Cidades

Defesas civis de quase todas as cidades alagoanas funcionam no improviso

Embora constituídas oficialmente nos 102 municípios, trabalho é feito limitadamente

Por Tribuna Independente 08/07/2017 17h16
Defesas civis de quase todas as cidades alagoanas funcionam no improviso
Reprodução - Foto: Assessoria

É fato que os 102 municípios alagoanos possuem coordenadorias de defesa civil. A Associação dos Municípios Alagoanos (AMA) e a Defesa Civil Estadual são categóricas ao afirmar que existem. Mas segundo informações levantadas pela reportagem do jornal Tribuna Independente, o trabalho é realizado de forma precária.

Segundo o coordenador estadual do órgão , major Moisés Henrique Melo, apenas duas cidades alagoanas, Maceió e Atalaia têm defesas civis em condições adequadas de funcionamento.

“Atualmente, merecem destaque as defesas civis dos municípios de Maceió e Atalaia. Estas são bem estruturadas. Todas as cidades podem até ter Coordenadorias Municipais de Defesa Civil - Comdecs, mas algumas delas são apenas no papel”, destacou.

Com as fortes chuvas que caíram em Alagoas desde maio, causando muitos transtornos, vários questionamentos foram abertos em relação à atuação das Coordenadorias Municipais de Defesa Civil. No entanto, apesar dos desastres ocasionados pelas chuvas, a Associação dos Municípios Alagoanos (AMA) garantiu que todos os municípios têm Comdecs instituídas e regularizadas.

ATUAÇÕES

Atuando em Defesa Civil há 27 anos, o coordenador regional da Defesa Civil do Vale do Paraíba, Massilon Mendes, esclarece que o trabalho de uma coordenadoria municipal deve ser feito de forma preventiva e corretiva, orientando e ensinando a população; e de resposta no momento dos desastres.

Mendes acrescenta que o trabalho da Comdec vai além do socorro à seca e enchentes. Também é fiscalizatório e pedagógico.

“Em cidades onde não há Corpo de Bombeiros, a Defesa Civil fiscaliza eventos, shows, construções. Também deve fazer simulações com a população para orientar os procedimentos num desastre, palestras em escolas e faculdades, ampliando os conhecimentos do aluno para que ele possa ensinar em casa. É um trabalho contínuo e que precisa durar o ano todo, não só em períodos críticos”, aponta.

Massilon Mendes, que é também coordenador da Defesa Civil de Atalaia, ressalta que é preciso uma estrutura mínima para funcionamento do órgão.

“É preciso um computador para estar conectado ao sistema nacional, onde passamos todos os dados da localidade, pelo menos um carro para ir às áreas atingidas, realizar os trabalhos preventivos. Técnicos especializados que possam avaliar danos em residências e encostas, por exemplo. É um trabalho complexo, porque o responsável precisa realizar cursos e estar atento à necessidade da população”, afirma.

O coordenador estadual, major Moisés Melo, destaca a importância dos equipamentos para o acompanhamento dos desastres.

AMA diz que todos os municípios estão sujeitos a “desastres naturais”

De acordo com a Associação dos Municípios Alagoanos (AMA), a entidade tem uma técnica especializada que mantém contato permanente com os gestores orientando sobre o correto preenchimento de documentos exigidos, prazos e a importância da cidade ter sua coordenadoria.

A AMA ressalta ainda que nenhum município está livre do chamado “desastre natural”, que pode ser chuva, seca, ou outros fatores. E por isso, realizam sempre debates para orientar os prefeitos.

“Não podemos interferir nos municípios, apenas oferecer conhecimento e orientação. Isso é um trabalho que não para”, afirma o órgão por meio de assessoria.

Comdecs devem atuar em parceria com Estados e União e desenvolver cultura de prevenção de riscos (Foto: Agência Alagoas)

Em relação aos desastres ocasionados com as chuvas, o Major Moisés salienta que sempre podem ocorrer. Por isso a necessidade de um trabalho preventivo de identificação das áreas de risco e a retirada da população dessas áreas.

“Alguns municípios até conseguiram. As defesas civis devem trabalhar com ações preventivas de socorro, assistenciais e reconstrutivas, destinadas a evitar ou minimizar o desastre ocorrido, preservando também a moradia da população e restabelecendo a normalidade social para que os danos não sejam grandes”, pontua.

DESCUMPRIMENTO

A Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil (Sedec) conceitua o Comdec como “Órgão Municipal de Proteção e Defesa Civil responsável pelo planejamento, articulação, coordenação, mobilização e gestão das ações de Proteção e Defesa Civil, no âmbito do Município”.

