Brasil

Caso Miguel: 'Ela é um monstro, uma pessoa fria e calculista', diz mãe do menino

Primeira-dama de Tamandaré, Sari Corte Real, que estava responsável pelo menino quando ele caiu do 9º andar, prestou depoimento nesta segunda (29) e saiu do local sem falar com a imprensa, em uma viatura da polícia

Por G1 29/06/2020 15h22
Caso Miguel: 'Ela é um monstro, uma pessoa fria e calculista', diz mãe do menino
Reprodução - Foto: Assessoria

"Ela não demonstrou arrependimento nenhum. Ela é um monstro, uma pessoa fria e calculista", disse Mirtes Souza, mãe de Miguel Otávio, que morreu após cair de um prédio de luxo no Recife em 2 de junho. A declaração foi dada nesta segunda (29), ao sair da delegacia de Santo Amaro, onde a ex-patroa dela e primeira-dama de Tamandaré, Sari Corte Real, que estava responsável pelo menino quando ele caiu do 9º andar, prestou depoimento à polícia.

Durante a saída de Mirtes, houve tumulto em frente à delegacia. A população que se reuniu em frente ao local fez um protesto, e dois policiais saíram da delegacia para conter a manifestação.

Por volta das 8h20, a mãe de Miguel chegou ao local e declarou que esperaria até a ex-patroa sair da delegacia para "dizer uma verdade na cara dela". Assim que houve sinal do fim do depoimento, Mirtes Renata de Souza ficou diante da porta da delegacia, abraçada com o retrato do filho. Às 10h50, a mãe do menino foi autorizada a entrar no local, acompanhada de um advogado.

"Ela não me pediu desculpas. Disse que eu não tinha obrigação nenhuma de cuidar dos filhos dela", afirmou Mirtes, após ter falado extraoficialmente com Sari dentro da delegacia. Mirtes afirmou, ainda, ter falado com o marido de Sari, o prefeito de Tamandaré, Sérgio Hacker (PSB). "Ele disse que podia contar com ele se estivesse precisando de algo. Meu problema não é com ele, é com Sari. Ela disse que não apertou o botão", declarou.

Avó de Miguel e mãe de Mirtes, a empregada doméstica Marta Santana também foi até a delegacia. "Ela deixou o menino, ela apertou o botão, não tem como ela negar isso. Ela só tem que pagar pelo que ela fez. Se fosse filho dela, ela não teria feito isso", disse. Parentes de Miguel também ficaram do lado de fora da delegacia e chegaram a sentar diante do carro de Sari.

Normalmente, a Delegacia de Santo Amaro abre apenas às 8h, mas abriu mais cedo nesta segunda. Sari chegou ao local por volta das 5h50. "Dinheiro fala muito mais alto, tanto é que a delegacia abriu mais cedo para ela", disse a avó de Miguel. Segundo a Polícia Civil, a antecipação foi a pedido dos advogados, por questões de segurança.

Segundo um comissário que estava no local, o depoimento de Sari terminou por volta das 12h. Mirtes saiu do local pouco depois das 13h, acompanhada pelo advogado. A saída da ex-patroa ocorreu por volta das 14h30.

Sem falar com a imprensa, Sari saiu do local sob xingamentos da população e gritos de "assassina". Por conta da presença das pessoas na área, a Polícia Civil montou um esquema diferente para a saída da primeira-dama de Tamandaré, deixando uma viatura na porta da delegacia. Ela entrou na viatura, mas as pessoas tentaram impedir a partida do veículo.

Algumas pessoas ficaram na frente da viatura, e outras deram tapas na carroceria do veículo. Após alguma dificuldade, os policiais conseguiram tirar Sari do local. O carro particular da primeira-dama de Tamandaré seguiu logo atrás, com parentes dela e advogados, escoltados por outra viatura policial.

Homicídio culposo

No dia em que Miguel caiu, a primeira-dama de Tamandaré foi autuada em flagrante por homicídio culposo, pagou fiança e responde em liberdade.

Imagens do circuito interno do prédio mostraram que a ex-patroa parece enviar o garoto, no elevador, para andares superiores, enquanto ele perguntava pela mãe, que tinha descido para passear com os cachorros de Sari.

Segundo a perícia, Miguel caiu de uma altura de 35 metros, no dia 2 de junho. Mirtes estava passeando com a cadela da família dos ex-patrões quando tudo aconteceu.

Outros depoimentos

Na quinta-feira (25), Mirtes Renata Santana de Souza, mãe do menino, prestou depoimento na mesma delegacia e saiu sem conceder entrevista. A avó materna da criança, Marta, também esteve na delegacia. Além da doméstica, mais sete pessoas foram ouvidas sobre o caso.

Na sexta (12), a Polícia Civil ouviu depoimentos de Tomaz Silva, gerente de operações do Pier Maurício de Nassau, edifício onde ocorreu o acidente; e de Eliane Lopes, manicure que estava no apartamento de Sari no momento em que Miguel caiu.

