Cidades

Qual o limite entre paquera e assédio?

Questões como respeito, consenso e informação são preponderantes para elas independente da situação

Por Evellyn Pimentel com Tribuna Independente 08/03/2018 08h34
Qual o limite entre paquera e assédio?
Reprodução - Foto: Assessoria
No Dia Internacional da Mulher, a Tribuna Independente traz um debate sobre a percepção e a reação durante a paquera e quando os limites são ultrapassados.  Mas afinal, existe limite? O que de fato é paquera e o que é assédio? “Já fui assediada no trabalho. Então, o que posso dizer sobre isso é que quando alguém começa com um toque diferente e malicioso ou os elogios são de teor sexual eu sinto que já é assédio”, define a jornalista Juliana Cavalcanti, de 26 anos. Para Juliana a diferença entre ambos é evidente. No entanto, “muitos não sabem a diferença entre assédio e uma simples paquera”. “Muita gente já está dizendo que não dá mais para paquerar hoje em dia. Mas o que aconteceu com os simples elogios? Dizer que é bonita já garante um sorriso em resposta. E as mulheres gostam de ser elogiadas, mas a partir do momento que você faz algo ou insiste em um comportamento que desagrada ao outro já não é legal e você precisa rever isso”, afirma. O medo, segundo ela, deve ser enfrentado diante de comportamentos constrangedores. “Acho que em qualquer uma das situações, se não agradar a mulher ela pode dizer não. Porém, a partir do momento que o homem insiste em um comportamento antiquado, além da mulher precisar ser firme (algo que muitos homens até se surpreendem) é possível que seja necessário reportar isso a alguém (ao superior ou RH, no caso do assédio acontecer no trabalho, por exemplo). Digo ‘ser firme’, porque muitas, como eu, têm medo”. PODER E INFORMAÇÃO Para a superintendente de Políticas para Mulheres de Alagoas, Anne Caroline Fidelis de Lima, o assédio precisa ser entendido como uma postura inaceitável. E isso parte da informação e empoderamento da mulher para que ela possa se posicionar. “O empoderamento, o fortalecimento e o entendimento de que a mulher precisa exercer a autonomia ajudam muito no combate a qualquer forma de assédio e violência. Até porque se começa a desnaturalizar alguns tipos de comportamento em ambiente de trabalho, na rua, começando a entender que isso não é normal nem aceitável, que é preciso se impor”, afirma. [caption id="attachment_69196" align="alignleft" width="224"] Fidelis: 'Assédio deve ser entendido como uma postura inaceitável' (Foto: Acervo pessoal)[/caption] Fidelis acrescenta que existem dispositivos estatais e jurídicos que asseguram a proteção da mulher nos casos que a paquera é deixada de lado e o limite do respeito é ultrapassado. Para tanto, ela reforça que é crescente o engajamento de diversos setores sociais no assunto. “As mulheres têm cada vez mais se engajado e se indignado com determinadas condutas que até certo tempo eram consideradas comuns. Uma mulher que foi assediada pode promover a denúncia. Se for assédio no ambiente de trabalho pode também repercutir em reclamação trabalhista com pagamento de indenização trabalhista, e se for num ambiente urbano, se houve um constrangimento ilegal também pode haver denúncia. A mulher pode se encaminhar à Delegacia da Mulher ou nos municípios onde não houver delegacia da Mulher ela pode se encaminhar a qualquer delegacia. Além disso, temos centros de referência onde são ofertados apoio jurídico e psicológico. Todos esses mecanismos, podem ser acessados por meio do 180”, destaca. Jogo da sedução ainda é bem vindo A paquera ainda continua bem vinda e no “jogo da sedução” o não vem acompanhado de um consentimento. Já quando o não é definitivo, aí deixa de ser paquera e passa a ser assédio. Foi assim no início do relacionamento do casal Weslainne Ramos, de 21 anos, e Ycaro Leandro Santos, de 17, que é prova de que entre paquera e assédio há diferenças. Weslainne conta que conheceu Ycaro durante uma festa. Por terem amigos em comum iniciaram uma conversa. Na oportunidade, ele vivenciou suas situações totalmente opostas: uma cantada do atual namorado e um episódio desconfortável de assédio. “Eu estava nessa festa e tinha um cara que estava me assediando. Eu estava sozinha e ele querendo conversar comigo e eu dizendo que não queria falar nada com ele. Ele ficou insistindo e queria pegar o face e eu fiquei querendo sair e estava sozinha. Então quando o Ycaro chegou eu dei as costas e o cara entendeu de vez que eu não queria nada. Então o cara saiu de perto. Só dei valor a ele [Ycaro] porque ele era uma pessoa conhecida, no caso, já sabia quem ele era. A gente começou a dançar e foi recíproco”, detalha. Segundo a estudante, a abordagem durante o assédio envolve pressão e insistência, enquanto na paquera há reciprocidade. [caption id="attachment_69197" align="alignright" width="300"] Para Jaudinete Santos, paquera é saber esperar e ter permissão (Foto: Acervo pessoal)[/caption] “Eu não sei dizer qual o limite