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Após fissuras, valor de imóveis no Pinheiro cai aproximadamente 20%

Danos impedem que seguradoras aceitem novas coberturas residenciais

Por Texto: Evellyn Pimentel com Tribuna Independente 23/06/2018 12h54
Após fissuras, valor de imóveis no Pinheiro cai aproximadamente 20%
Reprodução - Foto: Assessoria
Além de precisar lidar com o pesadelo das rachaduras em suas residências os moradores do bairro do Pinheiro estão enfrentando outros problemas como consequência: desvalorização dos imóveis, dificuldades em vender e rejeição das seguradoras devido aos danos. Especialistas do setor imobiliário apontam que os preços de venda dos imóveis na região já foram comprometidos em 20% e a tendência é de mais queda. E mesmo com o preço mais baixo é difícil vender um imóvel numa região de instabilidade, segundo eles. Em relação ao seguro residencial, mesmo que os proprietários quisessem contratar um para minimizar o prejuízo, esta opção nem é aceita pelas seguradoras, como explica Nely Mendonça, corretora de seguros há mais de 20 anos. “Na verdade isso daí é uma situação social, o Governo vai ter que entrar nisto, porque as pessoas não têm culpa do que está acontecendo. Para fazer hoje um seguro com uma cobertura mais ampliada é difícil porque é um processo que já foi divulgado, é de conhecimento público e dificilmente vai ter uma seguradora que aceite fazer a cobertura desse risco específico. É muito difícil. É a mesma coisa de fazer um seguro de um carro já danificado. A seguradora não aceita o risco”, explica Nely, que é também diretora do Sindicato dos Corretores de Seguros de Alagoas (Sincor-AL). Os proprietários têm passado sufoco na hora de se desfazer do imóvel, segundo o morador do bairro, Márcio Rocha.  As placas de venda e aluguel estão se multiplicando. “Chegaram a colocar R$ 50 mil numa casa e ninguém quis comprar. Antes do tremor as rachaduras já existiam, depois do tremor pioraram e continuam piorando. Ninguém quer comprar casa aqui. Não querem nem de graça. Não existe mais venda de imóvel no bairro do Pinheiro”, lamenta Rocha. “Situação tem ‘espantado’ possíveis compradores”, diz corretor De acordo com o corretor de imóveis Henrique Farias, os proprietários têm reduzido os valores na tentativa de fechar negócio. Uma casa estimada em R$ 300 mil está sendo vendida a R$ 235 mil, uma desvalorização de 21%. “O valor baixou muito, bastante. Entre 20% e 25% mais ou menos do valor do imóvel. Por exemplo, uma casa de R$ 300 mil os donos chegam a pedir R$ 235 mil. Caiu bastante. As pessoas estão com medo e não ficou mais como antes a questão do preço, apesar de ser uma área bem valorizada, agora tem esse problema”, pontua. Ainda de acordo com o corretor, a situação no bairro tem “espantado” os clientes. Ele afirma que de fevereiro para cá recebeu três recusas em imóveis da região. “Realmente isto tem impactado bastante nas vendas, inclusive eu estou com alguns clientes que foram ver casa no Pinheiro e desistiram. Isso impacta muito. As rachaduras acabam causando desespero no pessoal. Ninguém quer comprar uma casa com rachadura. Fica muito complicado trabalhar com este tipo de situação. Perdi três clientes depois desses tremores”, relata. Imóveis têm perdido valor de mercado em região até então valorizada (Foto: Sandro Lima) A situação tem sido tão difícil que uma imobiliária em Maceió montou uma comissão de avaliadores para identificar em quais casas do bairro é possível prosseguir com a oferta de venda. Segundo o corretor Elias Moura, com 26 anos de experiência na área, os proprietários serão orientados a tomar uma decisão: ou baixar o preço ainda mais ou desistir de vender. “No bairro do Pinheiro, casas de R$ 400 mil ou R$ 500 mil nem se vendem. Diante dos acontecimentos, as rachaduras continuam, têm piorado, nós estamos tendo dificuldade. Se brincar, vai bem mais de 20%. Nós estamos fazendo um levantamento no bairro, para conversar com os proprietários e tomar uma decisão. Porque para a gente poder ficar com um imóvel, diante da atual situação tem que ser ‘vendável’, porque tem um diferencial desses fenômenos, desses fatores da natureza que têm sido prejudiciais, tem que chegar a um preço coerente com a situação. Nós estamos fazendo essa reavaliação, mas eu afirmo que pode chegar mais de 20%. Uma casa de alto padrão que nós estamos vendendo no valor de R$ 1,5 milhão, baixou para R$ 1,2 milhão, ou seja, menor