Cidades

Lei municipal prevê leilão de cães de rua

Opção é feita de acordo com definição da raça do animal; segundo protetores, lei fere princípios e é antiquada

02/09/2017 09h55
Lei municipal prevê leilão de cães de rua
Reprodução - Foto: Assessoria

A lei municipal Nº 9 de 1948 determina a apreensão e o registro de cães encontrados em vias públicas. Até aí nenhuma novidade. Mas um fato peculiar é a destinação dos animais. Caso sejam sem raça definida e não sejam recuperados ou adotados, devem ser sacrificados. Caso sejam de raça, a lei prevê o leilão dos animais e destinação dos valores aos cofres públicos.

Mais curioso ainda é que segundo a lei os donos que porventura recuperem animais perdidos no Centro de Controle de Zoonoses (CCZ) devem pagar uma multa referente aos custos do animal. No entanto, o coordenador do CCZ, Sani Barros, diz que tais dispositivos legais não vêm sendo cumpridos.

 “Na verdade hoje o Centro de Controle de Zoonozes não tem feito o registro. Os registros que são feitos, são os frutos de adoção do próprio centro, os animais saem cadastrados e chipados. Os animais errantes e de propriedade privada não fazemos o registro. Para os animais errantes existe dificuldade em registrá-los. Como CCZ não deveríamos nem manter animais sadios, por não ter onde abriga-los. E registrar no nome de quem? Eles precisariam entrar para adoção para a partir daí serem registrados, ou cadastrados. Para animais de grande porte praticamos diariamente a multa, mas os de pequeno porte não”.

Pela lei, animais perdidos ou abandonados deveriam ser encaminhados para o CCZ, serviço municipal responsável pelo recolhimento. Mas o coordenador explica que apenas animais doentes ou com suspeita são retirados das ruas.

“Mas não estamos recolhendo animais clinicamente sadios, só os suspeitos de doenças. No momento nós estamos realizando apenas o recolhimento de animais de grande porte, cavalos, bois, nas vias urbanas. Os animais são recolhidos quando estão sob suspeita de alguma doença, caso isso não seja confirmado ele é encaminhado para adoção e é aí que fazemos o cadastro, chipagem e a castração”.

A advogada Daniella de Almeida Costa, presidente da comissão de bem estar animal da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Alagoas (OAB-AL), diz que a lei é antiquada e fere os princípios de proteção animal.

“É controverso. Essa lei é muito antiga. Essa lei do CCZ é muito controversa porque dá o direito de eutanásia, de vender o animal, isso faz parte de algumas das competências do CCZ e vai de encontro à proteção animal, que a princípio a gente deveria preservar a vida antes de qualquer coisa. Para mim não há diferença entre um labrador e um animal de rua. Os dois sentem fome, os dois dão carinhos, são dois animais, são dois seres vivos. É a mesma coisa de pensar assim: O presidente a gente mantem e o mendigo a gente mata. É a mesma lógica”, argumenta.

Mesmo assim, segundo ela, a lei não vem sendo cumprida e gerado um problema maior, o acúmulo de animais nos abrigos voluntários.

“Hoje essa lei não é aplicada, apesar de abranger competência do CCZ, hoje não está sendo aplicada porque o CCZ atualmente não realiza quase nenhuma atividade, resgate o CCZ dá o meu telefone ou de outras protetoras. Eles estão terceirizando o serviço público para o particular”, ressalta.

De acordo com a advogada a lei não tem sido cumprida por problemas na estrutura do serviço disponibilizado. “Não acontece leilão, não acontece venda. Antes eles eutanasiavam [sic], o animal chegava lá, passava cinco dias o CCZ eutanasiava [sic]. Hoje nem isso eles estão fazendo. Para você ter uma noção eles não têm dinheiro para colocar combustível e fazer um resgate, entendeu o caos que é? Por isso hoje é tão complicado. A lei propriamente dita não é aplicada em nada. Porque o CCZ está aberto, mas não funciona”, diz.

                                                                                                                                      (Crédito: Sandro Lima)

Sem ações públicas, há acúmulo de animais nos abrigos voluntários

 

Protetora abriga 74 cães na parte alta

Há pouco mais de três anos, a protetora de animais Isadora Batista, de 26 anos, recolhe cães abandonados na capital alagoana. Atualmente, abriga 74 cães numa área na parte alta da cidade.

Para ela, optar pelo sacrifício ou leilão de cães por conta da raça é classificado como absurdo. A protetora defende a conscientização da população como um dos pilares para diminuir a quantidade de animais abandonados nas ruas.

