Cidades

Mães de desaparecidos lutam por respostas

Para elas, Dia das Mães tornou-se sinônimo de dor e muito sofrimento

Por Evellyn Pimentel com Tribuna Independente 12/05/2018 11h40
Mães de desaparecidos lutam por respostas
Reprodução - Foto: Assessoria
O tempo passa, mas não para essas mães. Para elas, o tempo parou no exato momento em que seus filhos saíram e não deram mais notícias. As vidas delas foram paralisadas pela dor, saudade e muitas perguntas sem respostas. A reportagem da Tribuna Independente esteve em contato com mães de desaparecidos em Maceió para saber como é o outro lado do dia dedicado as celebrações. É o caso de Deyze Teófilo. Há quase seis meses ela faz a mesma pergunta todos os dias: Onde está meu filho? Alan Teófilo Bandeira desapareceu no dia 23 de novembro de 2017 após uma partida de futebol no município de Satuba. Até o momento a polícia não tem pistas sobre o seu paradeiro. Para Deyze, o primeiro Dia das Mães sem o filho mais velho fez com que a celebração perdesse o sentido. “Esse dia, só Deus sabe como eu vou passar. Vai ser tão sofrido. Eu tenho outro filho, mas a gente nunca passou separado e eu tenho até raiva quando vejo na televisão Dia das Mães, porque para mim Dia das Mães sempre foi um dia feliz, para as mães que estão com seus filhos é assim, mas para mim vai ser o dia mais triste da minha vida”, diz. A angústia é estampada no semblante da mãe que controla o choro para relatar o sofrimento e os momentos de desespero que tem vivido com a família. “Tá um negócio muito sofrido para a gente. Tá desesperador. Às vezes eu penso que estou num pesadelo, que vou acordar e vou encontrar meu filho, que isso não é verdade. É horrível. É muito doloroso. Eu não me lembro de uma dor pior que eu tenha sentido na vida”. Além do desaparecimento do filho ter mexido com a vida de mãe, Deyze diz que nem o papel de avó tem sido uma tarefa fácil de desempenhar. “Isso mudou muito minha rotina. Nós hoje estamos vivendo em relação a achar o Alan. Nós não temos mais vida. Ele trabalha como autônomo, mas não consegue mais trabalhar. A gente não dorme direito. Eu vivo sob calmantes e já não aguento mais, meu organismo não aguenta. Os dois filhinhos dele perguntam pelo pai e não sei mais o que responder. Às vezes eu fico até sem querer vê-los por causa disso. O menino tem nove anos e me pergunta. A mais novinha vai fazer 2 anos. Ela vê a foto do meu outro filho e diz papai, e eu não aguento” Acompanhada do marido e pai de Alan, Albério Bandeira, ela diz que muitas vezes se sente culpada em meio a tantas incertezas. “Você não saber onde vai achar seu filho. Quem mexeu com seu filho? O que fizeram? Por que levaram? Eu fico me perguntando onde meu filho está. Meu filho está comendo? Está se cobrindo? Às vezes eu me culpo de estar me cobrindo com um edredom e meu filho não estar coberto, que pode não ter um lençol para se cobrir. Pode não estar comendo direito, não ter tomado um banho. E eu não posso dividir com ele porque ele não está perto de mim. Isso está acabando comigo. Não tem mãe nenhuma que aguente um sofrimento desse, não ter resposta” A mãe relembra emocionada a rotina do filho, que incluía o contato com os pais diariamente e afirma que ainda acredita que Alan esteja vivo. “Ele passava na minha casa todos os dias... No meu coração de mãe meu filho está vivo. Embora quem eu fale diga que é muito tempo, mas eu sinto que meu filho tá vivo. Agora onde está, o que fizeram e quem fez alguma coisa com ele eu não sei dizer. Ninguém me diz nada, a polícia não sabe de nada, não fala nada pra gente. Não acharam o carro, pertence nenhum do meu filho”. “Ele é muito bom pai, ele é daqueles que deita no chão e os filhos fazem de gato e sapato. Ele não tinha inimizade com ninguém. Ele é do tipo de rapaz que faz festa, que todo mundo gosta de estar perto porque anima a festa. Ele é assim. A gente ia para as festas, dançava forró. Ele é um filho que a gente está se acabando, eu e o pai. A gente não entende porque está acontecendo isso com a nossa família. Não que eu me ache melhor que outras mães, mas eu jamais esperava que isso fosse acontecer, por ele ser a pessoa que é. Eu não vejo motivo”, relata a mãe. O pai de