da paquera, mas para mim começa a ser assédio quando o cara vê que você está desconfortável e continua insistindo e mesmo você tentando não ser grossa e dizendo que não continua insistindo e pressionando, como se você tivesse obrigação de ficar perto”, diz. Com o casal Jaudinete Santos, de 25 anos, e Samuel Mota, de 27, o relacionamento começou de uma paquera dos tempos de colégio, que segundo ela, mal era notada. “Ele era afim de mim desde o tempo do colégio só que ele nunca chegou em mim. Então, a gente seguiu outros caminhos. Eu casei com outra pessoa e tive dois filhos, e ele também se relacionou com outra pessoa e teve filhos. Só depois de um tempo que a gente se encontrou e quando ele começou a contar para mim isso, de que tinha interesse em mim eu fiquei bem balançada. Estava saindo de  um relacionamento que não tinha futuro nenhum. Então eu vi com ele uma chance de tentar um relacionamento bom. No começo eu fiquei em dúvida, aí eu resolvi dá essa chance para gente e depois percebi que foi uma chance que eu dei para mim também de viver um relacionamento sólido, sadio”, contam. Para Jaudinete, Samuel soube esperar seu tempo. “Você não precisa tocar, desrespeitar, falar palavras de baixo nível. Para mim, isso é agressão. Qual é a mulher que gosta de ouvir certos tipos de palavras? Para mim a paquera é sadia, é saber esperar, ter permissão”, pontua. Com a palavra, os homens Para Ycaro, durante a paquera é preciso respeitar a vontade, embora a possibilidade de levar um não exista. “Sempre tem o medo ou vergonha de receber um não de uma pessoa desconhecida. Nunca é legal. Principalmente porque há a possibilidade de ser zoado pelos amiguinhos depois”, comenta. O estudante Bruno Sérgio, de 25 anos, afirma que independente da situação é preciso não haver constrangimento. “A partir do momento que passa a constranger o coleguinha, já passou a ser assédio”, resume. O advogado Jonas Alves afirma que ultrapassar o limite é comum também nos ambientes de trabalho. Para ele, paquera pode ser entendida como algo ‘saudável’ enquanto que o assédio é tudo que envolve imposição. “Numa relação onde há hierarquia profissional, paquera é toda forma de conquistar determinado indivíduo pelas vias ‘saudáveis’, já o assédio (em seus vários tipos), será a imposição (insistente) da vontade do indivíduo (superior hierárquico) sobre o seu subordinado, para conseguir qualquer tipo de vantagem ou forçá-lo a agir contra a sua vontade”, pontua. Para Alves, a paquera é natural em todos os ambientes. “A paquera vai existir em todas as situações. Porém, ela não pode ser vexatória, constrangedora ou intimidadora.  E ela, a meu ver, é considerada natural até a expressão de uma negativa do outro. Após isso... já caracteriza (assédio - casos profissionais) ou até mesmo constrangimento, perseguição, intimidação... caso seja em outro ambiente a não ser o profissional”, esclarece. “O que vale é o consenso” A terapeuta sexual Milka Freitas “abre o jogo” sobre as motivações e consequências deste limite “tênue” entre paquera e assédio como ela mesmo classifica. Ela diz que não só mulheres precisam se posicionar em relação ao assédio, mas é também necessário criar um ambiente no qual os homens ajam com o respeito devido, o que deve ser ensinado desde a infância. [caption id="attachment_69198" align="alignleft" width="227"] Milk Freitas: ‘Tudo vai do consensual, do respeito, do olhar da pessoa. Por isso, não adianta educar apenas as mulheres a se empoderar. É preciso educar os homens para respeitar. Porque, enquanto a gente educa apenas as mulheres, a gente vai reforçando que os homens podem fazer o que quiserem’ (Foto: Sandro Lima)[/caption] Tribuna Independente - De forma geral, o que é paquera e o que é assédio? Milka Freitas - “Hoje em dia é até curioso falar dessa questão da diferença entre assédio e paquera, porque se você chegar para algumas mulheres e elas disserem que receberam um psiu quando passaram numa obra ou que o chefe chamou atenção dela dizendo que era bonita, dependendo da autoestima dessa mulher ela pode dizer que não é assédio. Dependendo da cultura, da forma como foi criada. Mas quando a gente começa a se apropriar de quem nós somos, de que esse chefe realmente está assediando, aí você vai ver outra mulher falando em outra perspectiva. É muito tênue. Mas se você for falar de forma técnica, genérica, é isso: Dar em cima sem permissão, ser olhada de forma constrangedora, passar num ambiente com uma roupa mais curta ou mais apertada e a pessoa achar que você está se oferecendo. Enquanto que a paquera seria aquele psiu mais despretensioso, aquele elogio, mas sem a invasão”. Tribuna Independente - O que limita a diferença? Milka Freitas - “É o respeito e é o consenso. É uma linha muito tênue. Tudo vai do consensual, do respeito, do olhar da pessoa. Por isso, não adianta educar apenas as mulheres a se empoderar. É preciso educar os homens para respeitar. Porque, enquanto a gente educa apenas as