Cidades

Brasil consome agrotóxico ao extremo

Paulo Bezerra, gerente da Vigilância Sanitária Estadual, trata sobre o “PL do Veneno”, que avança na Câmara dos Deputados

Por Carlos Amaral 29/06/2018 09h11
Brasil consome agrotóxico ao extremo
Reprodução - Foto: Assessoria
Na última segunda-feira (25), o Projeto de Lei (PL) 6299/02 foi aprovado numa Comissão Especial da Câmara dos Deputados. O texto flexibiliza o uso de agrotóxicos no país e já foi apelidado de “Lei do Veneno”. Segundo uma série de especialistas, os riscos que o projeto pode causar nas pessoas são incomensuráveis. Para Paulo Bezerra, gerente da Vigilância Sanitária Estadual, o Brasil já é o maior consumidor desse tipo de produto com mais 1.400 formas de comercialização. “Usamos os mesmos produtos das plantações em nossas casas”. Tribuna Independente – Uma Comissão Especial da Câmara dos Deputados aprovou o PL 6299/02, que flexibiliza o uso de agrotóxicos no país. Até que ponto a população corre risco, caso o texto seja aprovado em definitivo? Paulo Bezerra – Primeiro, me deixa dizer uma coisa, a Lei [original] do Agrotóxico é a 7.802/89, que é uma boa lei desde que fosse cumprida. Mas não é. O grande problema é que nosso povo é altamente desinformado sobre os riscos que corre todos os dias. Em nossas mesas, diariamente, consumimos alimentos com resíduos desses venenos. No Brasil morre mais gente em consequência dos agrotóxicos do que qualquer outra coisa, mas não temos estatística. Como não temos material educativo, novo povo vive na ignorância. O Brasil é campeão mundial em consumo de agrotóxico. Nossa população é metade da dos Estados Unidos, mas consumimos, praticamente, o dobro de agrotóxicos que eles usam em suas plantações. Em 2009, nós consumimos um milhão de toneladas de agrotóxicos em nossas culturas. Isso é um absurdo. Usamos mais que a China e veja a nossa população e a chinesa. Além dos agrotóxicos permitidos, pouco mais de 300 substâncias que se transformas em mais de 1.400 formas de comercialização, ainda temos de lidar com os proibidos em outros países que entram no país por contrabando. Tribuna Independente – Mas esse PL recém-aprovado, até que ponto agrava essa situação? Paulo Bezerra – O controle sempre foi feito pelo Ministério da Agricultura, pelo da Saúde, pelo Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis] e pela Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária], agora será, praticamente, só pelo Ministério da Agricultura. O prazo de registro foi altamente facilitado. Antes, isso era levado à Anvisa e ao Ibama, que ia pesquisar e depois os ministérios da Agricultura e da Saúde davam a última palavra. Agora é só o da Agricultura, o prazo diminuiu e houve outras facilidades. Se o agrotóxico é usado em três países que fazem parte da FAO [Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura, sigla em inglês], aí o registro pode ser liberado imediatamente de maneira precária. Ora, muitas vezes você pode usar um agrotóxico num país com condições meteorológicas e climáticas completamente diferentes das nossas. E dentro do Brasil já há muitas diferenças nesse sentido, devido ao seu tamanho. Tribuna Independente – Até essa diferença climática afeta o risco que o agrotóxico pode causar, então? Paulo Bezerra – Sim. Além disso, até por questão de economia, o produtor usa um produto muito mais forte numa cultura que poderia ser usado uma bem mais fraco. Para você ver que a coisa é tão grave que não temos ideia de que o mesmo produto usado nas plantações, que são pesados, é o mesmo usado dentro de casa para matar baratas e mosquitos. São feitos da mesma substância. Mas por ser domiciliar tem legislação mais leve. Isso vai se acumulando de todas as casas, e o produto vai para as fossas e acaba absorvido pelo terreno. Hoje nós temos a água contaminada, alguns aquíferos também já estão, a terra e o ar contaminados. Na Serra do Apodi [RN], a água sai com 12 venenos. E isso vem de onde? Exatamente da má utilização do agrotóxico. Tribuna Independente – O senhor acredita que o plenário da Câmara vai aprovar o PL? Paulo Bezerra – Vai depender da nossa reação, que está sendo grande. Temos deputados e órgãos do governo – até ligados ao Ministério da Agricultura, cujo ministro é lesa-pátria e deve estar sendo cooptado pelas maiores multinacionais do veneno – dando depoimentos contra. Então, se começa uma reação e acredito em dificuldade para aprovar o projeto. Ao menos com as facilidades que ele tem. Tribuna Independente – O senhor falou nas diferenças regionais do Brasil. É possível dizer que há diferença de risco, caso o projeto seja aprovado pela Câmara, entre Alagoas e o restante do país? Paulo Bezerra – É na mesma medida porque consumimos alimentos vindos de fora. Tem muita gente que vende alimento como sendo orgânico, mas não são. E não tem como saber por que ele vem de fora. Os daqui são possíveis de checar. Temos um programa chamado PARA [Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos] e em cada estado, suas equipes visitam supermercados para checar a quantidade de agrotóxico nos alimentos. Os campões em agrotóxicos são: pimentão, uva, morando e pepino. Eles possuem uma carga terrível de agrotóxico, o chamado residual. Nós divulgamos esses resultados, mas não podemos impedir ninguém de consumir esses alimentos. Nós temos um telefone para casos de intoxicação, que funciona 24 horas por dia em todo o país. As pessoas podem ligar casos sintam que foram envenenadas por alimentos. O número é o 0800-721-6001. Tribuna Independente – Muita gente nem tem ideia do motivo de estar passando mal, não é? Paulo Bezerra – As pessoas são enganadas por que se eu te dou uma dose de cocaína o efeito vem na hora; se te dou uma dose de crack também, mas ninguém considera o efeito cumulativo. ‘Sempre comi meu pimentão e nunca tive nada’. Aí eu pergunto: E o aumento dos casos de câncer? De crianças nascendo com deficiência? Essas doenças modernas são consequência, em grande parte, pela quantidade de agrotóxico ingerido ao longo do tempo, são reflexo do efeito cumulativo. E passa para os filhos porque esses venenos modificam o código genético. Fora a pulverização área, cuja legislação proíbe que ela seja feita perto de comunidades e de fontes de água. Isso é desrespeitado e também tem o vento e a chuva que influenciam no destino do veneno jogado no ar. Tribuna Independente – Em sua avaliação, o que poderia ser feito para substituir o agrotóxico? Paulo Bezerra – A agropecuária e agroindústria orgânicas são uns dos meios; o combate a pragas feito de maneira biológica. Por exemplo, estão soltando mosquitos da dengue estéreos. Eles cruzam, mas não nascem mais mosquitos. Mas não podemos dizer que não se precisa, de maneira nenhuma, de agrotóxico. Desde que usados conforme a lei de 1989, não há grandes problemas.