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"Santo de casa não faz milagre": artesanato alagoano é mais reconhecido fora

Artesanato genuíno precisou ser reconhecido lá fora para só então conseguir destaque em terras alagoanas

Por Tribuna Independente 26/08/2017 08h30
'Santo de casa não faz milagre': artesanato alagoano é mais reconhecido fora
Reprodução - Foto: Assessoria

Trajetórias brilhantes marcam a vida destes artistas populares. Numa mistura de talento, curiosidade e muito esforço, Mestre Arlindo, João das Alagoas e Ed Oliveira foram reconhecidos internacionalmente, mas expõem as dificuldades em viver da arte no Estado e serem incentivados pela população e poder público.

(Foto: Sandro Lima)

Peças em barro produzidas na escola de João das Alagoas

Quer seja vendendo em lojas ou para conhecidos, o artesanato é fonte de renda, tradição e reforço na cultura popular. Dados da Secretaria Estadual de Desenvolvimento Econômico e Turismo (Sedetur) apontam que cerca de 60% dos artesãos de Alagoas vivem exclusivamente da produção artesanal.

Boa parte dos mais de 13 mil artesãos alagoanos começou o ofício por conta própria. Ainda que não existam dados oficiais, muitos iniciaram o trabalho apenas usando o talento e boas ideias.

De acordo com a Secretaria Municipal do Trabalho, Abastecimento e Economia Solidária (Semtabes), em Maceió, 222 profissionais divididos em 39 grupos de trabalho atuam com os mais diferentes materiais.

Cultura alagoana é retratada em trabalhos de Edmilson Oliveira, com o mural em relevo de cimento Folguedo de Alagoas (primeira imagem) e a tela Festa no Morro (segunda) (Foto: Arquivo pessoal)

“O artesanato é uma profissão que se aprende através de gerações, dentro das próprias famílias. Muitos descobrem a arte através do dom, da sensibilidade e da criatividade de cada um. A maioria é autodidata, mas não há uma estatística. Entre os grupos, há artesãos que trabalham com matéria-prima da natureza e descobriram, através do seu dom artístico, a técnica da sua arte”, explica o órgão.

Brincadeira de criança ganha o mundo

João das Alagoas passa conhecimento adquirido ao longo dos anos para discípulos apaixonados pela arte

Artesão, autodidata, capelense, patrimônio vivo. João Carlos da Silva Freitas, 58 anos, ou João das Alagoas, tem uma trajetória de 52 anos de envolvimento com a arte popular. Desses, 25 dedicados exclusivamente.

O mestre artesão tem uma história peculiar. Além de desenvolver o ofício, passa o conhecimento adiante por meio de uma escola de artesanato, onde recebe interessados e perpetua o conhecimento e valores artísticos.

João conta que as primeiras peças de barro surgiram ainda criança, como brincadeira. Sua arte é reproduzir o cotidiano do interior, retratar o Nordeste em peças cheias de detalhes, cores e formas. Entre as peças preferidas, estão o Boi Bumbá com figuras em 3D, criação mais recente, e os bois em alto relevo, umas das primeiras.

“Surgiu desde a minha infância, que apareceu esse trabalho. Quando eu comecei já tinha uns seis, sete anos. A brincadeira de antigamente era o que tinha mais próximo, carrinho de lata de sardinha, barro. O mais barato possível. E aí, eu modelava o barro e foi surgindo. Eu já gostava de arte. Todo mundo nasce com um pouquinho de arte na cabeça, mas o meu era mais”, detalha.

Ele que já trabalhou como servente de pedreiro, pintor e até num supermercado diz que viver do artesanato sempre passou longe dos seus planos.

(Foto: Sandro Lima)

No alto de seus 58 anos, João das Alagoas percorreu uma trajetória de 52 anos de envolvimento com a arte poular, sendo 25 dedicados exclusivamente à produção artesanal e à distribuição do saber

“Eu sempre trabalhei com barro, madeira, desenho. Todo trabalho que eu fazia na minha juventude, sem ser profissional, as pessoas diziam ‘João vai viver de arte’, mas isso não passava pela minha cabeça. Até uns dez anos atrás eu não imaginava que ia sobreviver de arte, mas de um tempo para cá fui acreditando, colhendo os frutos”.

