Cidades

Centenas de crianças e idosos passam noite de Natal em abrigos em Alagoas

Elas encontram em desconhecidos o sentido da solidariedade em dias que antecedem a data

Por Tribuna Independente 24/12/2016 08h58
Centenas de crianças e idosos passam noite de Natal em abrigos em Alagoas
Reprodução - Foto: Assessoria

A esperança no olhar desolado de crianças e idosos que estão abrigados no município de Maceió renasce nos dias que antecedem a chegada do Natal. Muitos deles, abandonados pela família encontram em pessoas desconhecidas o sentido da palavra solidariedade. Na capital, centenas de crianças, adolescentes e idosos passarão a noite natalina em abrigos, acompanhados de monitores por não possuírem um lar.

A psicóloga Luciana Vieira explica que há um misto de sentimentos entre crianças, adolescentes e idosos, mas que a época do ano costuma ser bem pior para os de mais idade. “As reações são diferentes, o idoso sofre mais porque tem mais consciência do abandono, chora e expõe a tristeza pelo abandono familiar. Abala pela maturidade ser maior que a da criança. Muitos falam que fizeram tanto pela família e o resultado foi o abandono. Outros reclamam que a família só queria se aproveitar da aposentadoria deles. A criança também sofre, mas consegue minimizar mais com a diversão. Porém, também ficam tristes com o entardecer quando a ocupação vai cessando”, observou.

Dona Maria Muniz Barros, de 67 anos, é um desses idosos, que lamenta a ausência de sua sobrinha que só a visita uma vez por ano. Fala com entusiasmo dos abraços calorosos que recebe dos grupos que visitam o abrigo, mas gostaria de ser mais bem acolhida pelos seus. “Nem sei direito quantos dias minha sobrinha aparece para me ver. Minha irmã ficou doente e não consegue andar com as próprias pernas. Minha alegria é quando chegam pessoas para nos visitar, mesmo desconhecidas são sempre bem-vindas”, colocou.

A coordenadora da casa de Acolhimento Mãe das Graças, Cícera Lisboa, contou que são 42 idosos no total na instituição, sendo 39 mulheres e três homens. Todos com histórias distintas, porém com as mesmas causas, sobretudo abandono familiar.

“Sandra, de apenas 28 anos, é uma das histórias comoventes. Ela vivia amarrada num coqueiro no fundo do quintal da casa junto com os outros animais. Ela tem muitas sequelas e traumas. Tem muito medo de tudo. Quando Sandra chegou ao abrigo fazia dó. Ela comia de tudo, como se fosse irracional. Entrava no banheiro, comia papel higiênico e tudo o que visse pela frente”.

Sandra chegou ao abrigo por meio de denúncia de vizinhos. Foi abusada pelo padrasto e a mãe tem o vício do alcoolismo. Quase nunca recebe visita desta mãe, segundo Cícera Lisboa, e quando acontece, a genitora aparece embriagada.

A coordenadora disse ainda que muitas delas são abandonadas pela família na porta do abrigo. Elenice, que está na casa há quatro anos, chegou num dia de chuva toda encharcada, trazida por um irmão que exigia que a coordenação a acolhesse porque do contrário seria abandonada na rua. “Ela é um caso interessante também, sabe ler, escreve bem, nos ajuda no bazar, passa troco, vende bem direitinho”.

Idosa analfabeta recita versos e poemas

Albani dos Santos, 40 anos, quando avistou a reportagem se empolgou e frisou que embora não soubesse ler fazia poemas, ela recitou um trecho: “Eu te amo de verdade. Acredite se quiser. Eu amo é você e não outro qualquer... Se saudade matasse assim como me faz sofrer, eu já teria morrido de saudade de você”.

A mãe de Albani tentou matá-la quando ela ainda era criança e, desde então, foi abandonada. “Minha mãe e meu irmão moram em São Paulo, mas não quero vê-los, ela tentou me matar quando eu tinha 7 anos. Passei um tempão no Hospital Portugal Ramalho, uns 30 anos, eu acho. Gosto das pessoas que me visitam, a presença delas é ótima”, destacou.

Embora não saiba ler, Albani dos Santos, compõe poemas (foto: Evellyn Pimentel)

 

Uma outra idosa, Dona Josefa Souza, de 68 anos, tem esperança da nora e do neto a visitar. Ela foi deixada no abrigo após o seu filho falecer. “A nora dela teve dificuldades financeiras e o neto se envolveu com drogas, é dependente químico. Enfim, dona Josefa mora com a gente a cerca de 6 anos, quase o tempo da fundação da casa de acolhimento”, observou Cícera Lisboa.