R$ 300 mil e vai baixar mais ainda”, destaca. O também corretor de imóveis Robson Costa tem um apartamento disponível no bairro e diz que o que tem chamado a atenção nas vendas de imóveis na região é a dificuldade do negócio. “Eu tenho outros imóveis à venda na região e não houve queda de preço, o que tem ocorrido é a dificuldade em vender. A questão é a seguinte: existe realmente um medo geral em relação aos imóveis da região. Eu já tive situação de clientes que disseram que não queriam casa por ali por conta do problema. Ainda está um medo muito grande. As pessoas têm medo de novas rachaduras e de no futuro vir a desvalorizar. Acredito que com o passar do tempo as pessoas vão acabar esquecendo”, afirma. Contratação de seguro residencial de cobertura ampla evita prejuízos A cobertura do seguro residencial protege contra danos de incêndio, raios, explosões e desastres da natureza, mas segundo Nely Mendonça, por ser mais cara, a cobertura ampla muitas vezes não é nem oferecida ao cliente. Caso os imóveis possuíssem seguro habitacional muitos prejuízos poderiam ter sido amenizados. “No caso do imóvel, se ainda for financiado, existe a possibilidade do seguro habitacional ofertado pelos bancos e financeiras terem essa cobertura para recuperar o prédio ou casa. Mas isso tudo poderia estar bem tranquilo para os moradores se cada prédio tivesse feito o seguro de condomínio ou individual. Essa cobertura deveria ser uma que quase não se vende hoje por ser mais cara, que é a cobertura ampla. A maioria dos corretores não oferece mais, não vende porque o seguro básico protege de incêndio, raio e explosão, não tem cobertura para qualquer dano da natureza e é mais barato. No seguro básico não há essa cobertura. Isso é um alerta inclusive para os corretores oferecerem esse tipo de cobertura, porque ninguém pensa que isso pode ocorrer”, ressalta. Como a situação de dona Olívia Pedrosa, de 80 anos, relatada em reportagem da Tribuna Independente na edição do dia 14 deste mês. A idosa mora com a filha portadora de necessidades especiais em uma casa em frente à Praça Arnon de Mello. Além da preocupação com a mais recente fissura, ela enfrenta a agonia de novas rachaduras no interior de sua casa. Um detalhe que chama a atenção é que a casa dela foi construída há cerca de nove meses. “Eu moro há mais de 26 anos aqui. Aí ano passado deu um problema de infiltração. Pegamos o terreno ao lado e construímos uma nova. O gasto ficou em torno de R$ 120 mil, tem uns nove meses que ela ficou pronta e está cheia de rachaduras desde o primeiro tremor. Eles dizem que não tem risco de desabar, mas eu tenho medo”, relata a senhora. Após danos na recém-construída casa de dona Olívia, seguro residencial não é mais uma opção (Foto: Adailson Calheiros) Dona Olívia mostrou à reportagem da Tribuna Independente a situação de seu imóvel. Logo na porta de entrada é possível ver grandes rachaduras no chão e nas paredes. Em outros cômodos também existem fissuras. “Será que tem risco de cair?”, questiona. Segundo ela, as rachaduras têm aumentado, crescendo também a preocupação. “A Defesa Civil diz que não tem problema, mas a gente vê que está piorando, que está aumentando. Quem não tem medo? Mas o que a gente vai fazer se não tem para onde ir? Eu moro só com a minha filha deficiente. Não sei nem o que fazer”, lamenta. Segundo a corretora Nely Mendonça, apesar da casa de dona Olívia ser um imóvel construído há pouco tempo, o seguro é inviável. “Não há como fazer o seguro neste caso, até pode fazer, porque dependendo do valor do segurado não há inspeção prévia, mas quando analisar na hora da reclamação do sinistro vai ser constatado que existia a probabilidade. E, se existe, a seguradora não vai dar cobertura”, pontua. Família desiste de compra de imóvel e planeja se mudar Soraia Sobral mora de aluguel há pouco mais de um ano com os dois filhos no bairro do Pinheiro. Até janeiro deste ano ela negociava a compra da casa junto à proprietária. Após a piora das rachaduras, Soraia desistiu de comprar a casa e aguarda posicionamento da Defesa Civil sobre as condições do imóvel. “Nessa casa eu tenho um ano. Ela é alugada. Aí começaram essas rachaduras. Eu tenho medo de acontecer alguma coisa. A dona da casa pediu para que a Defesa Civil viesse avaliar. No caso eu estava negociando, mas agora não sei mais como vai ficar. Ela não sabe se ainda vai vender por conta do risco”, diz. Caso a proprietária continue