Apesar disso, nunca deixou de produzir. Suas peças despertavam a curiosidade entre familiares e conhecidos. No entanto, não havia retorno financeiro esperado. Em 1987, quando ficou desempregado, João foi ‘forçado’ a viver do que produzia.

“Sempre fazia meu trabalho de arte e pintura. Em 1987, quando fiquei desempregado, era só o que eu sabia fazer. Aí surgiu a ideia da escola de artes. A falecida dona Leda lutou para ter esse espaço para eu ensinar. Antes da escola eu já fazia peças e vendia. Dava oficinas, mas não era suficiente para sobreviver. Mas a partir desse espaço, cedido pela prefeitura, passei a convidar as pessoas interessadas. Começamos com duas jovens e de muitos que foram e não seguiram, hoje tem o Leonílson e a Sil que estão até hoje”, explica.

O espaço na entrada da cidade de Capela já é o segundo ocupado para desenvolver a arte. Da primeira escola até a atual, ficaram oito artesãos. O mais ‘recente’, o sobrinho Cláudio, tem 12 anos trabalhando com João.

“Aqui todo mundo é autodidata. Todos que trabalham comigo eu só indico a maneira de trabalhar o barro. Mas a percepção, o desenho, cada um trabalha com um tipo de peça. São criações próprias. Surgem a partir da cabeça de cada um. Hoje todos vivem do seu trabalho”, explica o artesão.

MESTRE

“É preciso gosto para arte popular e a maioria das pessoas não entende”

Conhecido internacionalmente, João das Alagoas é referência por sua produção diferenciada, com elementos regionais. Ele conta que esteve quatro vezes na Argentina e só não foi a mais países por falta de patrocínio. Atualmente participa de feiras e exposições em vários Estados e em Alagoas. Mas reclama da falta de incentivo principalmente da sociedade que, segundo ele, não apoia o artista local.

“Não falo nem do poder público, falo das pessoas. Para se ter uma ideia, aqui em Capela, apenas três pessoas vieram aqui para comprar minhas peças e só depois que eu fui reconhecido lá fora. Nem visitar para conhecer o trabalho. Elas pensam que todos aqui vivem de salário da prefeitura e não é verdade. Vivemos da nossa arte”, pontua Mestre João.

“Vem mais gente de Viçosa e Maceió do que da própria Capela. É aquela história, já conhece, vê todo dia. ‘Santo de casa não faz milagre’ mesmo. Às vezes, tem obra de outros artistas. A arte popular você precisa ter gosto, ter prazer e entender de arte, e a maioria das pessoas não entende”, pondera o artesão.

De acordo com João, há necessidade de a cultura popular ser mais valorizada e incentivada para que as pessoas se interessem pelo assunto. Uma alternativa, segundo ele, é facilitar a via entre artista e sociedade.

“Se fizessem aqui como fizeram em Recife, um espaço de exposições fixo, com obras de todos os artistas alagoanos, isso ajudaria muito. Porque em Maceió tem a feirinha, o Mercado, mas é para vender e não expor. Às vezes, os clientes não querem vir de Maceió para cá, imagina o artista do Sertão como é. Na verdade o artista quer e vai viver do seu trabalho, e não de ajuda. O artista só quer um espaço para trabalhar, produzir”, reforça João das Alagoas.

Dando uma rápida volta na cidade de Capela, nenhuma peça do artista nascido e criado por lá foi encontrada pelas ruas ou praças. Alguns dizem conhecer o trabalho dele ‘de ouvir falar’, mas apenas turistas fazem da escola um referencial.

Na praça principal da cidade, os aposentados Valdomaro da Silva, de 60 anos, e José Agripino da Silva, de 61, são naturais de Capela. Mesmo com 25 anos de existência da escola de artes, eles nunca foram visitá-la.

“Não conheço totalmente o trabalho, porque nunca fui olhar, mas o que ouvi falar é que é bom mesmo. Que eu saiba não tem nada na cidade exposto, assim, que ele tenha feito. Tem coisa que a gente não anda procurando saber, mas sei que ele é bom no que faz”, fala o senhor Valdomaro.

"Surgiu desde a minha infância, que apareceu esse trabalho. Quando eu comecei já tinha uns seis, sete anos. A brincadeira de antigamente era o que tinha mais próximo, carrinho de lata de sardinha, barro. O mais barato possível. E aí, eu modelava o barro e foi surgindo. Eu já gostava de arte. Todo mundo nasce com um pouquinho de arte na cabeça, mas o meu era mais” JOÃO DAS ALAGOAS - MESTRE ARTESÃO

Já o senhor Agripino afirma que as pessoas conhecem o trabalho, mas não sabe dizer se visitam. E resume: “Eu sei que vem muita gente de fora ver”.