Alan, afirma que a luta pelo paradeiro do filho é diária. Toda ideia é considerada pista. Ele afirma que já fizeram buscas com drones, em rios, açudes, matagais, no interior, em outros estados, mas até agora nada de concreto. O mistério em torno do caso aflige a família, segundo ele. “A vida da gente é o dia todo pensar no que pode fazer para achar alguma pista. Às vezes eu até sonho com alguma pista e no outro dia vou correr atrás. Tudo que se pensa a gente corre atrás. Eu já fui até vasculhar dentro de açudes da usina para ver se já tinham jogado dentro. Imagine o desespero. Tudo que você puder imaginar, com drones, 30 dias com helicóptero. Se tem alguma coisa que possa ser feito é porque a gente não pensou ainda”, diz Albério. Dor prolongada [caption id="attachment_99399" align="alignnone" width="300"] Maria José da Silva conta que, junto com o filho foram embora também a alegria e a vontade de viver (Foto: Adailson Calheiros)[/caption] Para Maria José da Silva os últimos quatro anos são de intensa agonia e de recordações. A lembrança mais marcante é do carinho recebido do ‘seu filhinho’ como ela mesma chama. “Era amoroso, eu sentava no sofá e ele chegava, sentava perto de mim. Começava a me alisar, a cheirar eu. Eu dizia: Tá bom Davi, para! E ele continuava. Eu jamais esperava que isso acontecesse. Meu filho não era mau, não fazia mal a ninguém. Era fazedor de favor, um menino que ajudava todo mundo aqui por perto. Parece que meu coração ainda fala. Coração de mãe. Né? Que fica pensando que meu filhinho vai ser encontrado com vida. Queria que ele fosse encontrado com vida, mas não sei. Seria meu presente de Dia das Mães, encontrar meu filho, mas hoje não sei mais meu Deus.” Era agosto de 2014 e Davi da Silva, tinha 17 anos quando desapareceu após uma abordagem policial no conjunto Cidade Sorriso I, bairro do Benedito Bentes. Para a mãe, a pior dor é não saber o que aconteceu. Maria José diz que não passa um dia sem imaginar o que o filho passou. “Eu não sei o que aconteceu. Sei que levaram meu filho e desapareceram. Agora o que fizeram não sei. Onde botaram também não sei. Eu fico martelando na minha cabeça. Fico pensando o que fizeram com meu bebê. Se mataram meu filho daquele jeito, com aquele revólver, se pisaram na cabeça dele, se machucaram muito ele. Eu fico pensando tanta coisa, no que pode ter acontecido, se mataram meu filho sem ele fazer nada. Nem com o pior bandido do mundo não se faz isso”, fala emocionada. De lá para cá, ela afirma que sua vida mudou. Junto com o filho foram embora também a alegria e a vontade de viver. “É muito difícil, é muita tristeza. Mas nunca eu fui a mesma. A minha vida mudou. Não sou mais alegre, eu não tenho animação para ir para lugar nenhum. O pessoal me chama pra uma festinha e eu não vou. O único canto que ainda consigo ir é pra igreja, pra missa e no mercado, mas de resto não consigo mais”, diz. Ela recorda com clareza do dia do desaparecimento do filho, 25 de agosto de 2014. Segundo ela, o dia mais doloroso de sua vida. “Já vai fazer quatro anos e eu lembro de tudo. Ele saiu dizendo que ia fazer um serviço mais outro menino. Mas não chegaram a ir, foram pegos no meio do caminho. Quando ele não voltou eu fiquei muito doida da minha cabeça. Se eu ainda vivo até hoje é porque tenho Deus na minha vida que me segura e me protege, senão estaria nem em pé”. Segundo Maria José, este é um dos períodos do ano mais difíceis porque além de Dia das Mães tem o aniversário de Davi, no dia 6 de maio. “Todo dia 6 de maio ele faz aniversário. Esse ano para mim foi muito triste. Passei o dia só chorando, lembrando dele, sem ver o meu filho dentro de casa. Sem poder fazer o bolinho dele, cantar parabéns pra ele. Ele estaria com 21 anos. É muito triste”, conta. Entre o desejo de querer o filho vivo e o sentimento da ausência a mãe anseia por respostas. Para ela, a falta de condições financeiras é um dos motivos do esquecimento. Ela é enfática sobre o caso do filho: “Não há justiça”. “Eu já procurei tanto que já cansei. Já botei tudo nas mãos de Deus. Eu não vi justiça nenhuma. Já fiz tanto, bati em tantas portas, fiz tudo que uma mãe deve fazer. Nenhuma mãe lutou tanto por um filho como eu venho