Tradicionalmente, as Comdecs são acionadas em momentos de desastres, dando assistência em suprimentos e abrigo à população, avaliando danos e prejuízos e informando os governos estaduais e federal.

Mas segundo a Sedec, cabe também aos órgãos municipais “identificar, mapear e fiscalizar áreas de risco, além de ‘vedar novas ocupações nessas áreas’; vistoriar edificações vulneráveis; manter a população informada sobre áreas de risco e ocorrência de eventos extremos, promover simulados, mobilizar e capacitar os radioamadores para atuação na ocorrência de desastre”.

As Comdecs devem ainda atuar em parceria com Estados e União para “desenvolver cultura nacional de prevenção de riscos; estimular comportamentos de prevenção para minimizar desastres; estimular a reorganização do setor produtivo e a reestruturação econômica das áreas atingidas por desastres; estabelecer medidas preventivas de segurança em escolas e hospitais situados em áreas de risco; oferecer capacitação de recursos humanos; fornecer dados e informações para o sistema nacional de informações e monitoramento de desastres”, como explica o órgão.

Experiência e conhecimento dos tipos de desastres da região são aspectos mais importantes

“Não existe um número de agentes ideal, isso depende de vários fatores, inclusive da experiência e do preparo que o coordenador tem de lidar com os eventos adversos. O importante é a defesa civil conhecer o tipo de desastre característico da região e se preparar para o mesmo”, explica o coordenador da Defesa Civil do Estado, major Moisés Melo. O coordenador da Defesa Civil Municipal de Maceió, órgão ligado à Secretaria Municipal de Desenvolvimento Sustentável (Semds), Dinário Lemos, disse que a Defesa Civil conta com a participação da comunidade no trabalho de monitoramento, parceria que ocorre por meio dos Núcleos de Defesa Civil (Nudecs). O órgão está à disposição de todos os cidadãos e, segundo orienta Dinário Lemos, quem precisar da Defesa Civil deve acionar as equipes pelo número 0800 030 6205.

Defesas civis não cumprem diretrizes

Em muitas cidades, as diretrizes federais das defesas civis não são cumpridas e sobram dificuldades. A equipe de reportagem acionou algumas cidades alagoanas para verificar o funcionamento dos serviços de Defesa Civil.

PILAR

No município de Pilar, por exemplo, a Coordenadoria Municipal de Defesa Civil (Comdec) foi criada em 2015, mas apenas no papel. Segundo a assessoria de comunicação da prefeitura, os trabalhos não eram desenvolvidos como deveriam até 2016.

Para ter uma ideia, a própria prefeitura admite que apenas em março de 2017, a partir da nomeação de um coordenador, os serviços começaram a ser realizados.

O atual coordenador da Defesa Civil de Pilar, José Almir Santos afirma que em decorrências das chuvas no município, houve um trabalho de prevenção, como acompanhamento de dados meteorológicos emitidos pela sala de alerta do Estado, onde, por meio da comunicação, a população foi avisada de que havia possibilidade de elevação do nível da Lagoa Manguaba.

Chuvas trouxeram muitos transtornos, mas também questionamentos sobre organização da defesa civil (Foto: Agência Alagoas)

“A defesa civil, após perceber que haveria um desastre, comunicou ao poder executivo e as demais secretarias da cidade para que entrassem em ação aos primeiros socorros, como a retirada das pessoas das residências e materiais existentes, além disto, elas foram deslocadas para abrigos nos ginásios de esportes, salão paroquial e casas de parentes”, diz.

Segundo José Almir, o trabalho de assistencialismo necessário foi realizado, mas depois das ocorrências. “Também iniciamos de imediato a assistência humanitária com alimentação, água potável, colchões, agasalhos e assistência médica, com a atenção especial aos idosos, crianças e deficientes. Como também demos suporte necessário até que as pessoas afetadas pudessem voltar até a sua vida normal”, explicou a coordenação de Pilar.

Segundo informações da Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil, o coordenador municipal deve “ser um profissional experiente e com capacidade técnica em gestão de riscos e gerenciamento de desastres”. Além do coordenador, as Comdecs precisam atender exigências mínimas de recursos humanos, como técnicos “efetivos da Administração Pública Municipal com dedicação exclusiva nas atividades de Proteção e Defesa Civil”.