A vendedora Rosa Maria Alves diz que a loja na qual trabalha, no centro da cidade, tem uma peça de João que o próprio deu de presente à dona. Para ela, as peças são lindas, mas Rosa revela nunca ter ido conhecer de perto o espaço.

“Acho que ele vende as peças dele fora. Ele vai pra Recife, vai pra Maceió. Mas eu acho que deveria ter aqui em algum lugar também na cidade. Não sei se as pessoas valorizariam, se iam achar bonito ou engraçado”, comenta.

CONTINUIDADE

No momento, João se dedica à confecção de dois lotes, uma peça para a Itália e outras 45 peças sacras para o município de Pilar.

“Tenho peças para vários países. Estou fazendo uma agora para a Itália. Demora em torno de um mês e meio para ficar pronta. O homem que a comprou viu, há nove anos, uma peça nossa na Galeria Pé de Boi no Rio de Janeiro. Depois de nove anos, ele veio encomendar aqui para levar para a Itália. Ele pediu igual à que tem lá, com o tema de folclore. Eles acham diferente porque lá não tem.”

“São ao todo 45 peças para Pilar, cada bloco tem uma passagem. Eles deram prazo para o final de ano. Estamos trabalhando. É uma procissão, com imagens sacras”, ressalta.

O título de Patrimônio Vivo do Estado recebido em 2011 reforçou o reconhecimento do artista, que é considerado um dos mais importantes do país. “O que me deu mais segurança para dizer que agora ia viver de arte foi o Patrimônio Vivo. Porque viver de artesanato é complicado, principalmente no nosso Estado”, diz o artista.

Segundo João, apesar de suas peças terem valor agregado, com preços que chegam até R$ 5 mil, o maior estímulo para dar continuidade ao trabalho é o reconhecimento.

“Tem horas que eu penso: Será que vai dar uma pane e eu vou parar de vez? Mas ser reconhecido por pessoas do Brasil todo, incentiva. Tem uma senhora da Paraíba que diz que vem aqui só para me conhecer. Não é só ela, várias pessoas vieram de longe para me conhecer. E isso eu não sei nem como agradecer a Deus. Tem gente que não tem nem dinheiro de manhã para comprar um pão e a gente vivendo da arte. Posso dizer que vivo como um Picasso [risos] num interior desses”, brinca.

SEGUINDO OS PASSOS

De Capela para o exterior, aprendizes de João das Alagoas colecionam conquistas

Maria Luciene Oliveira, de 38 anos, ou Mestre Sil, conheceu João das Alagoas e a arte com barro aos 17 anos. A filha mais velha é especial e precisava de acompanhamento. Em uma das oficinas que levava a menina, Sil conheceu a arte e desde então não parou mais. De lá para cá, acumulou experiências, destaque e progressos financeiros.

“Conhecemos por meio do João. E entrei nesse caminho com os ensinamentos dele. No início, eu não tinha nem noção se iria dar certo ou se conseguia vender. Eu não acreditava que poderia dar certo. Comecei a fazer e gostei, porém também não acreditava que hoje em dia iria passar a viver de arte. Eu achei que ninguém iria querer comprar umas pecinhas de barro. Nas primeiras peças eu retratava a minha vida e a do meu pai no dia a dia. Fazia uns cavalinhos que custavam R$ 5. Era muita emoção quando vendia”.

De doméstica a artista, Mestre Sil conseguiu comprar casa e dar uma vida confortável aos três filhos. A faixa de preços das peças que produz também mudou. A mais barata hoje custa R$ 100,00. Sil já produziu peças de R$ 8 mil sob encomenda.

(Foto: Sandro Lima)

De doméstica a artista, Mestre Sil hoje pode dar uma vida confortável aos três filhos

“Geralmente quem compra é o pessoal de fora. Como trabalho por encomenda, já temos um tempo para produzir a peça da maneira que o cliente deseja. Já trabalhei em várias coisas, mas a arte com o barro é minha vida. Eu trabalho de domingo a domingo, mas no dia que eu não quero vir produzir eu não venho. No entanto, não consigo ficar longe disso. Com minha arte conquistei tudo que eu tenho”, pontua a orgulhosa artesã.

