Cidades

Quarenta homicídios e ninguém preso

Número de assassinatos de moradores de rua em Maceió chama a atenção

Por Lucas França com Tribuna Independente 04/01/2018 08h39
Quarenta homicídios e ninguém preso
Reprodução - Foto: Assessoria
Maceió registrou 40 assassinatos de moradores de rua em 2017. O número é do Movimento Nacional da População de Rua em Alagoas, que relata que, além da falta de segurança para a população de rua, as mortes não estão sendo investigadas e até o momento nenhum crime foi solucionado. O presidente do Conselho Estadual dos Direitos Humanos de Alagoas (CEDH/AL), o advogado Jonas Cavalcante, disse que a entidade também está acompanhando a situação e pede urgência na apuração dos crimes. “A situação é bastante preocupante. A gente não tem tido nenhum resultado sobre os inquéritos. Ninguém foi preso, não há punição. Temos cobrado junto com a sociedade civil, Arquidiocese e movimentos sociais a elucidação desses crimes. Além disso, cobramos políticas públicas para amparar a demanda de moradores de rua em vulnerabilidade. É bom ressaltar ainda que o assassinato do Nô Pedrosa preocupa. Era um manifestante que lutava pelas questões sociais e, sobretudo, com os moradores de rua. E essa morte não pode cair em esquecimento, assim como as demais”, ressalta o advogado. Em relação às investigações sobre os crimes a Secretaria de Segurança Pública (SSP), disse que são realizadas pela Delegacia de Homicídios e todos os crimes são investigados, sendo que muitos deles já foram solucionados. ‘’A Segurança Pública acompanha as investigações e defende o esclarecimento bem como a punição dos autores dos crimes.” Em relação aos dados, o órgão informou que foram registrados, no ano passado, 28 Crimes Violentos Letais e Intencionais (CVLI) de moradores de rua. Destes crimes, 24 foram em Maceió, um em Rio Largo, um em São José da Tapera, um em Arapiraca e um em Colônia Leopoldina. MACEIÓ A Secretaria Municipal de Assistência Social (Semas) estima que em Maceió tenha cerca de mil pessoas em situação de rua, que vivem com ações de mendicância. “Essas pessoas não necessariamente dormem em áreas públicas”.   Audiência para tratar crimes ainda não tem data definida   A audiência solicitada pelo deputado Paulão (PT), presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, ao governado Renan Filho (PMDB) para tratar das mortes de moradores de rua em Maceió ainda não tem data definida. Segundo o deputado, provavelmente nesta quinta-feira (4), o governo dê alguma resposta. Além da audiência, o deputado solicitou da Secretaria de Segurança Pública (SSP), um relatório do andamento dos inquéritos que investigam os assassinatos de moradores de rua na capital. “Fiz contato com o Governo e acredito que amanhã [hoje], a gente tenha uma data para essa audiência. Em relação ao inquérito detalhado que solicitamos sobre os crimes à SSP, ainda não foi entregue. O Ministério Público Estadual [MPE] também não enviou seu relatório, está leniente a essa questão. Estão muito preocupados com a questão patrimonial, que é válido, mas não estão com olhar nenhum em relação à vida. Até agora estamos aguardando esses documentos”, diz deputado. Em relação ao inquérito solicitado pelo deputado, a assessoria de comunicação da SSP disse que não saberia informar, pois o mesmo não passava por eles. A assessoria da Polícia Civil (PC), informou que a solicitação não havia chegado à PC.   Arquidiocese de Maceió cobra apuração dos assassinatos   A Arquidiocese de Maceió está acompanhando e cobrando providências das autoridades competentes para a apuração dos crimes como também das denúncias de agressões sofridas por moradores de rua no Centro da capital. No dia 21 de dezembro de 2017, a Arquidiocese, através da Pastoral do Povo da Rua, emitiu uma nota de preocupação sobre o assunto e no dia 29 do mesmo mês, foi realizada a Missa pela Paz na Catedral Metropolitana de Maceió. Representantes do Movimento População de Rua carregavam cruzes vermelhas, na procissão de entrada. Algumas identificadas com nomes de moradores assassinados e outras sem identificação, conforme explicou Ana Tojal, membro do Conselho Estadual de Assistência Social. “As cruzes sem identificação simbolizam os moradores que foram sepultados como indigentes, o que é lamentável, pois, nem em sua morte tiveram a dignidade de serem identificados”, observou Ana ao explicar que o Movimento População de Rua é democrático e por isso é formado também por diversos segmentos religiosos, sociais e políticos. Em sua homília, Dom Genival França destacou que Jesus se identifica com as situações difíceis pelas quais as pessoas passam e fez um apelo para que as mortes dos moradores sejam esclarecidas. “É preciso compreender o que estar por trás da violência. O assassinato dos moradores de rua precisa ser elucidado. A solução passa pela identificação e eliminação das causas que provocaram as mortes. O poder púbico precisa desenvolver políticas que atendam aos moradores e nós, enquanto igreja e sociedade devemos nos comprometer com a causa para colaborar com os irmãos necessitados”, defendeu o bispo emérito. O Cônego Severino leu a Nota de Solidariedade expedida pela Pastoral Nacional do Povo da Rua, em que se destacou o apelo às gestões públicas, em suas três esfera para se comprometerem com políticas públicas voltadas aos moradores de rua; apuração das mortes e punição dos culpados; auxílio às famílias dos moradores assassinatos; e a viabilização de uma estrutura que promova a inclusão social dos moradores de rua. A palavra foi facultada a pastores evangélicos e demais representantes de segmentos sociais. O pastor Vando Santos, disse “que essa realidade leva o povo cristão a refletir sobre a população de rua” e em seguida leu um manifesto assinado por diversas representações sociais, religiosas e políticas em torno da defesa dos moradores de rua. PASTORAL O articulador da Pastoral do Povo de Rua, Crismedio Neto, disse que o posicionamento da Igreja é de preocupação. “As mortes já giram em torno de 40 a 43, isso é preocupante. A gente atua em favor da vida e dignidade da população. Os crimes devem ser solucionados, como politicas públicas devem tirar essa população da rua. Não apoiamos nenhum tipo de cultura da morte. Temos que tratar essas questões e as autoridades deve agir contra isso, a sociedade civil também deve cobrar. A igreja está aberta e vamos cobrar as ações’’, disse Crismedio Neto. NÔ PEDROSA Em entrevista a Tribuna Independente no dia 27 de dezembro, o advogado Pedro Montenegro, assessor da presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM), disse que a morte de Nô Pedrosa pode ter relação com as 40 mortes de moradores de rua em Maceió. O motivo seria a forma como Nô se vestia e o fato de ele, por vezes, estar acompanhado de moradores de rua. “Até sua morte serve para fazer denúncia. Neste ano, 40 moradores de rua foram assassinados em Maceió e a morte de Nô chama a atenção a esse fato, até porque ele participou de uma atividade da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados horas antes de ser morto”, diz Pedro Montenegro. Na ocasião, o advogado ressaltou que a CDMH solicitou ao Governo do Estado o inteiro teor dos inquéritos abertos. No dia 21 de dezembro de 2017, o deputado Paulão classificou essas mortes como “genocídio”. “Se há cerca de 400 moradores de rua e 40 foram mortos, temos aí 10% dessa população assassinada”, explica Pedro Montenegro.