Cidades

Filezeiras de geração para geração

Bordado Filé é manifestação viva de Alagoas, típica do complexo Mundaú-Manguaba, de Marechal a Riacho Doce

Por Lucas França com Tribuna Independente 27/01/2018 09h58
Filezeiras de geração para geração
Reprodução - Foto: Assessoria

O filé é uma das marcas do artesanato de Alagoas e tipicamente uma manifestação do complexo estuarino Mundaú-Manguaba. Os maiores núcleos de produção estão localizados nas cidades de Maceió, nos bairros do Pontal da Barra e Riacho Doce, e no município de Marechal Deodoro.

Filé é uma corruptela do francês filet, rede, numa clara alusão ao ofício da pesca com redes.

Um trabalho delicado e que necessita de paciência e precisão de quem o faz.  O bordado filé já é único em Alagoas, mas em 2016 foi reconhecido através do Certificado de Indicação Geográfica, o primeiro do artesanato no Estado. O selo foi entregue pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi) e confere valor e identidade ao trabalho produzido pelas artesãs. O reconhecimento caracteriza o produto como genuinamente alagoano e, por isso, de excelência.

É comum observar mulheres no bairro Pontal da Barra às margens da lagoa ou em suas ruas tecer cores e formas entre umas linhas e outras que se transformam em peças impecáveis desde roupas a peças de cama e mesa, além de objetos decorativos.

O bordado filé é passado de geração para geração. A arte chama a atenção tanto dos alagoanos quanto dos turistas nacionais e internacionais. As peças produzidas ajudam a complementar a renda da maioria das artesãs do bairro.

Rositânia da Costa é artesã há 40 anos e herdou de sua mãe a arte. “Nasci e me criei no Pontal da Barra, desde meus 6 ou 7 anos que faço peças com o bordado filé. O filé é passado de geração para geração. Eu aprendi e passei a arte para meu filho. Tenho uma netinha que também faz. Sempre que viajo levo algumas peças para divulgar”, conta.

Segundo a artesã ou filezeira como é chamada, a arte é valorizada tanto pelos turistas quanto pelos os alagoanos. “Existem muitas peças industrializadas. Mas é diferente. As pessoas sabem qual é o verdadeiro filé. Aqui é muito valorizado”, comenta.

Rositânia disse que o filé é a sua sobrevivência desde que se entende por gente. “Minha sobrevivência é o filé. Acordo fazendo e vou dormir fazendo. E graças a Deus vem dando certo para mim e para outros que trabalham com isso aqui”, ressalta.

Cearense aprendeu a arte alagoana após casar no Estado  

Já a cearense Joceli Celso de Lima aprendeu a arte alagoana após casar com um alagoano e vir morar no Estado.

“Aprendi primeiro o bilro lá no Ceará. Depois morei em Recife e me acostumei com a renascença e há 30 anos moro em Alagoas. Aqui me apaixonei pelo o filé. Hoje faço as peças e não penso em parar”, conta a cearense.

De acordo com a presidente da Associação de Mulheres do Pontal da Barra, Maria Ligia Mínima de Lins, no Pontal da Barra a tradição é mantida e o Bordado Filé é muito produzido na região. De acordo com ela, 400 mulheres produzem o filé como única fonte de renda.

“Temos 400 mulheres que sobrevivem especificamente do filé e outras 500 bordam o filé como complemento da renda”, conta Maria Ligia.

Além das mulheres a presidente da Associação conta que homens e crianças da região também produz o bordado. “Do nosso conhecimento existem 23 homens na região produzindo o filé. Além disso, como é uma arte passada de geração em geração, existem crianças também produzindo”, comenta.

Ligia ressalta que a nova geração borda filé para conseguir dinheiro para pagar cursinhos ou faculdade. ‘’Muitas jovens estão se preparando profissionalmente em cursos técnicos e superiores na Ufal [Universidade Federal de Alagoas] e também em áreas outras faculdades e o dinheiro das peças vendidas auxiliam na formação”.

Com o filé muita gente já conseguiu ter sua profissão. “Hoje temos no Pontal artesãs formadas em fisioterapia, enfermagem, direito, administração de empresas, bombeiros e policiais civis e militares, entre outras”, conta Ligia.

Situação difícil do País obriga mulheres a procurar outro ofício  

Ligia, que também é fileizeira há 40 anos, conta que com a situação econômica que o país vem passando, muita gente acaba procurando um serviço seguro.

“Com a situação financeira e política tão inconstante, isso faz com que muitos procurem a segurança do emprego público. Mas a tradição é mantida e muita gente sobrevive dela”, acrescenta.

A origem do filé é desconhecida, mas o processo de feitura não deixa dúvida de que surgiu a partir da rede de pesca. Também não se sabe quando chegou a Alagoas, vindo do bojo das múltiplas influências europeias assimiladas pela sociedade brasileira nos primórdios de sua formação. Certamente, pela contingência histórica, foram mulheres portuguesas as primeiras a transmitirem os conhecimentos de além-mar. O filé consiste num trabalho de tecelagem manual disposto sobre uma base em rede. A primeira etapa do trabalho consiste na preparação dessa rede, ou grade, com linha resistente utilizada em agulha de jenipaparana, árvore da família das lecitidácias e hoje escassa na região.

ENGOMADA

A agulha é igual àquela utilizada para a confecção da rede de pescar, embora menor e mais fina. A dimensão da malha é definida pelo molde, palheta de bambu bem polida. Depois de pronta, a rede é logo engomada para facilitar o trabalho e, em seguida, esticada no tear.

A filezeira, com uma agulha de metal comum e grossa, enche a rede com bordados de linha sedosa em fio duplo. As rendas mais antigas eram brancas. As poucas cores que se obtinha eram então por ação de corantes naturais de plantas da região. Depois chegaram as linhas coloridas e hoje o filé e confeccionado em toda a gama de cores e de suas combinações.

Alguns pontos são: matame, jasmim, bom-gosto, tecido, olho-de-pombo, barafunda, dente-de-cão, três Marias, besouro, rosa, girassol, quadrado aberto, aranha. Com esses pontos, as artesãs fazem toalhas de mesa de todos os tamanhos. Fazem também colchas, caminhos de mesa, bicos para toalhas, xales, panos de bandeja, jogos americanos, almofadas e bolsas.