A coordenadora comenta que o abrigo funciona exclusivamente de doações voluntárias e infelizmente se esvazia nos meses que não são comemorativos. “O fluxo cresce na Semana Santa, Dia das Crianças e Natal. Não que não haja movimento nos outros meses, mas é bem menor. Quem nos visita mais são os grupos religiosos, principalmente os espiritas”, mencionou.

Conforme a coordenadora da casa de Acolhimento Mãe das Graças, as visitas são importantes para as idosas, no sentido da interação com pessoas diferentes. “É importante. Aliás, elas se sentem importantes e alivia um pouco o sentimento de profunda tristeza pelo abandono sofrido pelos familiares. Elas amam ganhar presentinhos, principalmente enfeites de cabelo, brincos, colares. São acima de tudo vaidosas”, completou.

“Crianças choram quando não recebem visitas”

Dezenas de crianças que vivem no abrigo Instituto Acolher, em Maceió, não escondem a alegria da presença de pessoas na casa onde moram. O coordenador Amaro Jorge Silva, contou que é penoso no dia em que não aparece ninguém. Na Noite de Natal, aquelas que não passarão com seus padrinhos, sofrem ao entardecer quando cessam os passeios e festas do dia.

“Eles choram muito, ficam tristes e mal-humorados. Costumo dizer que esta é a melhor época do ano para eles. A casa sempre recebe pessoas ou grupos organizados que fazem atividades, recreação, brincadeiras, distribuem lanches, presentes, e eles se esbaldam. É uma forma de esquecer o que já passaram. Embora a vida tenha sido ainda pouco vivida, eles já carregam muita tristeza com o abandono dos pais”, disse Jorge Silva. “No Dia das Crianças e a na Páscoa, a quantidade de pessoas cresce bastante. Mas no restante do ano, é bem esporádico”.

Uma das principais causas das crianças estarem no abrigo é a desestruturação familiar. “Muitos vieram da rua, onde os pais fazem a sua morada. Alguns até têm casa que ganha do governo, mas fecham e preferem estar nas ruas, se acostumaram, virou uma rotina de cultura dessas pessoas, e os filhos seguem, pedem esmolas, roubam e até se prostituem”, revelou.

Uma dessas crianças é Alexandre, de 11 anos. Ele morava num prédio abandonado com a mãe e uma irmã adolescente. Quando a mãe faleceu, o Conselho Tutelar os acolheu e os encaminhou para abrigos em Maceió. “O Alexandre é muito inteligente. Aprendeu a ler sozinho. É peralta como toda criança com energia, mas tem um histórico triste, assim como a maioria dos que estão aqui”, ressaltou o coordenador Jorge Silva. “Pobreza não é motivo de abandono, mas é o que a gente vê nas ruas, principalmente de meninas”, disse.

Yago da Silva, hoje com17 anos, foi abandonado pela mãe aos 5 anos. Ele contou que tem esperança de, quando atingir a maior idade, ir morar com ela. “Minha mãe perdeu a minha guarda porque era usuária de drogas. Ela se arrepende. Sei que não foi culpa dela. Quero estudar para ser alguém na vida e ajudá-la. Ela vem me visitar e fico muito feliz. Às vezes a gente tem umas discussões, mas é normal. Eu amo demais a minha mãe”, concluiu.

Abrigos mantidos ou conveniados

Raquel Mesquita, da Diretoria de Gestão da Informação da Secretaria Municipal de Assistência Social (Semas) explicou que atualmente a Prefeitura de Maceió mantem três abrigos para crianças e adolescentes entre 0 a 17 anos. Cada abrigo possui cerca de 60 menores, distribuídos no Abrigo Rubens Colaço, Luzinete Soares de Almeida e Instituto Acolher.

Outras entidades que o Município presta serviço por meio de convênios só que de forma indireta, abrigam hoje aproximadamente mais outras 60 crianças e adolescentes, são eles: Abrigo Deus Proverá, Lar da Menina, Lar Batista Marcolina Magalhães e Casa Lar em Aldeias.

Três abrigos de idosos também recebem o apor-te da Prefeitura de Maceió através da Semas para beneficiar 192 idosos, sendo 137 dependentes (necessitam de maior atenção) e 55 independentes. As entidades são Abrigo São Vicente de Paula, Casa Luiza de Marilac e Francisco de Assis.

Raquel Mesquita frisou que o número de abrigos para crianças, adolescentes e idosos é superior ao informado, mas que não estão aptos a receber convênio por alguma particularidade pendente, seja na documentação, por exemplo, entre outras situações.