o cultivo. É tradição. No caso deles, não comercializam, usam no seu dia a dia para o tratamento da comunidade. Os índios, por exemplo, têm ervas e raízes que eles não revelam o princípio ativo ou o nome do produto porque é segredo e está relacionado com a questão religiosa também”, explica Jorge Vieira. ESTUDOS No Brasil, o tratamento vegetal ganhou um nome: Farmácia Viva. O projeto foi criado em 1983 pelo farmacêutico e professor Francisco José de Abreu Matos, na Universidade Federal do Ceará (UFC). A ideia do Professor Matos inspirou o Brasil inteiro e, atualmente, em vários estados, o projeto está presente. Em agosto de 2016, com o objetivo de aproximar a fitoterapia da comunidade do bairro do Clima Bom e revitalizar o conhecimento que alguns populares já têm sobre plantas medicinais, surgiu o projeto de extensão Farmácia Viva na Unidade de Saúde Djalma Loureiro, da Prefeitura de Maceió. O projeto é da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). O portal Tribuna Hoje publicou uma reportagem especial sobre o projeto e os benefícios do tratamento fitoterápico no dia 12 de maio de 2017. Atualmente sob coordenadoria de Jorge Vieira, o Centro Universitário Cesmac também está com um projeto ligado aos tratamentos com ervas medicinais. “Estamos fazendo um trabalho com todos os cursos do Cesmac e um dos trabalhos é com o pessoal do curso de farmácia para trabalhar a questão científica com o conhecimento tradicional das ervas medicinais. Esse trabalho está sendo iniciado com os povos quilombolas”, comenta Vieira.