A peça que está trabalhando demora cerca de dois meses para ser confeccionada e faz parte do seu trabalho autoral, as casinhas.

“Devo passar uns dois meses nela. Mas vai ser um trabalho muito lindo. Tenho uma peça que eu amo que é a casinha com toda a família”, comenta.

MENINO ARTISTA

Especialista em imagens sacras, Leonílson Arcanjo de Holanda, 25 anos, nem lembra quantas já produziu. As peças são em tamanho reduzido. Ele e Mestre Sil acompanham João desde as primeiras aulas.

Imagens de santos, anjos, Jesus Cristo, presépios e a mistura de tudo isso faz parte do catálogo de peças produzidas pelo artista. Leonílson começou a fazer com sete anos como brincadeira. O pai o incentivou a participar das aulas e ele não sabia muito bem o que queria. Hoje, não se imagina trabalhando em outra coisa.

“Eu não sei o que faria se não trabalhasse nisso. Toda minha vida dedicada a esse trabalho. Foi no projeto do João que aprendi a fazer esse tipo de arte. Sempre me espelhei nele. Hoje em dia nem lembro quantas pecinhas já produzi. São 18 anos trabalhando nisso.”

(Foto: Sandro Lima)

Especialista em imagens sacras, Leonilson Holanda também começou a produzir peças de brincadeira e já trabalha há 18 anos com o barro

Leonilson diz que está pensando em outras peças especiais, mas por enquanto está trabalhando para entregar as encomendas. O artista afirmou que sempre teve incentivo dos pais e outros artistas do grupo para produzir a arte que ganhou muito valor com o reconhecimento dele e dos demais artistas.

“A peça mais barata individual é uns 100 reais e a mais cara chega a uns dois mil. As imagens e santinhos e imagens características do Nordeste são bem pedidas”, conta.

Olhando para o futuro, Leonílson se diz satisfeito pelo que já conquistou. A meta agora é conseguir comprar sua casa e prosseguir trabalhando com o barro e fazendo as miniaturas que são sua especialidade.

“Quem sabe virar um colecionador de arte. Eu gostaria”.

INSPIRAÇÃO

Cláudio Henrique, também de 25 anos, faz miniaturas em barro. O trabalho surpreende pela riqueza de detalhes. O que também chama a atenção é o cuidado do artista em produzir cada peça. Em um dos individuais, como ele chama, um sanfoneiro, até as teclas da sanfona são bem visíveis. Esta peça custa R$ 15,00 e pode ser feita em até uma hora.

Cláudio é sobrinho de João e começou na escola preparando o barro para as peças. A partir daí, foi vendo o trabalho dos demais. E adivinha? Não parou mais. Por ter começado cedo, aos 13 anos, ele conta que teve mais facilidade em fazer peças menores. Quanto mais adquiria experiência, menores as peças foram ficando.

A inspiração para as miniaturas veio do trabalho de outro artista que produz peças com um material peculiar, os palitos de fósforo. Mas no caso de Cláudio a matéria prima é o barro.

“A ideia vem do dia a dia, do que eu vejo. Eu acho algo interessante e começo a fazer. Ou imagino como seria algo, como as casas de antigamente. Eu vi o Arlindo fazer com o palito de fósforo e pensei: Por que não tentar com o barro? E deu certo”, detalha.

(Foto: Sandro Lima)

Cláudio Henrique começou preparando o barro para as peças e se tornou mestre na confecção de miniaturas

Cláudio Henrique diz que sempre tentou fazer um trabalho diferenciado. As peças do artista variam entre R$ 15,00 as individuais, podendo chegar a mil reais o preço dos cenários completos.

Com a experiência, ele consegue fazer até 10 peças num dia de trabalho, mas no caso dos cenários, pode demorar até 15 dias.  “Tem uma peça dessas que tem até o cachorro puxando pelo rabo do boi, isso demora um pouco mais pra fazer”, esclarece.

Ao falar sobre João, o sobrinho não esconde a satisfação. Segundo ele, o tio além de servir como inspiração foi o principal encorajador.

“Ele me convidou para preparar o barro, ajudar, mas sempre me mostrava como fazia e, quando eu comecei, ele sempre me ajudou e isso é importante né? Mas sempre me deixou à vontade para fazer do meu jeito, criar minhas próprias peças”, diz.

