Cidades

Deficiente visual mantém viva a prática do radioamadorismo

Jailson de Oliveira conta que ficou perdido em Maceió e foi resgatado com ajuda do antigo meio de comunicação

Por Davi Salsa com Tribuna Independente 27/01/2018 10h10
Deficiente visual mantém viva a prática do radioamadorismo
Reprodução - Foto: Assessoria

Mais do que um hobby, a comunicação com rádio amador tem sido um importante instrumento de prestação de serviços e auxílio em difíceis situações do dia a dia para Jaílson de Oliveira Silva, que é deficiente visual e trabalha como massoterapeuta na cidade de Arapiraca.

Jaílson de Oliveira é cego de nascimento e pai de uma adolescente com a pedagoga Elielma Silva, que tem ajudado o marido desde o início da paixão pelo radioamadorismo, há aproximadamente cinco anos.

“Meu primeiro contato com a comunicação via rádio aconteceu muito tempo atrás, durante uma ação da polícia. Achei aquilo muito interessante e despertou meu desejo de ter um equipamento igual em minha casa”, lembra.

O massoterapeuta conta que o amigo Sávio Ribeiro foi quem repassou as primeiras informações acerca do radioamadorismo.

Em seguida, Jaílson de Oliveira procurou a representação da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), em Maceió, a fim de fazer treinamento, ficar habilitado legalmente para manusear os equipamentos e se comunicar com outras pessoas mundo afora.

Durante o treinamento na Anatel, Jaílson de Oliveira conta que, devido à falta da visão, sua esposa gravou todas as apostilas em áudio.

“O resto foi fácil. Tirei uma das maiores notas no curso e consegui minha habilitação com 98% de aproveitamento”, comemora o massoterapeuta.

Para conseguir realizar o antigo sonho, Jaílson também destaca o apoio que recebeu da professora Maria Vicentina,  especialista na educação na língua de sinais em Arapiraca e região.

Depois de concluir o curso de radioamador, Jaílson instalou uma antena de transmissão no quintal de casa e mantém a bancada de operação do rádio na sala de sua residência.

Atualmente, a licença para operação do rádio de Jaílson é na frequência compreendida entre 144 e 148 gigahertz, estabelecida para comunicação numa área específica de abrangência entre os estados de Alagoas, Pernambuco e Sergipe. “O rádio praticamente salvou minha vida e não troco ele por nada nesse mundo.”

Jaílson de Oliveira relata que o contato com a Liga de Amadores Brasileiros de Rádio Emissão de Alagoas (Labre) foi outro ponto marcante em sua vida.

Além do bate-papo altas horas da noite e de fazer novas amizades, o radioamadorismo ajudou Jaílson a sair de uma situação extrema em sua vida.

Durante viagem a Maceió, o massoterapeuta cochilou no banco de uma van de transporte alternativo de passageiros e foi parar num lugar totalmente desconhecido na capital alagoana.

Como sempre anda com o seu transmissor de rádio, ele imediatamente entrou em contato com os colegas que foram até seu encontro e o ajudaram a retornar são e salvo para a cidade de Arapiraca.

“Em relação ao telefone celular e à internet, a vantagem do rádio amador é que ele funciona mesmo quando falta energia elétrica, por isso não troco ele por nada nesse mundo”, enfatiza. Jaílson de Oliveira, que sonha em breve mudar de faixa de frequência para se comunicar com mais pessoas pelo mundo.

Comunicação por rádio foi implantada no ano de 1940 em Alagoas

O radioamadorismo existe no Brasil desde 1920 e em Alagoas desde o ano de 1940. A atividade é regulamentada por lei federal e a categoria presta serviços de voluntariado na área de comunicação via rádio à sociedade.

A atividade não tem fins lucrativos. A categoria é representada pela Liga de Amadores Brasileiros de Rádio Emissão (Labre) e seus integrantes reclamam que o trabalho ainda é pouco conhecido e não é valorizado na sociedade alagoana.

“O radioamador é a pessoa que procura manter funcionando uma estação de radiocomunicação, ora para comunicados e conversas informais, bem como para concursos e competições nacionais e internacionais”, conta Sebastião Marcelo, membro da Labre.

No Estado, 120 pessoas são integrantes dessa atividade como sócios contribuintes, sendo que cinco são mulheres, ainda uma minoria nessa modalidade.

Além dos “bate-papos”, o radioamador pode auxiliar as autoridades de Defesa Civil nas situações de risco e calamidades públicas, levando a comunicação aos mais longínquos lugares, como aconteceu em Alagoas, durante enchente de 2010.

Sebastião Marcelo destaca que no dia em que a reportagem do programa Profissão Repórter, da Rede Globo, foi até a cidade de Santana do Mundaú registrar a catástrofe da enchente, os radioamadores que estavam na cidade fizeram uma demonstração dos serviços “e foi a primeira comunicação que a cidade teve depois da enchente”.

A catástrofe que aconteceu em Alagoas nos dias 18 e 19 de junho de 2010, apontada pelo representante da Labre como o fato mais marcante dos últimos anos para os associados da entidade.

“Saímos de Maceió na quinta e só voltamos no domingo prestando trabalho voluntário às comunidades de Santana do Mundaú, União dos Palmares, Branquinha, São José da Laje, Murici e Quebrangulo”, diz.

Em Santana do Mundaú, onde a situação estava mais grave, ele diz que foi montado um link para a Fazenda Jussara, que emitiu um sinal para um repetidor no Morro do Cuscuz e de lá o sinal foi transmitido para a Defesa Civil, em Maceió.

Para se tornar um radioamador no Brasil é necessário que se obtenha o Certificado de Operador de Estação de Rádio amador (Coer) e para que se possa instalar uma estação de rádio amador em casa é necessária a obtenção da Licença de Funcionamento de Estação de Rádio Amador.

Tanto o certificado de operador como a licença de funcionamento são obtidos com a realização de provas sobre conhecimentos da legislação pertinente ao radioamadorismo e/ou conhecimentos técnicos de radioeletricidade e telegrafia”, conta. Essas provas, atualmente são realizadas pela Labre, por meio de um acordo firmado entre o Ministério das Comunicações e a entidade de classe em todo o país. Para se montar um link de transmissão de frequência de radioamador não é difícil.

Dependendo da topografia a instalação é rápida. No caso do município de Santana do Mundaú foi mais difícil por conta da geografia do local, observa Sebastião Marcelo.

A qualificação dos radioamadores é feita por meio de palestras, cursos, feiras e encontros onde, segundo o presidente da entidade, aparecem coisas novas. “O radioamadorismo não tem distinção de classe nem de cor, não importa a profissão de seus integrantes: tem professor, médico, comerciante, oficiais da polícia e outros profissionais”, observa Marcelo.

Para ser radioamador é necessário habilitação, da mesma forma que um motorista. “Tem que estudar, existem três classes: a mais elementar é a classe C, opera só em determinada faixa de frequência”. Já quem tem habilitação na classe B, segundo ele, opera na frequência da classe C e em outras também. “Nesse caso, para fazer prova, além da Ética e da Legislação, a pessoa precisa fazer curso de radioeletricidade e de telegrafia e depois de um ano faz a prova para passar para a classe A”, explica Sebastião Marcelo.

Na classe A, a pessoa pode atuar em qualquer frequência, “desde que destinada aos radioamadores”, explica.