“Eu não concordo com isso [lei]. É uma tremenda crueldade, um absurdo. O que um vira-lata faz, um animal com pedigree faz. Um animal de rua respira, tem órgãos funcionando, porque tirar a vida de se não está fazendo nada com a população? Os nossos políticos deveriam procurar conter de forma adequada a quantidade de animais, eles se proliferam muito rápido porque a Prefeitura tem fechado os olhos e passado por cima dessa questão. A população precisa ser ensinada, tem que ser feito um trabalho de prevenção e conscientização da população, porque às vezes as pessoas não sabem nem cuidar dos animais, quanto mais dar qualidade de vida. A partir do momento que começar esse tipo de trabalho e disponibilizar espaço de castração e cuidados médicos, pode ter certeza que o índice de animais abandonados vai diminuir’

Isadora diz ainda que muitos animais são abandonados na porta do abrigo. Foi necessário instalar cercas porque a população jogava cães por cima do muro.

“Não existe um trabalho de conscientização com as pessoas. Hoje em dia as pessoas não abandonam só vira-lata. Até animais com pedigree hoje são abandonados. As pessoas veem os animais como objetos, como uma coisa descartável. Porque uma proliferação tão grande? Porque as pessoas têm animal, mas não têm condições de castrar, aí se descuidam o animal dá cria muitas vezes abandonam a cadela e os filhotes. Na rua, o animal acaba sendo atropelado, maltratado. Tem um animal lá que foi atropelado de propósito, eu tenho animais cegos, paralíticos, que chegam esfaqueados. Hoje não tenho condições de receber nenhum, já vendi tudo que tinha para cuidar deles”, expõe.

Sobram animais para cuidar, faltam interessados

Isadora conta que sempre se preocupava com notícias relacionadas a maus tratos de animais, mas que concretizar o abrigo veio após uma série de episódios marcantes.

“Nunca fui apaixonada por animais a tal ponto. O primeiro contato com um animal de rua foi após ver uma filmagem de um animal daqui de Maceió sendo maltratado, fiz uma doação, acompanhei o caso. Depois disso encontrei cerca de dez cachorros abandonados em um terreno no Benedito Bentes, um deles, uma cadela, havia sido violentada sexualmente e isso mexeu profundamente comigo. Foi aí que começou meu trabalho, que surgiu a ideia do abrigo”

Num espaço alugado, ela divide os cuidados dos animais com a mãe, amigos e voluntários.

“Juntamos um grupo de amigos e resolvemos alugar um espaço para colocar os animais. Porque inicialmente o trabalho que a gente fazia era contra a correnteza, porque a gente dava alimento, medicava, mas não tínhamos espaço para colocar e eles voltavam machucados. A informação que a gente tinha do CCZ é que eles não acolhiam, que o CCZ fazia apenas o controle e como a maioria dos animais de rua está doente, seriam sacrificados, mesmo assim estava lotado. A gente não queria isso e não tinha a quem recorrer, destaca.

DIFICULDADES

Mas segundo a protetora, as dificuldades atrapalham o andamento das ações. Limitações financeiros, falta de incentivo do poder público, número reduzido de adoções são alguns dos entraves.

“É um trabalho onde a gente encontra muita dificuldade, não existe hospital público para levar. Precisamos arcar com os custos. Não existe espaço público para colocar esses animais, a Prefeitura não disponibiliza, então a gente tem que pagar aluguel. Pago em torno de R$ 1500 de aluguel, fora despesas médicas. Sem contar a alimentação, gastamos em torno de R$ 1000 toda semana com ração. Meu projeto é dar qualidade de vida para os animais. Você não pode apenas tirar da rua, é preciso cuidar do animal. É uma despesa muito grande e a gente precisa contar com ajuda de amigos, rifas e doações para manter”, explica.

Sobram animais para cuidar e faltam interessados em dar um novo lar aos cães. De acordo com Isadora, o trabalho é exaustivo.

“Infelizmente a situação é essa, são muitos e a gente não consegue ajudar. O meu telefone toca 24 horas com pessoas querendo doar animais. Não podemos contar com o CCZ, muitas vezes ao invés de ajudar a prefeitura dificulta o trabalho. Onde a prefeitura deveria disponibilizar um serviço de castração. Uma responsabilidade que deveria ser da prefeitura hoje é minha e isso desmotiva. Tem horas que eu me desespero, penso em parar, mas como eu amo o que faço, procuro me sacrificar pela causa”.