Destaque internacional, Ed Oliveira deixa sua marca até na Europa

Autodidata, artista plástico de Paulo Jacinto diz que falta incentivo no país para a população ter maior acesso à cultura

Também do interior do Estado, o artista plástico Edmilson Oliveira, de 48 anos, é natural de Paulo Jacinto.  O talento de Edmilson ou Ed Oliveira, como é conhecido, começou ainda na infância. De acordo com o artista, a pintura foi seu primeiro mergulho no mundo das artes.

“Comecei a me interessar pela arte aos seis anos. Nessa época, morava no Sítio Barro Preto. Ao lado da minha casa, havia uma escola e minha mãe era a professora. Quando terminavam as aulas eu ficava desenhando na lousa, esse era o meu passatempo favorito. Não havia explicação para isso. Eu nem sabia o significado de arte. Foi quando meu pai um dia me viu desenhando e disse que eu seria um pintor. Foi a primeira vez que eu ouvia essa palavra. Aos onze anos pintei meu primeiro quadro”, conta Edmilson.

O artista paulojacintense tinha poucos recursos para realizar seus estudos das artes. Com as possibilidades que teve, iniciou a leitura de diversos livros sobre a história da arte. Passando desde a Pré-história até as obras contemporâneas.

“Como autodidata, tinha um longo caminho a percorrer e iniciei meus estudos fazendo releituras de obras de grandes mestres por ordem cronológica, seguindo cuidadosamente cada estilo de época”, relata.

Com a noção que os estudos por conta própria trouxeram, ele começou com “pinturas em tela, esculturas, pinturas de mural e mural em relevo acessível para as pessoas que não enxergam, com a possibilidade de conhecer as obras através do toque. Ao logo do tempo, a minha arte foi ficando livre de modismos sem me preocupar em ficar preso a estilos”, explica o artista.

Ed Oliveira também se considera um artesão, porque usa matérias-primas recicláveis para fazer suas esculturas todas feitas à mão com garrafas pets, papelão, ferro e outros materiais.

O autodidata contou que na época de escola, apesar de gostar de arte, foi reprovado na disciplina.

Ele conta que realizou grandes trabalhos em várias cidades do Estado e fora do país. Com 17 anos, restaurou o acervo da Igreja Matriz de Nossa Senhora das Graças em Paulo Jacinto e em seguida fez outros trabalhos. Edmilson também foi convidado por uma organização não-governamental (ONG), a Associação Nordesta de Reflorestamento e Educação Ambiental, localizada em Quebrangulo, para ensinar desenho e pintura para jovens na cidade.

Depois disso, ele realizou uma exposição em Palmeiras dos Índios e também participou de outras três exposições coletivas em Maceió, através do Projeto Alagoas Presente. Ed também mostrou talento e criatividade fora de Alagoas. Em 2004, ele foi para o Rio Grande do Norte, Estado onde montou um ateliê e confeccionou artes durante um ano. O artista difundiu seu trabalho em Minas Gerais, Pernambuco, Bahia, Piauí, Maranhão e Tocantins, locais onde promoveu oficinas de pintura, reciclagem com garrafas pet e esculturas.

Além do reconhecimento em terras brasileiras, o artista plástico também se destacou fora do país. Com exposição em Genebra no Salle Communale de Plainpalais em comemoração aos 25 anos da Associação Nordesta, ele vendeu 70 obras em apenas em um dia.

RECONHECIMENTO

Atualmente, o artista vive na sua cidade natal onde realiza seus trabalhos. É comum para quem anda pelas ruas de Paulo Jacinto ver as pinturas em alto relevo feitas pelo artista nas paredes de residências e prédios públicos. Obras dele também podem ser vistas em Quebrangulo. Lá é comum esbarrar com esculturas gigantes. Segundo o artista, as esculturas retratam os animais da reserva de mata Atlântica, como tatus, tamanduás, borboletas, corujas, além de uma variedade de pássaros.  A inspiração do artista para essas esculturas veio da Serra de Pedra Talhada. Ainda em Quebrangulo, dois bonecos gigantes do grupo folclórico Nega da Costa ganharam vida nas mãos do artista.