mulheres, a gente vai reforçando que os homens podem fazer o que quiserem. Tem que ser educado para isso. Isso tem que começar em casa, ser estendido para as escolas, nas faculdades para isso refletir na vida profissional. Se isso estiver estabelecido nesses núcleos, vai repercutir em toda a sociedade muito positivamente. São detalhes que se a gente não começar a se atentar vai demorar muito tempo para mudar o entendimento do que é assédio e do que é paquera”. Tribuna Independente - Você fala de ensinar homens e mulheres, como isso pode ser trabalhado? Milka Freitas - “O que é importante reforçar é que é preciso praticar a educação sexual com as mulheres dentro de casa, com suas crianças, suas adolescentes. Mas também com seus meninos, com seus adolescentes e seus maridos. É preciso ensinar uma mulher, preparar sexualmente para que ela conheça seu corpo, seus limites. E eu falo corpo como ser integral, para que ela saiba se defender de um assédio, saiba o que é preciso fazer caso isso aconteça, fazer um boletim de ocorrência, procedimentos legais para não se prejudicar. Isso tudo faz parte da educação sexual. Ensinar a filha desde pequena que não sendo consensual é falta de respeito. Mas é preciso ensinar tanto o menino quanto a menina como se posicionar e se posicionar politicamente. Quando a gente educa os filhos a respeitar as pessoas, a gente vai entender que o machismo não se reduz a agredir a mulher, parar de assediar, de matar. A questão não é apenas punir quem está matando as mulheres, é começar a educar essa geração a não ser parte da estatística dos homens que matam as mulheres. Ou das mulheres que aceitam, que incentivam outras a aceitarem”. Tribuna Independente - Em sua fala é possível observar um discurso voltado para a questão da cultura. Nesse sentido, como você analisa a questão cultural em que “mulher precisa se fazer de difícil para ser valorizada”? Milka Freitas - “Essa coisa de quando diz ‘não’ como charme e ‘não’ como não mesmo, existe uma diferença muito grande. Só uma pessoa muito abusada e muito mau caráter não consegue identificar. Porque essa coisa de ‘ser difícil’ depende muito da região, tudo é uma questão cultural. Mas quando a mulher está fazendo charme, é nítido que de alguma forma ela vai dando sinais que ela quer estar com você. Isso funciona também com outras mulheres, porque em relações lésbicas ocorre de uma mulher assumir o ‘papel de macho’, porque o machismo não é ligado apenas ao homem, que assediam outras mulheres, isso independe de gênero, mas é mais reforçado no homem. Quando a mulher faz charme, com tempo ela cede. É uma espécie de jogo da sedução que tem até se perdido, porque acham que mulheres com autonomia, nessa revolução sexual que é permitido. Então isso tudo dá margem. Mas quando a mulher é decidida no que quer, ela pode usar os artifícios que quiser. Mas o não que é não, ela vira as costas, sai daquele espaço, deixa claro, se o homem avançar ela vai fazer cara feia, mesmo estando mais embriagada ela ainda consegue dizer que não quer. Mas ainda tem gente que se aproveita. Tribuna Independente - Como a mulher pode agir tanto em relação à paquera, quanto ao assédio? Milka Freitas - “Quando o cara vem dar em cima que você não quer mesmo, o correto é ser objetiva. É dizer: Cara, eu não te conheço, não te dou ousadia, vá curtir sua festa e eu curto a minha. Se o cara continuar insistindo é preciso dizer que existe o 180 e que vai ligar e que ele pode ser preso. As pessoas ainda não sabem que podem chegar e ligar para o disque denúncia e dizer as características, porque quando fala de polícia e Justiça muita gente morre de medo. Não precisa ser agressiva, nem fazer barraco, embora em muitos casos a mulher precise chamar atenção para ser entendida. Mas basta ser educada e dizer que se ele não sair de perto vai ligar, acionar o 180 e que ele pode ser preso. Um cara mau educado, machista, que não tem o menor respeito ele sempre vai procurar alguma desculpa para dizer que é ele quem manda. Ele precisa desse ego, ele não pensa que ela não quer ficar com ele, que não gostou dele, da pessoa dele, ele quando insiste na mulher acha que está dispensando ‘a potência’. Mas para a mulher simplesmente ela não se sentiu agradada ou atraída. São pensamentos completamente opostos, distintos que ainda é muito reforçado, que o homem tem permissão para fazer isso e a mulher tem que agradar. O que ele não entende é que ela não está pensando em sexo, simplesmente não quer ficar com ele. Tribuna Independente - E o homem? Como não ser mal interpretado? Milka Freitas - “Quando o homem já vem de uma cultura, de uma educação de casa que respeita mulher, sem sombra e dúvida ele vai agir diferente. Se ela disse que não quer ele vai sair. Alguns pensam até que não vão ficar bajulando. Até ele com a autoestima comprometida porque levou um não, mas ele deixou, não fez mais nada. Há o entendimento de que o não, por mais que seja tímido, deve ser respeitado.