Cidades

Luta e conquistas das mulheres marcam os 200 anos de Emancipação de Alagoas

Mulheres que brigam pela causa fazem análise sobre a contribuição do gênero para a história do Estado

Por Fonte: Tribuna Independente 16/09/2017 13h39
Luta e conquistas das mulheres marcam os 200 anos de Emancipação de Alagoas
Reprodução - Foto: Assessoria

Para se falar dos 200 de Alagoas é necessário falar também de uma luta cotidiana de 51,7% da população, representada por elas. A reportagem do Tribuna Independente entrevistou mulheres que lutam pela causa feminina. Elas fizeram uma análise sobre as lutas e conquistas do gênero em Alagoas.

A professora doutora do curso de Serviço Social da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e líder do Grupo de Pesquisa Frida, Andréa Pacheco de Mesquita, avalia que, ao longo da história de Alagoas, as mulheres foram deixadas a margem da sociedade, como cidadãs de segunda classe.

Andréa Mesquita afirma que as transformações societárias nas últimas décadas foram marcantes na luta  das mulheres na sociedade. Estas mudanças se configuram enquanto uma “modernização conservadora”, ou seja, os grandes acontecimentos políticos, sociais, econômicos e culturais modernos caminham lado a lado com as velhas e conservadoras divisões desiguais entre os sexos, avalia a pesquisadora.

“É importante salientar que estas não foram derrubadas, só recuadas em nome da modernidade. É fato que trouxeram avanços nas conquistas e garantia dos direitos das mulheres, mas também reatualizaram novas formas de dominação, exploração e opressão feminina. As conquistas se deram à base de muitas lutas e derramamento de sangue. Elas chegaram ao espaço público e estão em todos os lugares: universidades, bancos, praças, comércio, tribunais, política institucional, guerras”, explica a especialista.

A professora ressalta ainda que a entrada no espaço pública ainda é desqualificada, uma vez que as mulheres recebem menos que os homens, ocupando os mesmos postos de trabalho.

“Os espaços públicos ainda são masculinizados, pensados para o ‘cidadão universal’ homem. O Estado deteve e detém indiretamente um importante papel na opressão da mulher, ao sacramentar o lar, a partir de uma oposição binária e complementar entre os sexos, como dependente de um salário masculino e do serviço feminino. São complementares e funcionais ao capital e à lógica patriarcal”, avalia Andréa Mesquita.

“Construção política coloca mulher como cidadã de segunda categoria”, diz pesquisadora

A construção política e social de Alagoas não é diferente do contexto nacional e internacional, que tem em sua base a constituição de um “arquétipo viril” como modelo dominante dos papéis sociais em que os homens são cidadãos plenos de direitos e as mulheres são cidadãs de segunda categoria, com direitos restritos.

Andréa explica que o poder “viril” não se refere ao sexismo. “Quando falo desse poder viril não me refiro a um sexismo que garante o poder. Não basta ser homem para ter esse poder em suas mãos. Precisa ter um conjunto de divisões sociais que compõem este modelo do arquétipo viril”, salienta.

DESTAQUES

A pesquisadora disse que para falar das lutas das mulheres alagoanas é imprescindível começar por Dandara, Acotirene e Aquatune, líderes do movimento negro no Quilombo dos Palmares. Acotirene foi a matriarca do Quilombo dos Palmares.

As três mulheres guerreiras eram lideranças no quilombo e lutavam contra a escravização do povo negro. Também lutavam pelo direito a igualdade entre homens e mulheres.

“Essa luta se dava em todos os espaços. Para reforçar a batalha contra a opressão e subordinação das mulheres foi lançado em 1889 o “Almanaque Literário Alagoano das Senhoras”, como instrumento literário onde as mulheres tiveram voz, e em 1902 o jornal “O Feminista” que visava debater os caminhos para a emancipação feminina no estado”, comentou André Mesquita.

Andréa também analisa a luta pelo direito ao voto que só foi concedido às mulheres em 1932, tendo como protagonista aqui no estado Lilly Lages que, num trabalho coletivo com outras mulheres, criaram a Federação Alagoana para o Progresso Feminino em 13 de maio de 1932.

Na luta pelo direito a educação, a pesquisadora  destaca Nise da Silveira, uma mulher que aos 16 anos foi para a cidade de Salvador cursar medicina, sendo a única mulher na turma. Maria Mariá que ainda em 1930, quando era negado o direito a mulher a estudar, saiu de União dos Palmares para Maceió com o objetivo de estudar, o que significava uma afronta a moral e os bons costumes da época.

“Falar da luta das mulheres nestes 200 anos de Alagoas nos faz perceber que apesar de mortas muitas mulheres estão presentes no que se refere às conquistas. São tantas Marias, Dandaras, Acotirenes, Tias Marcelinas, Nises da Silveiras, Lindas Mascarenhas, e muitas outras que fizeram tantas lutas inglórias e que estão à margem da história, entre humilhadas e reprimidas”, expõe Andréa.

“Movimentos são referência nas conquistas”

Socióloga diz que emancipação feminina chegou devagar em Alagoas e só se consolidou em meados de 1970

“Há 200 anos, em 1817, não sei como foi à participação efetiva das mulheres em Alagoas, mas sei que elas estavam e poucos registros divulgam isso”, disse a socióloga Belmira Magalhães.

Para a socióloga as conquistas das mulheres em todo o mundo começaram efetivamente a partir do surgimento dos movimentos feministas, que, de acordo com ela, foram os responsáveis por todos os espaços que as mulheres ocupam nos dias atuais.