Filho de agricultor e professora, Ed Oliveira diz que busca inspiração nas coisas simples do interior para produzir sua arte (Foto: Arquivo pessoal)

Na capital, Ed deixou sua marca em vários cantos da cidade. Como é o caso do muro do Ministério Público Federal (MPF), do viaduto próximo ao Aeroporto Internacional Zumbi dos Palmares e do muro do cais do Porto. No litoral Sul, em Marechal Deodoro, também podem ser encontradas obras do artista.

Edmilson foi homenageado pelos trabalhos feitos em Quebrangulo durante a vigésima quarta Festa da Cultura.

INCENTIVO E APOIO

Os murais em alto-relevo feitos por Ed Oliveira viraram o cartão-postal da cidade de Paulo Jacinto.

“A obra de Edmilson é belíssima. Não tem como não admirar. Ele é um talento. Seus trabalhos tem uma perfeição. E eu pedi para que ele fizesse na parede de minha casa. Sou devoto de São Jorge, então pedi para que ele reproduzisse a imagem do santo em alto-relevo em minha parede”, disse o professor Antônio Lima.

Para Ed Oliveira, a falta de incentivo parte na maioria das vezes do poder público.

“Não existe incentivo cultural no Brasil exceto nos Estados de Pernambuco e Bahia, que em minha opinião apoiam suas diversidades culturais. Os editais que são lançados pelo MinC, devido a complicações burocráticas, terminam desestimulando 95% dos fazedores de cultura. Os 5% que são selecionados são artistas consagrados, como vimos recentemente em todos os jornais. Isso é ridículo, estúpido, mas é a triste realidade”, lamenta o artista.

Ed Oliveira diz que nunca foi feito um levantamento da riqueza cultural do Estado. “Não se contabilizam os grupos folclóricos que são extintos pelo Brasil por conta da falta de incentivo. O homem simples produz cultura. Penso que uma cidade, Estado ou nação que não valoriza sua riqueza cultural, perderá para sempre a identidade do seu povo”, ressalta.

Na cidade, Edmilson conta que a população sabe do seu trabalho, acha bonito, no entanto o consumo é pouco. “O consumo da arte no geral ainda é pequeno. Até entendo. Existem outras prioridades para as pessoas. Mas a arte precisa ser democratizada. Por isso, continuo fazendo minha arte. Posso enxergar claramente que qualquer manifestação cultural, seja ela música, teatro, dança, artes visuais, audiovisuais, pode ser um grande e eficaz antídoto contra as adversidades que vêm se fortalecendo ao passar do tempo dizimando nossas crianças e jovens. Acredito que o Estado tem esse poder transformador”, ressalta o artista.

Em relação ao incentivo dado pelo poder municipal, Ed critica e diz que as prefeituras devem valorizar mais os artistas da terra. “Não tenho nenhuma parceria com a prefeitura da minha cidade. Até conhecem meu trabalho, convidam para expor em alguns eventos, mas nada de concreto. Geralmente vendo minhas obras para cidades vizinhas e outros Estados.”

O autodidata ressalta que as obras têm valores acessíveis e que levam em conta o tamanho, tipo e material usado.

Filho de agricultor e de professora, o artista diz que busca inspiração nas coisas simples do interior.

60 mil peças ao longo de 30 anos

Mestre Arlindo Monteiro muda ramo de produção, de obras com tronco de coqueiro para palitos de fósforo, e conquista o país

Movimentos rápidos numa precisão que impressiona. Aos poucos, um simples palito de fósforo se transforma em um beija-flor. O palito também pode dar forma a qualquer personagem do folguedo alagoano, como o Guerreiro, pelas mãos do mestre alagoano Arlindo Monteiro. São mais de 60 mil peças produzidas durante 30 anos pelo artesão.

Antes de trabalhar com as mini esculturas, ele produzia peças com tronco de coqueiro. Mas a trajetória do artista não foi apenas de bonança. Arlindo conta que para chegar ao nível atual foram muitas dificuldades. Foi superando uma delas, que o mestre iniciou o trabalho com palitos de fósforo.

“Eu trabalhava fazendo esculturas em troncos de coqueiro, carrancas, animais, bustos, peças grandes. Há uns 40 anos. Um dia um rapaz chegou dizendo que tinham cortado 10 pés de coco na praia. Aí fui à praia buscar, 500kg cada um. Trouxe embolando no pé de lá da praia até o mercado. Negócio de doido. E quando eu cheguei em casa cansado, com as mãos com sangue eu pensei: Meu Deus porque a gente trabalha tanto e passa tanta dificuldade? Aí fui dormir. E sonhei com um Cristo entalhado num palito de fósforo. Essa foi minha primeira peça”.