O ex-síndico do prédio e o porteiro foram ouvidos na quarta-feira (10). Na ocasião, o ex-síndico Carlos Lopes relatou que o prédio seguia todas as normas de segurança necessárias.

A Polícia Civil informou que deve se pronunciar sobre o caso ao final das investigações. O inquérito tem duração de 30 dias, podendo ser prorrogado pelo mesmo período.

Caso Miguel

Na tarde do dia 2 de junho, a mãe de Miguel, Mirtes Renata Santana de Souza, havia descido do apartamento de Sari para passear com a cadela da família e deixou o filho aos cuidados de Sari. O menino entrou no elevador de serviço, e a patroa da mãe aperta o botão que leva à cobertura.

Sozinho, ele apertou vários botões. Parou primeiro no sétimo andar, mas não desceu. Subiu mais dois andares, saiu e abriu uma porta. Apenas um minuto depois, ele caiu no térreo. De acordo com a perícia, a queda foi de uma altura de 35 metros.

As câmeras de segurança registraram que, antes de subir sozinho, Miguel entrou outras quatro vezes nos elevadores e foi convencido por Sari a sair. Na segunda-feira (8), os peritos voltaram ao prédio e foram categóricos: “Foi acidental”, disse o perito criminal André Amaral, do Instituto de Criminalística de Pernambuco.

Sari foi autuada em flagrante por homicídio culposo, quando não há intenção de matar, e pagou fiança de R$ 20 mil para responder ao processo em liberdade. Em nota, o advogado afirmou que a ex-patroa de Mirtes aguarda a intimação para depor e que ela está profundamente abalada e que é solidária ao sentimento da família.

Protestos e homenagens

O caso ganhou repercussão nacional, com manifestações de políticos e artistas na internet e criação de um abaixo-assinado virtual com mais de 2,5 milhões de assinaturas pedindo justiça.

[caption id="attachment_384493" align="aligncenter" width="600"] Manifestantes deitaram na rua, na frente do prédio onde Miguel Otávio caiu do 9º andar, durante protesto, nesta sexta (5)P, no Centro do Recife (Foto: Pedro Alves/G1)[/caption]

Na sexta-feira (12), durante um ato em frente ao prédio de onde Miguel caiu, manifestantes levaram cartazes com pedido de justiça e caminharam até a delegacia onde o caso é investigado. Lá, exigiram que a ex-patroa da mãe do menino seja punida por homicídio doloso, quando há intenção de matar, e não culposo, como entendeu a polícia.

Na terça-feira (9), artistas pediram justiça em um protesto em barcos no Rio Capibaribe, no Recife. No dia anterior, a segunda-feira (8), uma missa de sétimo dia foi celebrada virtualmente devido à pandemia da Covid-19.

No dia 7 de junho, outra homenagem a Miguel foi feita, mas em Tamandaré. Em 6 de junho, uma pintura com o rosto do menino foi feita na frente do prédio onde ocorreu o acidente. Em 5 de junho, um protesto reuniu centenas de pessoas em frente ao prédio onde vive a família dos ex-patrões de Mirtes, com forte participação do movimento negro.

Auxílio emergencial [caption id="attachment_380448" align="aligncenter" width="600"] Sari Gaspar Corte Real (Foto: Redes Sociais)[/caption]

O nome de Sari Gaspar Corte Real, primeira-dama de Tamandaré, aparece no portal Dataprev após um pedido de auxílio emergencial, benefício concedido durante a pandemia provocada pelo novo coronavírus.

Segundo o Dataprev, o auxílio emergencial foi solicitado no dia 14 de maio. O portal recebeu o pedido no dia seguinte e, até a manhã da terça (9), o requerimento está “em processamento”. Os dois filhos de Sari, de 6 e 3 anos de idade, estão cadastrados como parte do grupo familiar.

Procurado pelo G1, o advogado de Sari Gaspar Corte Real, Pedro Avelino, informou por telefone que a solicitação de auxílio emergencial feita em nome dela é uma fraude.

Funcionárias-fantasma

O Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco (TCE-PE) confirmou que a mãe e a avó de Miguel eram contratadas da Prefeitura de Tamandaré. Durante a apuração do caso, foi descoberta outra funcionária-fantasma que prestava serviços particulares à família do prefeito.

Os técnicos do TCE-PE fizeram uma visita à prefeitura de Tamandaré e constataram a contratação de Mirtes e Maria, além de Luciene Neves, que trabalha na casa de praia do prefeito. Segundo o o conselheiro do TCE, Carlos Porto, isso implica em improbidade administrativa por estar sendo usado servidores com recursos públicos em trabalhos particulares.

O prefeito Sérgio Hacker afirmou, em nota, que forneceu documentos ao TCE e ao Ministério Público de Pernambuco que demonstram que não houve prejuízo aos cofres públicos. Disse, ainda, que continuará contribuindo com as investigações.