“No que se refere à estrutura, é preciso um espaço físico específico e adequado, dotado de infraestrutura necessária: carro, máquina fotográfica, computador e impressora, GPS, equipamentos de proteção individual, telefone, internet, dentre outros. Independente do tamanho e da quantidade dos recursos humanos e logísticos, o Órgão só será eficiente se estiver preparado para coordenar os demais envolvidos nas ações de prevenção, mitigação, preparação, resposta e recuperação do desastre”, esclarece a Sedec.

Cidades atuam sem qualquer estrutura ou pessoal qualificado

Já no município de Satuba, a prática é bem distante da regra. O coordenador da Defesa Civil de Satuba, Erick Lima, está há dois anos no cargo. Segundo Erick, a Comdec funciona com um servidor, o próprio coordenador, numa sala no prédio-sede da prefeitura.

Quando é preciso desenvolver ações, ele afirma que solicita apoio de funcionários de outras secretarias e utiliza o carro da Secretaria do Meio Ambiente do município.

“A estrutura hoje, a gente trabalha com a Secretaria do Meio Ambiente, trabalhamos vinculados. Fazemos um trabalho em conjunto. Também trabalhamos com a secretaria de assistência social. Em relação à estrutura, nós trabalhamos com o transporte do Meio Ambiente e da Assistência. E dependendo das ações temos apoio de servidores da saúde e da educação”, explica.

Mesmo com estrutura e pessoal em número reduzido, o contrário do que as diretrizes do Ministério da Integração Nacional orientam, o coordenador acredita que o trabalho tem sido feito de maneira satisfatória.

“Dificuldade mesmo a gente não tem. Precisamos estruturar melhor a equipe, mas como o município é pequeno dá para a gente trabalhar em conjunto. A falta de técnicos não chega a prejudicar o trabalho. A gente usa o engenheiro da prefeitura nos trabalhos de vistorias e parecer”, afirma.

Erick Lima diz que a coordenadoria tem projetos em desenvolvimento como o mapeamento da cidade e orientação das pessoas quanto à construção em áreas de risco.

Paulo Lira de Barros, de 59 anos, é morador da Rua 17 de agosto. A equipe de reportagem perguntou se ele saberia explicar o trabalho da Defesa Civil na cidade.

“Sei o que eles deveriam fazer, nas enchentes, essas coisas. Devia tirar o pessoal das encostas, casas em risco. Vêm os Bombeiros aqui quando o rio enche. Mas ensinar como fazer? Passa muito na televisão que eu vejo, mas aqui nunca vi isso não. Sou natural, filho de Satuba e nunca vi não. É importante fazer isso e bom para o povo, mas aqui não tem.”, reclama.

Questionado sobre as ações de uma Defesa Civil, o servidor público Denival Marques, de 35 anos, diz que sabe o que deveria ser feito. O trabalho preventivo em escolas e a realização de simulações, segundo ele, nunca foram feitos na cidade.

“Aqui não tem esse negócio de ação nenhuma. Aqui nunca vi uma simulação, com certeza prevenir uma tragédia é o correto a fazer. Nunca teve aqui. Para a gente dizer aqui que teve alguma coisa de Defesa civil, nunca vi não”.

SANTA LUZIA DO NORTE

Na cidade de Santa Luzia do Norte, o coordenador de Defesa Civil do município não foi localizado para falar com a reportagem. Funcionários da prefeitura informaram que ele estaria em uma capacitação na Paraíba. Apesar de informado da necessidade do contato, até o fechamento da edição não houve retorno.

Na localidade chamada Porto, uma das áreas de risco do município, pois fica próxima às margens da Lagoa Mundaú, moradores antigos da região detalham as diversas enchentes pelas quais passaram.

Dona Lenilce Correia dos Santos, de 70 anos, diz que sempre morou na Rua do Mercado. Numa rápida lembrança, ela contabiliza seis grandes enchentes presenciadas. Vividas sem orientação do poder público.

“Quando enche, eles vêm, quando não enche, eles não vêm. Ultimamente não vieram dizer nada, mas quando a gente vê enchendo, se prepara. Quando vê na televisão que tem muita chuva em Maceió, a gente já começa a tirar as coisas. A distância da lagoa é pouca, mas dá tempo de sair antes de encher tudo”, expõe.

A idosa diz que a opção de morar na região é necessária, pois o sustento da família dependeu durante muitos anos da coleta de sururu.

“Há muitos anos que eu moro aqui nessa rua. Eu fico cismada quando tem muita chuva, mas desde menina que moro aqui e já estou acostumada”, conta.

Uma das casas da rua não suportou a intensidade das chuvas. O morador saiu do local e não foi localizado pela reportagem. Segundo os vizinhos, ele deixou a residência por conta própria.