Cidades

Caso de intolerância religiosa tem inquérito aberto e oitivas iniciam na 2ª (31)

Delegada Maria Tereza, do 8º e 21º DP, é a responsável pela investigação

24/10/2016 18h04
Caso de intolerância religiosa tem inquérito aberto e oitivas iniciam na 2ª (31)
Reprodução - Foto: Assessoria

A Polícia Civil de Alagoas abriu inquérito no final da semana passada para apurar um suposto caso de intolerância religiosa que terminou com a ialorixá Cristiane da Silva ferida com três estilhaços de chumbo no pulmão. Ela foi atingida após um disparo de espingarda 12 ser deflagrado na porta da Casa de Axé de Pai Janerson, localizada na Avenida Mundaú, no conjunto Frei Damião, no bairro do Benedito Bentes. A delegada encarregada das investigações é Maria Tereza, do 8º e do 21º DP. Ela relatou na tarde desta segunda-feira (24) que começa a ouvir as testemunhas na próxima segunda-feira (31) e que um retrato falado do suspeito deve ser elaborado para facilitar a busca pelo autor do crime, ocorrido durante festividades de Cosme e Damião, em 25 de setembro deste ano.

A delegada, acompanhada do promotor Flávio Gomes, do Ministério Público de Alagoas, visitou a Casa de Axé de Pai Janerson na tarde desta segunda para entender in loco como ocorreu o caso. Maria Tereza coletou os nomes das testemunhas e informou que vai solicitar a ida do Instituto de Criminalística para realizar a perícia, além do teste de balística nos projéteis que fizeram 35 buracos no portão.

A delegada relatou que é difícil no momento encontrar o autor do crime. Ela vai conversar com as testemunhas sobre a elaboração de um retrato falado, mas ressaltou que qualquer pessoa que tiver informações sobre o caso deve entrar em contato com o Disque Denúncia, através do número 181. O sigilo é garantido.

(Foto: Sandro Lima)

Apenas um disparo causou aproximadamente 35 buracos no portão

Pai Janerson, dono da casa, e Pai Manuel de Choroquê contaram em pormenores à delegada e ao promotor como tudo aconteceu. Pai Manuel relatou que Pai Janerson mora no local há algum tempo, mas que a inauguração da Casa de Axé ocorreu somente no dia 25 de setembro, mesma data em que se comemoraram as festividades de Cosme e Damião e a iniciação de um Filho de Santo.

As festividades ocorreram de 14h30 até às 18h30 do referido dia. A ialorixá Cristiane da Silva chegou ao final das festividades e sentou-se de costas para um portão de metal que funciona como se fosse uma entrada de garagem. No momento, muitas crianças frequentavam o local por conta das festividades.

Ao término da celebração, as pessoas se despediam na porta da casa quando um casal supostamente de evangélicos avistou as pessoas vestidas com roupa de candomblé. O homem do casal então falou: “Está amarrado em nome de Jesus”. Pai Manuel relata que o grupo então retrucou: “Axé”. “Ele disse assim: ‘vocês vão queimar no fogo do inferno’ e ficou gritando. Os meninos então disseram ‘se você não respeitar o nosso axé, como é que a gente vai respeitar o seu amém?’”, descreveu Pai Manuel.

O homem saiu então dizendo que eles veriam “o que era axé”. Depois de algum tempo, o suspeito voltou na garupa de uma motocicleta com a espingarda na perna, nem chegou a descer. Passavam vários evangélicos no momento e o indivíduo armado ordenou que as pessoas saíssem da frente, apontou para o portão de metal e atirou uma vez, atingido as costas da ialorixá.

(Foto: Sandro Lima)

Cristiane da Silva estava sentada de costas para o portão e os estilhaços do disparo atingiram seu pulmão

Pai Manuel relata que após a ialorixá ser atingida e enquanto aguardava socorro, mais de 20 evangélicos passaram pelo local e ninguém ofereceu ajuda. “O povo do candomblé, a pessoa pode ser católica, pode ser quem for, a gente ajuda. Eles só apontam pra julgar. Muitos passaram e nem olharam para a cara dela. Eu acho que o que aconteceu foi pura intolerância religiosa. Os pastores deviam se preocupar mais em educar os seus fiéis pra não ter preconceito, pra respeitar. Daqui a pouco vai ter guerra santa se a Justiça não cair em cima”, encerrou.

Pai Janerson falou que tem medo de ir e vir à sua própria casa. “Não devo nada a ninguém, mas tenho muito medo de chegar, de sair”, revelou.

O promotor Flávio Gomes relatou que o órgão estadual não compactua com qualquer forma de violência. “Nós não concordamos e não participamos. Entendemos que um atentado como este é contra a vida, independente de qualquer orientação, qualquer fato, a vida tem que ser preservada”, informou.