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Mudanças climáticas são traduzidas em impactos no dia a dia em debate promovido pelo iCS no Centro do Rio, durante a Rio Climate Action Week

Evento ‘Esse tal do Efeito Estufa’ reuniu cientistas, o multiartista Criolo e a campeã da juventude Marcele Oliveira para aproximar o tema da sociedade

Por Assessoria 28/08/2025 14h11 - Atualizado em 28/08/2025 17h28
Mudanças climáticas são traduzidas em impactos no dia a dia em debate promovido pelo iCS no Centro do Rio, durante a Rio Climate Action Week
Encontro debate mudanças climáticas - Foto: Reginaldo Pimenta / Assessoria

Mais de 100 pessoas se reuniram nesta terça-feira (26), na Casa Brasil, no Centro do Rio, para o debate “Esse tal do Efeito Estufa”, promovido pelo Instituto Clima e Sociedade (iCS). O encontro, que fez parte da agenda oficial da Rio Climate Action Week, discutiu os impactos das mudanças climáticas no cotidiano da população. A ativista climática e campeã de juventude da COP30, Marcele Oliveira, conduziu a conversa com a líder do comitê científico da COP30, Thelma Krug, o professor da FGV Eduardo Assad, o médico patologista Paulo Saldiva, da USP, e o multiartista Criolo.

A proposta do encontro foi mostrar que a crise climática não é um debate restrito a acadêmicos, mas sim uma questão concreta, com efeitos já percebidos no dia a dia: do aumento do preço dos alimentos e do impacto na saúde física e mental até a ocorrência de secas, enchentes e o crescimento da violência doméstica em ondas de calor.

O primeiro tema discutido foi o impacto da crise climática na moradia e na saúde. Professor da Faculdade de Medicina da USP, Paulo Saldiva ressaltou que, em dias de calor extremo, quando a temperatura sobe cerca de 2,5%, o risco de morte natural aumenta em 50%. Ou seja, durante uma onda de calor, a mortalidade cresce de forma significativa. Ele explicou que esse efeito se intensifica, entre outros motivos, porque muitas pessoas passam longos períodos se deslocando para o trabalho, sem condições adequadas de cuidar da própria saúde. A própria casa, em especial da população vulnerabilizada, também é um desafio.

“Num dia de calor, por exemplo, pense em uma residência simples, em que o morador construiu um segundo piso sobre a laje. Essa estrutura retém o calor, que pode chegar a 60 ou 70 graus dentro do imóvel, algo quase insuportável”, explicou o especialista.

Durante a conversa, Criolo ressaltou que nem todas as pessoas sofrem da mesma forma os efeitos das mudanças climáticas, já que comunidades de baixa renda, por exemplo, têm menos acesso a moradias de qualidade ou opções de saúde e transporte. E cantarolou um trecho da música “Barracão de Zinco”, composição de Luís Antonio e Oldemar Magalhães, ao lembrar da sua casa na infância, um barraco com telhado de zinco.

Emergências visíveis e invisíveis


Professor do FGVAgro, Eduardo Assad destacou como a resiliência dos ecossistemas tem evitado que os efeitos sociais da crise climática sejam ainda mais severos. A relação entre meio ambiente e saúde pública é direta, e passa também pelo saneamento básico, como ele fez questão de ressaltar: “O melhor médico que existe é o engenheiro sanitarista, porque é ele quem garante a qualidade da água e do esgoto. Hoje, menos da metade da população brasileira tem acesso à rede de esgoto. Se essa realidade fosse diferente, a incidência de doenças como diarreia seria muito menor”.

Criolo fez uma reflexão pessoal sobre como as questões ambientais e de saúde atravessaram a vida de sua família.

“Meu pai tem diabetes e asma crônica, pois trabalhou 25 anos em uma metalúrgica, na parte de caldeiraria (que emite gases tóxicos e efluentes poluentes). O hipotálamo do meu pai já estava ‘frito’ aos 30 anos de idade. A gente morou oito anos num barraco de zinco. Tínhamos um poço e um banheiro para dez barracos: a nossa água, que achávamos que era limpa, estava ao lado do esgoto que descia o morro. Quando penso em como meus pais sobreviveram, lembro que não existe só a emergência da emergência, mas também aquela emergência que a gente nem sabe que está acontecendo”, relatou.

Saldiva afirmou ainda que os efeitos das mudanças climáticas não se limitam ao corpo, mas atingem também a saúde mental. “Um estudo global publicado na revista Nature mostrou que ondas de calor estão associadas ao aumento da violência interpessoal. Uma das razões para isso é porque, no calor, a qualidade do sono cai, e poucas coisas afetam tanto o humor quanto noites mal dormidas. O calor intenso ainda interfere no funcionamento do hipotálamo, região do cérebro responsável por regular a temperatura corporal, o que pode provocar irritabilidade e alterar o comportamento”, destacou.

A relação entre meio ambiente e segurança alimentar também entrou em pauta. Eduardo Assad lembrou que, embora o Brasil seja um gigante agrícola, os impactos sociais e ambientais revelam contradições profundas.