com os planos de venda, Soraia afirma que o valor pedido inicialmente de R$ 350 mil deve ser revisto. “A casa é muito boa, tem uma área boa, a localização também. Eu estava nesse estudo, mas sinceramente eu não sei mais se estou disposta a comprar essa casa. Saindo daqui eu vou procurar casa em outro bairro. No Pinheiro eu não quero mais”, afirma Soraia. Soraia Sobral mostra o quarto da filha repleto de rachaduras; segundo ela, a casa está “afundando” (Foto: Adailson Calheiros) A filha de oito anos de Soraia, Izahira, é quem mais teme pelo pior, segundo a mãe. “As piores rachaduras estão no quarto dela. Ela tem medo de dormir lá. Então todos os dias eu ponho o colchão dela no meu quarto”, conta a mãe. “Eu tenho medo de ficar lá. Né? Eu nem entro mais. Tenho medo dessa casa desabar e eu morrer”, sentencia a menina. Soraia mostra as fissuras que surgem a cada dia tanto na parte interna quanto externa da casa. “Está rachando tudo, chegando até o quintal. A gente percebeu que tinha um vazamento que tinha água minando do chão no quintal. Quando a gente quebrou, viu que o cano estava quebrado porque o alicerce cedeu e a parede desceu em cima do cano. Da parte do meio para trás a casa está afundando. As pessoas dizem que não, mas a gente ainda sente a vibração. Durante o dia tem movimento de carros, mas à noite, quando está tudo silêncio e todos dormindo, a gente sente aquela vibração, aquele tremorzinho, não muito forte, mas dá para sentir, e eu não durmo direito”, detalha. Técnicos continuam tentando identificar causas de fissuras Desde fevereiro as fissuras no bairro do Pinheiro ganharam notoriedade. Mas segundo moradores o problema é antigo, vêm ocorrendo desde 2008. A piora, contudo, ocorreu após o tremor de terra de magnitude 2,5 na escala Richter, registrado no dia 3 de março deste ano. O tremor assustou a população e motivou a vinda de técnicos de outros estados para descobrir as causas do problema. Na época, o coordenador da Defesa Civil de Maceió, Dinário Lemos, explicou que o Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres (Cenad) havia sido acionado. No período, técnicos da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) fizeram análises, mas não conseguiram identificar o que ocorreu. Técnicos do CPRM estão em Maceió para determinar quais providências deverão ser tomadas (Foto: Sandro Lima) No dia 18 deste mês, especialistas da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM), vinculada ao Serviço de Geologia do Brasil, desembarcaram em Maceió para realizar uma nova etapa de estudos. A previsão da Defesa Civil Municipal é que um relatório seja entregue até a próxima semana detalhando as medidas a serem tomadas pelo poder público.  De lá para cá a Defesa Civil continua monitorando os imóveis e ruas da região. “De acordo com o levantamento que eles vão fazer é que serão definidos quais equipamentos necessários. Como no primeiro estudo, feito por técnicos da UFRN, não houve laudo conclusivo. Com a profundidade de 10 metros, eles precisam fazer um levantamento de dados geológicos. Eles vão passar oito dias fazendo estudos de campo e emitir um relatório. Com base no relatório, vão dizer quais equipamentos necessários para continuidade do estudo e a partir disso mobilizar todos os órgãos envolvidos, CPRM, ANM [Agência Nacional de Mineração], UFRN e Defesa Civil Nacional para a execução de fato do plano de trabalho”, explica o órgão. Legenda da foto 6: Buraco apareceu após o tremor registrado em março deste ano (Foto: Adailson Calheiros) O Ministério Público Estadual (MPE) acompanha o caso. Em março, moradores procuraram o órgão para relatar as dificuldades enfrentadas. Na semana passada, o MPE expediu recomendação à Prefeitura de Maceió e ao Governo do Estado por meio da 66ª Promotoria de Justiça da Capital. O órgão pede que o poder público adote as medidas recomendadas pelo Serviço de Geologia do Brasil. “É preciso um mapeamento com delimitação integral da área atingida pelo faturamento do solo; a instalação de redes de monitoramento geodésico e sismográfico, incluído os poços de sal da Braskem; o monitoramento da geometria das cavidades geradas pela exploração do sal, desde os poços mais antigos até os recentemente perfurados, através dos perfis sônicos ou método semelhante; e o monitoramento da abertura de fraturas, no maior número possível e de forma mais ampla, contemplando toda área atingida pelas fissuras”, informou o MPE.