Cidades

MPF de Alagoas busca garantir acessibilidade à carreira de piloto de avião

ANAC não pode negar licença a piloto de avião apenas por ser surdo

Por Ascom / MPF-AL 28/03/2017 12h00
MPF de Alagoas busca garantir acessibilidade à carreira de piloto de avião
Reprodução - Foto: Assessoria

O Ministério Público Federal em Alagoas (MPF/AL) ajuizou, na segunda-feira (27), ação civil pública (ACP) contra a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), a fim de garantir total acessibilidade à carreira profissional de piloto de aviação civil, às pessoas com deficiência auditiva. A ação foi distribuída à 13ª Vara da Justiça Federal em Alagoas.

A ação movida pela procuradora da República Niedja Kaspary derivou de Inquérito Civil nº 1.11.000.001186/2014-99, instaurado para apurar notícia de que a ANAC impossibilitaria o ingresso de pessoas com deficiência auditiva total na carreira profissional de piloto de aviação. O Regulamento Brasileiro da Aviação Civil n.º 67, quando trata da concessão de Certificado Médico Aeronáutico (CMA), estabelece que o candidato a obter licença de piloto deve ser capaz de ouvir uma voz em intensidade normal em, pelo menos, um dos ouvidos.

No entanto, o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015) prevê que deve ser garantido à pessoa com deficiência a total acessibilidade em sua ascensão profissional, sem restrição ou mesmo qualquer discriminação em razão de sua condição, inclusive nas etapas de recrutamento, seleção, contratação, admissão, exames admissionais e periódicos.

Na instrução do inquérito civil, o representante rebateu a alegação da ANAC de que “as comunicações data link e as por voz coexistirão por um longo período”, uma vez que, segundo o representante, a Europa está desligando todo o sistema de rádio para as comunicações entre as torres de controle e as aeronaves, substituindo pelo sinal digital, salientando que a ANAC e o Brasil são signatários de convenção pela qual eles estão obrigados a até 2016 implantar em todos os aeroportos o sistema data link, que é o envio de mensagens de texto, ao invés do rádio, o qual, inclusive, é mais seguro.

Durante a instrução do procedimento, foi expedida a Recomendação n.º 21/GNK/PRAL/2015 à ANAC, para que a autarquia adotasse medidas para garantir a total acessibilidade no processo e na concessão de licença e habilitação de piloto de aviação aos candidatos com deficiência, porém não houve resposta por parte do órgão, razão pela qual o MPF ingressou com ação judicial.

A ação civil pública ajuizada ressalta preceitos fundamentais da Constituição Brasileira que garantem ao portador de surdez a inclusão no mercado de trabalho de acordo com suas necessidades especiais. O MPF pretende, assim, garantir o direito de candidatos surdos à carreira de piloto de aviação civil a obterem licença para pilotar.

Por meio da ação, o MPF busca que seja determinado à ANAC a disponibilização de intérpretes de Libras para auxiliar os candidatos surdos na realização de todas as provas teóricas/práticas e demais avaliações, e que implemente os mecanismos necessários, em seu portal na internet, para possibilitar o requerimento de intérprete de Libras por ocasião da inscrição para o processo de obtenção de licença para pilotar, sem nenhum custo adicional.

Por fim, a representante do MPF busca ainda que a ANAC se abstenha de negar a emissão de licença ou autorização para pilotar a requerentes surdos, unicamente com base no RBAC n.º 67, de modo a permitir a obtenção de licença de pilotagem a pessoas surdas, desde que aprovadas nas demais provas, devendo, com isso, ser emitida licença com anotação de restrição para voos em condições que exija comunicação via rádio, salvo quando em companhia de piloto não surdo, tomando tal circunstância como adaptação no ambiente de trabalho.

Para Niedja Kaspary, “piloto e copiloto têm a mesma formação, sendo que a única barreira imposta à pessoa surda é de se comunicar com a torre de controle, tarefa que pode ser executada pelo profissional não surdo a bordo, não sendo imprescindível que ambos tenham capacidade auditiva”.

A representante do MPF destaca que a emissão de licença com anotação de restrição não é novidade, pois é prevista no art. 39 da Convenção de Chicago sobre Aviação Civil, incorporada ao direito brasileiro desde 1946, tratando-se de medida aplicável ao caso de pilotos com deficiência auditiva, não podendo a surdez ser considerada incapacitante, sobretudo quando satisfeitas às demais condições, sob pena de excluir do mercado de trabalho, sem justificativa razoável, jovens competentes e em plena capacidade laboral.

A procuradora ressalta ainda a garantia de segurança nos voos, pois “na remota hipótese de piloto ou copiloto não-surdo ficar impossibilitado de pilotar o avião, não haveria dificuldade de ser atribuído um código ao transpônder, identificando a aeronave que está sendo operada unicamente por um piloto surdo, semelhante ao código de 'falha de comunicação', sendo perfeitamente possível a orientação pelo radar para um pouso de emergência”.

Legislação

As medidas estão previstas nos artigos 27 e 28, inciso IV e § 2º, da Lei n.º 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), que prevê que “A educação constitui direito da pessoa com deficiência, assegurados sistema educacional inclusivo em todos os níveis e aprendizado ao longo de toda a vida , de forma a alcançar o máximo desenvolvimento possível de seus talentos e habilidades físicas, sensoriais, intelectuais e sociais, segundo suas características, interesses e necessidades de aprendizagem”, bem como que o poder público deve implementar pesquisas voltadas para o desenvolvimento de novos métodos e técnicas pedagógicas, de materiais didáticos, de equipamentos e de recursos de tecnologia assistiva.

Já o art. 37 do Estatuto prevê que “constitui modo de inclusão da pessoa com deficiência no trabalho a colocação competitiva, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, nos termos da legislação trabalhista e previdenciária, na qual devem ser atendidas as regras de acessibilidade, o fornecimento de recursos de tecnologia assistiva e a adaptação razoável no ambiente de trabalho”.

A ação civil pública 0803506-35.2017.4.05.8000 está tramitando na 13ª Vara Federal de Alagoas.