(Foto: Sandro Lima)

Trabalho em miniatura do mestre Arlindo Monteiro lhe rendeu participação na abertura de uma novela da Rede Globo, através do designer Hans Donner

Entre a ideia e o produto acabado foram cerca de 400 palitos de fósforo usados. “Não tinha pintura, nem nada. Eu gastei 10 caixas de palitos para fazer uma peça. Nunca tinha feito nada parecido. Só me apareceu em um sonho”, detalha.

O Cristo entalhado no palito, a primeira peça de Arlindo, foi vendida a R$ 50,00, o dobro do valor que é vendida atualmente. A mudança de ramo trouxe lucratividade ao artista que muitas vezes precisava reduzir o valor das peças de coqueiro para que fossem vendidas.

“Eu sou autodidata. Trabalhava numa metalúrgica quando vi um cara fazendo e comecei a rascunhar, porque desde criança sempre gostei de desenho. Peguei um caderno e comecei a desenhar um monte de coisas. Aí depois passei a fazer as esculturas no palito de fósforo, mas fazer essas peças no palito hoje para mim é mais fácil, porque além de ser diferente é fácil para transporte”.

A arte aprimorada ao longo de três décadas foi passada adiante. Dois sobrinhos dele também desenvolvem o trabalho, mas por lazer.

“Tenho dois sobrinhos que fazem, um em Recife e outro em Portugal. Que eu passei, para eles. Faço também esculturas no barro, na madeira, em pedra. Os artistas têm que procurar dar uma força para os outros, que também fazem um trabalho muito bom”.

"Não tinha pintura, nem nada. Eu gastei 10 caixas de palitos para fazer uma peça. Nunca tinha feito nada parecido. Só me apareceu em um sonho” ARLINDO MONTEIRO, MESTRE ARTESÃO, SOBRE A PRIMEIRA PEÇA COM PALITOS DE FÓSFORO

Um dos momentos mais proveitosos de sua trajetória ocorreu em 2000, quando Arlindo conheceu o designer Hans Donner, encontro que propiciou a participação dele produzindo as peças da abertura de uma novela.

“Para mim o mais importante não foi nem fazer a abertura da novela e sim conhecer o Hans Donner. Eu disse a ele: Você é um dos melhores designers do mundo e eu acho que você teria algo a dizer para melhorar a qualidade do meu trabalho. Ele perguntou o que eu fazia, se era abajur, castelo, colando palitos de fósforos. Então respondi: ‘Não, Hans. Eu pego um palito e faço sua escultura’. Ele pensou que era mentira”, detalhou.

De lá para cá, ele participou de feiras, exposições por todo o país e também fora dele. A última internacional foi no Chile. Em Alagoas, ele participa periodicamente de eventos da área.

(Foto: Sandro Lima)

Antes de trabalhar com as mini esculturas em palitos de fósforo, Arlindo produzia peças com tronco de coqueiro

Com jeito humilde, Arlindo reconhece as dificuldades. Ele diz que recebe críticas de que estaria esquecido ou que o trabalho ‘parou no tempo’. Mas o artesão afirma não se satisfazer com a fama. Em todo esse tempo, permaneceu no Mercado do Artesanato, no Centro de Maceió e acredita que mesmo depois de três décadas ainda tem o que aprimorar.

“A realidade é que tem uma ênfase maior porque a novela não só passou no horário nobre, mas duas vezes no Vale a Pena Ver de Novo. Deu uma repercussão maior. Mas a ideia minha é a cada dia que passa melhorar ainda mais a qualidade do meu trabalho. Para mim o que passou, passou. Eu quero melhorar daqui pra frente”.

Arlindo faz planos para o futuro. Ele planeja contar a história do Brasil utilizando 21 mil palitos. Mas segundo ele, falta suporte para a realização.

“São 30 anos de arte. Agora eu estou com um projeto, mas fica complicado para fazer sem apoio. O projeto é contar a história do Brasil em palitos de fósforos. A ideia é fazer 21 mil esculturas contando a história do Brasil desde o descobrimento e resgate da cultura popular. Falta incentivo para viver da arte, isso seria uma espécie de aposentadoria para mim, uma forma de poder mostrar meu trabalho”.