“Houve uma ascensão em tudo. Houve uma independência no sentido de não ser escrava e a mulher ganhou participação política e outras conquistas”, comentou Belmira.

De acordo com Belmira, a participação das mulheres no período da república era na arte, na escrita, música e que mesmo assim até hoje ainda é visto por muitos como um ambiente não saudável, comenta a socióloga. Ela cita Chiquinha da Silva (musicista) informando que Alagoas seguia o ritmo das mudanças em todo o país.

“Houve a abolição do não poder de voto das mulheres, apesar de ainda não se ter registro de que elas podiam se candidatar. Começaram surgir os empregos - geralmente em fábricas de alimentos e tecelagem. Isso tudo de forma lenta”, explica Belmira Magalhães.

1960

De acordo com a socióloga, só a partir deste ano foi que de fato aconteceu a consolidação da emancipação feminina. E que, segundo ela, chegou devagar em Alagoas, mais em meados de 1970.

“Nesse período se consolidou com as criações de associações, entidades representativas e com o Conselho das Mulheres (esfera local e nacional). Aqui, foi importante porque trabalhamos para levar a não discriminação as mulheres. Eu, Terezinha Ramires e outras mulheres estávamos no primeiro Conselho da Mulher. O objetivo era lutar contra a violência e a favor da igualdade de direito, salários e sexualidade”, comentou a socióloga.

Belmira Magalhães diz que houve avanços, mas mulheres ainda têm muito a conquistar, como salários iguais (Foto: Adailson Calheiros)

De acordo com Belmira Magalhães, o primeiro Conselho da Mulher era composto de pessoas de movimentos feministas, universitárias, representantes negras e indígenas. A partir daí, elas começaram a atuar principalmente nas questões ideológicas.

“Conseguimos as casas de passagens de mulheres violentadas. Conseguimos a Delegacia da Mulher na capital e em Arapiraca. Conseguimos mudar a lei, não mais na questão social e sim individual. Participamos da construção da constituição de 1978, um momento de destaque. Pois mesmo na Ditadura Militar conseguimos”, informou a socióloga.

Belmira destaca que na época de Selma Bandeira foi um período difícil porque algumas coisas não davam para serem feitas por conta da Ditadura.

QUEDA

Ainda segundo analise feita pela socióloga, de 1980 a 1990, com as Diretas Já houve uma queda nas lutas e conquistas das mulheres, “mas já havia um avanço. Não existia mais tão forte a ideologia patriarcal, onde os homens que mandavam”.

ATUALIDADE

“Ainda falta muito a ser conquistado, como salários iguais. Pois, hoje elas recebe 30%  menos que os homens.  Nós precisamos avançar ainda quanto a participação cargos de destaque. Os homens ainda são maioria. Geralmente as mulheres ocupam profissões como enfermagem, professoras”, avalia.

Belmira critica que ainda existem discursos confusos, como os de ‘mulheres empoeiradas’. Para ela, isso não existe. “O que existe são atribuições pesadas. De fato o que se tem é apenas o discurso fantasioso de melhora. Não há ainda efetivação para acabar com o preconceito contra as mulheres. O que houve foi a efetivação da nossa presença com os movimentos feministas. Mas não existe comemoração, pois ainda não resolvemos os problemas essenciais”, critica a especialista.

No entanto, antes mesmo da construção dos movimentos feministas, algumas mulheres já se destacavam com pensamentos mais modernos, entre elas estava Ana Maria José Lins.

Revolucionária de São Miguel dos Campos, Ana Lins foi figura fundamental em dois episódios da história brasileira: a Revolução de 1817 e a Confederação do Equador, que pregavam valores republicanos. Ainda podem ser citadas Rosa da Fonseca, Linda Mascarenhas, Lilly Lages, Virginia de Moraes, entre outras.

“É notável que houve pouca evolução”

Para a historiadora e professora doutora Célia Nonata da Silva, da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), quando se fala de mulher atualmente, a ideia imediata remete-se à violência de gênero. Ou seja, as condições que segundo ela ainda são deprimentes e constrangedoras que marcam o universo feminino em Alagoas e no Brasil.

“Pouco deste panorama mudou em nossa sociedade. E, por mais absurdo que pareça, esta realidade tem vindo à tona em países europeus, que julgavam ter desaparecido a humilhante morte de mulheres. O feminicídio é marcado pela crueldade e covardia. Se nos países europeus a dura constatação do aumento desses homicídios têm se mostrado preocupante, aqui na realidade latino-americana, marcada por elementos culturais que impõe o jugo pesado de uma relação social de dominação viril sustentada na honra masculina, é ainda pior”, comenta a historiadora.

A professora disse que é notável que houve pouca evolução. “Evoluímos pouco ou nada em discussões profícuas, que mudem de fato a realidade feminina no país. Poucas são as pesquisas que permitem uma análise sobre o fenômeno do feminicídio e suas interrogações teóricas. E raros são aqueles que buscam verificar o perfil dos agressores”, alerta.

Célia Nonata, diz que no cenário destas conclusões a realidade da mulher é estática. Ela acredita que a criação de espaços de diálogo e interação, expandido a diferença social entre as pessoas, podem ajudar a melhorar a atual realidade.

“Podemos dizer que Alagoas caminha para essa equanimidade? Que a mulher conquistou seus espaços? Que temos uma realidade feminina diferente de alguns anos atrás? Penso que não. Porque pensamos mal nossa posição social, como gênero não como sociedade. Nos mulheres temos o poder do diálogo e do bom senso. Isto é empoderamento feminino. Quando nosso poder constrói e não exclui. Assim, seremos respeitadas, amadas e valorizadas”, afirma Célia.