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Preso suspeito de hackear mensagens tem passagens pela polícia e histórico de estelionato

Delgatti é suspeito de invadir celulares de autoridades, e já foi preso por documento falso, tráfico de substâncias e por usar carteira falsa de delegado de polícia.

Por G1 29/07/2019 08h48
Preso suspeito de hackear mensagens tem passagens pela polícia e histórico de estelionato
Reprodução - Foto: Assessoria

Araraquara - 210 mil habitantes. A cidade do interior de São Paulo que virou manchete no Brasil todo.

Os acusados de hackeamento: Walter, Danilo e o casal Gustavo e Suelen - todos de Araraquara. Durante a semana, o "Fantástico" esteve lá, em vários endereços, atrás de pessoas que conhecem os quatro acusados de hackear algumas das maiores autoridades do país.

"Eu sinceramente não sabia, não tinha esse conhecimento assim. Que ele podia fazer algo tão grande assim", afirma uma jovem que conheceu Walter Delgatti Neto, de 30 anos, o Vermelho, principal suspeito dos hackeamentos.

"Eu só sabia de um carro que ele tinha, BMW, mas eu sabia que ele tinha um, uma vida boa, assim, porque ele mesmo relatava. E ele falava que era herança. Ele só começou a fazer faculdade, né?", diz. "De Direito."

Segundo amigos, Walter chegou a cursar um ano de Direito. A jovem ouvida pelo "Fantástico" confirma a ligação de Vermelho com os outros suspeitos.

"Ele não dava detalhes, ele só falava que eles se conheciam há muito tempo. O Gustavo, eu cheguei a ver ele uma vez pessoalmente", conta.

"Quando ele me vinha falar alguma coisa, ele falava: ah, eu sou bem 'fuçado'! Eu sabia que ele gostava de mexer com essas coisas de computador."

Walter chegou a morar com a avó em Araraquara.

Otília Delgatti, avó de Walter, diz que a polícia costuma aparecer em sua casa. "Vem ver se ele tá, ele não tá, eles vão embora, né? É assim."

Em 2015, a Delegacia da Mulher de Araraquara recebeu uma jovem de 17 anos, a namorada do irmão de Walter. Ela contou que foi dopada e estuprada pelo hacker.

Ela disse que Walter filmou a relação sexual e espalhou o vídeo para amigos dela. Depois a jovem mudou o depoimento, negou o estupro e o caso foi arquivado.

Antes do arquivamento, a polícia foi até o apartamento de Walter e acabou descobrindo outro crime.

A polícia apreendeu vários medicamentos controlados e receitas médicas e também uma carteirinha de estudante de Medicina da Universidade de São Paulo. Na época, Walter disse que usava a carteirinha pra pagar meia entrada no cinema e pra enganar meninas, dizendo que era estudante de medicina. Ele foi preso por documento falso e tráfico de substâncias.

Na garagem do prédio, os policiais encontraram uma BMW sem as rodas.

Walter foi preso novamente em 2015, quando tentou entrar sem pagar no parque Beto Carrero, em Santa Catarina, usando uma carteira falsa de delegado de polícia.

Nessa viagem, Walter estava com Gustavo Henrique Elias Santos e a namorada dele, Suelen Priscila de Oliveira - o casal que também é acusado de participar do hackeamento de autoridades.

No mês passado, Walter deu sinais de que estava preocupado com a polícia.

O episódio aconteceu em Araraquara e foi narrado por uma jovem que teve relações sexuais consentidas com ele, dentro de um Land Rover. Ela registrou um boletim de ocorrência dizendo que quando eles passavam de carro perto da rodoviária, Walter viu uma viatura de polícia. Ficou muito nervoso. Expulsou a jovem do carro. Ela não conseguiu nem pegar as chaves de casa.

47 dias depois, Walter Delgatti Neto foi preso pela Polícia Federal em um apartamento em Ribeirão Preto, alugado em nome de Danilo Cristiano Marques - o outro acusado de hackear telefones, que também está preso.

No depoimento à Polícia Federal, Danilo disse que não conhece nenhuma ocupação profissional que tenha sido exercida por Walter, ao longo dos anos. Falou que o amigo sempre teve confusões com a polícia e relatava ser vítima constante de extorsões.