“Alagoas tem um problema sério de identidade cultural”

Sedetur diz que Estado se destaca no cenário nacional como um celeiro da arte popular, mas alagoanos precisam se apropriar dela

Mesmo com a diversidade e riqueza dos trabalhos produzidos por estes e outros artesãos locais, os artistas pontuam a falta de interesse em acompanhar mais de perto a arte popular.

De acordo com a gerente de Design e Artesanato da Sedetur, Daniela Costa, a situação é decorrente da ‘falta de apropriação cultural do alagoano’.

“Alagoas é um estado pequeno, mas peculiar, porque a produção cultural é muito espalhada pelo interior do Estado. É fato que o alagoano não anda dentro do Estado. Até visita alguns municípios, mas muito pontualmente. Mas falta isso ao alagoano, dele se apropriar, querer conhecer, ver de perto, porque é riquíssimo. Alagoas se destaca no cenário nacional como um dos maiores celeiros de arte popular”, expõe.

Segundo Daniela, existem esforços do poder público visando uma maior aproximação da população com as obras e os artistas, como ações de visibilidade.

“Nós como Secretaria de Estado temos feito algumas coisas para divulgar onde tem essa produção e tentar aproximar o público do artesão. Por exemplo, a gente lançou um catálogo do artesão com descrição, telefone, para que as pessoas comprem direto do artesão e tenham a oportunidade de conhecer o trabalho. Também tem o aplicativo Turismo Alagoas, dizendo como chegar até o artesão”, explica.

“Desde o ano passado, a gente está mapeando todo o Estado e colocando placas de identificação nas casas dos mestres e nos espaços de produção do artesanato genuinamente alagoano, onde tem essa produção diferenciada. Justamente para as pessoas terem a curiosidade, saberem do que se trata”.

Mas a gerente reconhece que o esforço externo em conhecer o artesanato local ainda é maior. Segundo ela, duas galerias locais vendem exclusivamente artesanato genuinamente alagoano.

“Realmente é uma coisa de fora para dentro. A gente recebe por ano três expedições de lojistas interessados em conhecer a rota do artesanato alagoano. Eles não vêm para conhecer as praias, vem para conhecer a produção artesanal”, informa Daniela Costa.

“A gente está começando a caminhar para um cenário diferente. As pessoas estão querendo consumir mais e percebo que elas começam a ter um olhar diferenciado, até pela divulgação maior da mídia. Estamos num cenário positivo e é óbvio que a sociedade acaba tendo mais interesse em consumir a cultura como um todo”, diz.

Para o sociólogo Carlos Martins, o Estado tem um problema de “percepção de identidade” causado pelo excesso de influências culturais externas, processo de globalização e “aculturamento” provocado pela internet que, segundo ele, ocorre quando há a assimilação do processo cultural externo ao invés do interno.

“Alagoas tem uma característica cultural muito própria. Esses elementos culturais de raiz constituem base cultural. Veja na Bahia, a base cultural da música afro constituiu uma estrutura que produziu toda a musicalidade baiana. Em Pernambuco da mesma forma. Alagoas tem um problema nesse sentido, da auto-percepção, da construção da autoimagem e é sempre Alagoas olhando para fora. Veja Djavan, precisou primeiro repercutir lá fora para ser conhecido dentro. Na Bahia, por exemplo, o artista é projetado lá dentro para ser conhecido no Brasil”, expõe.

Ainda de acordo com o sociólogo, a falta de consumo da cultura popular local cria um ciclo prejudicial, uma vez que o acesso dos mais jovens aos elementos culturais genuínos se perde ao longo das gerações.

“Essas personalidades da cultura não estão no imaginário coletivo do povo alagoano. E mesmo as pessoas se projetando internacionalmente, não conseguem aqui dentro entrar no imaginário, porque há uma indústria cultural muito massificada. Sempre o externo atuando sobre o interno, de modo que os elementos culturais locais que constituem a base cultural vão se perdendo, as pessoas não vão construindo esse ‘link’. As novas gerações não sabem nem da existência desses elementos. Isso vai se perdendo ao longo da história. O que eles conhecem são elementos que não fazem parte da cultura alagoana. A identidade tem sido construída de fora para dentro”, acrescenta.