lutando pelo meu e não vejo a justiça fazer nada. Eu não vejo fazendo nada, porque é um menino pobre, deixam para lá. Se eu tivesse dinheiro, né? Se fosse um filho de uma pessoa que pudesse, podia ser. Mas de uma mãe que não tem nada, fica por isso mesmo. Não dão resposta, vai passando o tempo e eu não vejo resposta de nada.” lamenta a mãe. E reclama do esquecimento. “No começo sempre vinha reportagem aqui, fazendo uma coisa, fazendo outra, mas agora tá tudo parado estão tudo calado, ninguém diz mais nada. Estão todos calados como que nada aconteceu.” Programa lança esperança para famílias Segundo dados da Secretaria de Segurança Pública (SSP-AL), só no ano passado 402 registros de desaparecimentos foram feitos no estado. No entanto, não há como saber se todas estas pessoas estão realmente desaparecidas. “O que ocorre é que muitas vezes familiares registram o boletim do desaparecimento, mas não comunicam à polícia que a pessoa reapareceu”, esclarece o órgão. Para tentar solucionar casos até agora sem respostas o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) implantou nacionalmente uma ferramenta de informatização de dados sobre desaparecidos. Para o pai de Alan Teófilo, é uma esperança em meio a uma investigação que se arrasta sem perspectivas de solução. “A gente espera que esse programa que lançaram ajude. E que as delegacias tanto do Dr. Eduardo Mero quanto da Dra. Angelita descubram. Nossa esperança está nas mãos da Polícia Civil e nesse cadastro de desaparecidos que foi lançado. A gente está esperançoso, que se ele está numa situação dessas que a gente imagina, que fizeram ele dirigir até outro estado, tiverem espancado ele e ele está desorientado... É o que eu creio. Que, se Deus quiser, aconteceu algo parecido com isso. Porque ele não fugiu de casa, é muito apegado a gente. A única coisa que vejo é isso. Eu fiquei muito esperançoso, porque é um cadastro nacional que reúne ONG, hospitais, delegacias, que se comuniquem e espero que isso nos ajude, porque nós já andamos tanto. Em todo o lugar que você possa imaginar a gente já foi”, pontua Albério. Segundo a coordenadora do Núcleo de Direitos Humanos do Ministério Público Estadual (MPE-AL) promotora Marluce Falcão, a implantação do cadastro de desaparecidos está em fase avançada no estado. “É um sistema de localização e identificação de pessoas desaparecidas. É um sistema de informatização de dados que possibilita a sua alimentação através do próprio Ministério Público e de órgãos que vão se conveniar com o programa. Cada estado aderiu ao sistema nacional e está sendo implantado. Em Alagoas nós estamos bem adiantados. Já saiu no Diário Oficial o ato de criação do programa local, o Clide Alagoas. Que vai desde a utilização do sistema nacional até a realização de buscas ativas por pessoas desaparecidas”. A iniciativa segundo a promotora faz parte de uma experiência premiada do Ministério Público do Rio de Janeiro que será aplicada em todo o Brasil. “Esse protocolo de ações está sendo estabelecido com os órgãos policiais, perícia oficial, unidades de abrigamento. Enfim, todos aqueles que possam ter algum tipo de conhecimento ou de contato com esse fenômeno social que é o desaparecimento. Não é um meio novo, nós estamos aplicando a nível nacional uma experiência exitosa do MP do Rio de Janeiro”. Marluce Falcão destaca que o programa irá contribuir com o trabalho investigativo dos órgão policiais além de facilitar as buscas em âmbito nacional. “Na verdade é outro recurso que pode ajudar casos insolúveis. A partir do momento que entre em execução e cresça, o programa vai possibilitar cada dia o cruzamento de dados no Brasil inteiro. Você não procura mais no local de desaparecimento, mas a ferramenta é hábil e ágil. Porque não fica só o delegado procurando, tem a possibilidade de interagir com todos os órgãos. Isso é que vai facilitar. O programa cria no estado um conjunto de ações para identificação e localização da pessoa desaparecida, não importa a pessoa, estando desaparecida, mesmo sem identificação haverá a inserção no sistema e o protocolo de atuação, se não acha de imediato, mas fica no banco de dados e fica mais fácil localizar, viva ou morta”, explica.