“O nosso país é o segundo maior produtor de alimentos do mundo, e ainda assim temos gente passando fome. Não é um problema de produção, e sim de distribuição”, comentou Assad. A reflexão foi reforçada por Paulo Saldiva, que trouxe um exemplo do cotidiano da saúde pública: “Vejo isso com meus alunos de Medicina: como você vai receitar uma lata de leite sem lactose que custa R$ 250 para uma família que não tem sequer o que comer? Se colocar no lugar do outro é um bom exercício”.

A cientista Thelma Krug lembrou que o Brasil, durante muito tempo, evitou discutir a adaptação climática por considerar que isso significava abrir mão da esperança em medidas ambiciosas de mitigação.

“Hoje, isso (falar de adaptação) é inevitável. Adaptar-se é muito mais complexo do que mitigar: enquanto os efeitos de ações como reduzir o consumo de carne ou plantar árvores podem ser medidos, na adaptação nem sempre sabemos ao que teremos de nos ajustar. E não se trata apenas de responder ao que já está acontecendo, mas de projetar os riscos futuros, quando a situação pode piorar”, afirmou Thelma, se referindo aos efeitos das mudanças climáticas caso o mundo não consiga limitar o aumento da temperatura em até 1.5 grau Celsius.

Criolo ressaltou como a desvalorização do conhecimento e da educação afeta não apenas a ciência, mas também a construção de uma sociedade mais justa.

“Houve um tempo em que se dizia que estudar era feio, que cientista não servia para nada, e que refletir sobre direitos civis e sobre a construção de uma sociedade mais justa era perda de tempo. Esse pensamento cria um muro, não tão invisível, que dilacera o trabalho acadêmico e as trajetórias de vida daqueles que se dedicam a pensar no coletivo. Há um esforço sistemático de desvalorização dos professores da escola pública, e isso compromete o futuro de todos nós”, declarou.

Tragédia do RS e justiça climática


Ao falar sobre o papel da ciência diante da crise climática, Assad ressaltou a importância da pesquisa como ferramenta de prevenção: “O que os cientistas fazem é se antecipar aos fatos. Estudamos para mostrar que é possível evitar determinados problemas. Em 2007, por exemplo, nossa equipe de pesquisa alertou que haveria um desastre no Rio Grande do Sul. Quando a tragédia se confirmou, fiquei bem abalado, pois foi uma irresponsabilidade que poderia ter sido evitada”.

Ao abordar os desafios da governança climática, Thelma Krug chamou atenção para a distância entre os conceitos discutidos e a realidade prática.

“Termos como justiça climática, transição justa e equidade ganharam espaço nos últimos anos, mas, na prática, ainda permanecem no papel. O que mais se observa é a injustiça climática: como aceitar que o maior emissor do planeta fique de fora de negociações e não assuma compromissos de redução?”, questionou, referindo-se aos Estados Unidos.

A cientista ressaltou ainda a necessidade de também pensar a transição energética e adaptação climática a partir de diferentes ângulos. “Como assegurar que famílias que, por exemplo, vivem da exploração do carvão há décadas consigam se adaptar e encontrar alternativas de renda em novas condições? Esse é um dos maiores desafios da mudança do clima, que é, em essência, um problema global”, completou.

Ao encerrar o encontro, a mediadora Marcele Oliveira destacou a importância de transformar a angústia coletiva em reflexão e ação.

“Nos reunimos aqui para falar desse tal de efeito estufa, mas também sobre a responsabilidade compartilhada e sobre essa angústia. Cada um trouxe essa sensação à sua maneira: por meio da arte, da ciência, ou mesmo da palavra. O que não dá é para ignorar que algo sério, que exige respostas sérias, está acontecendo. Essas respostas podem vir de eleições, de conferências, congressos, mas, principalmente, da gente. Não viemos aqui para trazer respostas prontas, mas sim para provocar, para pensar junto”, concluiu Marcele.

Sobre o Instituto Clima e Sociedade


O iCS é uma organização filantrópica que apoia o enfrentamento das mudanças climáticas, com foco no Brasil, por meio do emprego de um rol amplo de abordagens e ferramentas que vão desde o apoio institucional e financeiro a organizações sem fins lucrativos, passando por apoio ao desenvolvimento de pesquisas técnicas e científicas, formação de redes e desenvolvimento de capacidades em diferentes segmentos econômicos da sociedade brasileira.

Com uma rede relevante e diversa de parceiros e stakeholders, o iCS fomenta a construção de pontes entre diferentes setores e a promoção de diálogos e trocas entre ecossistemas, buscando ampliar a conexão e reduzir as abordagens em silos. O Insituto Clima e Sociedade entende que essa abordagem sistêmica é essencial para que a descarbonização da economia brasileira se traduza em oportunidades de desenvolvimento socioeconômico do país.

Criado logo após o Acordo de Paris, em 2015, o iCS, em conjunto com parceiros e donatários, vem construindo um acervo de experiências e conhecimento útil para o avanço da agenda climática e a melhoria da qualidade de vida da população brasileira.