Danilo contou aos policiais que Walter às vezes aparecia com carros luxuosos e que a ostentação de patrimônio atraía a atenção da polícia.

Afirmou que não sabe dizer como Walter conseguia dinheiro para pagar as extorsões nem para comprar os veículos.

Disse que emprestou o nome para Walter alugar o imóvel, em nome da amizade, sem receber nenhum pagamento ou vantagem por isso, que a internet do apartamento ficou em seu nome, Danilo, e que emprestou para Walter uma conta bancária. Pediu um cartão extra e só Walter movimentava essa conta.

Danilo confirmou que fez operações de câmbio, segundo ele, a pedido de Walter, que disse ter extrapolado o limite de compra de dólares.

A reportagem não conseguiu contato com o advogado de Danilo.

Na investigação, a Polícia Federal já tinha encontrado operações financeiras suspeitas, feitas em 2016 por Walter e Danilo.

Eles compraram dólares e euros em casas de câmbio dos aeroportos de Natal e do Rio de Janeiro, em um total de R$ 90 mil.

Segundo a polícia, os dois teriam comentado que usariam o dinheiro para comprar armas.

"O perfil dessas pessoas é relacionado a estelionato bancário eletrônico", afirma o coordenador de Inteligência da Polícia Federal João Vianey Xavier Filho, durante coletiva de imprensa. "Cartões de crédito e débito, o que é muito comum. E a Polícia Federal já tem alguma expertise nesse tipo de investigação", completa.

Ataques pelo Telegram

Em depoimento, Walter admitiu ser o autor dos ataques a telefones de autoridades através do aplicativo Telegram. Disse que, em março de 2019, descobriu que havia uma forma de acessar a conta de Telegram de outras pessoas.

Contou que inicialmente hackeou o celular do promotor de Araraquara Marcel Zanin Bombardi, responsável pela denúncia contra ele no caso dos remédios. Com a agenda da conta do telegram de Zanin, Walter foi invadindo celulares de outras autoridades da Justiça e de políticos.

De agenda em agenda, conseguiu hackear as contas de Telegram de membros da força-tarefa da Lava Jato no Paraná - entre eles, o procurador Deltan Dallagnol. Walter disse que, através do celular de Dallagnol, chegou ao número de telefone utilizado pelo ministro Sérgio Moro.

O hacker disse que resolveu procurar o jornalista Glenn Greenwald para enviar o conteúdo do Telegram dos procuradores da Lava Jato.

Glenn é fundador do site The Intercept Brasil, que desde o dia 9 de junho vem publicando diálogos atribuídos a Moro e a procuradores da Lava Jato. As conversas, mantidas no Telegram, mostrariam, segundo o site, que Moro não teria tido um comportamento isento como juiz da Lava Jato.

Para chegar a Glenn, o hacker afirma que invadiu celulares de outras autoridades. Na agenda da ex-presidente Dilma Roussef, encontrou o número da ex-deputada Manuela D'Ávila, do PC do B, que foi candidata a vice-presidente na chapa de Fernando Haddad, do PT, nas eleições de 2018.

Segundo ele, ligou para Manuela e pediu o contato de Glenn. Walter contou que inicialmente Manuela não estava acreditando nele. O hacker, então, enviou uma gravação de um áudio com conversa entre dois procuradores da República.

Segundo ainda o depoimento de Walter, logo depois ele recebeu uma mensagem de Glenn pelo Telegram afirmando que tinha interesse no material. O hacker disse à PF que foi aí que começou a repassar os conteúdos dos procuradores para o jornalista.

Numa rede social, a ex-deputada Manuela D'Ávila afirmou que recebeu uma mensagem de uma pessoa dizendo que tinha obtido provas de graves atos ilícitos, praticados por autoridades brasileiras e que gostaria de divulgar o material. Segundo a nota, Manuela repassou para essa pessoa o contato do jornalista Glenn Greenwald. Ela afirmou que a pessoa não se identificou.

Walter Delgatti Neto disse "que nunca recebeu qualquer valor, quantia ou vantagem em troca de material disponibilizado ao jornalista" Glenn Greenwald. O site The Intercept declarou que não comenta assuntos relacionados à identidade de suas fontes anônimas.

Gustavo, outro preso na operação desta semana, é o DJ Guga, que organizava festas em Araraquara.

Ele é amigo de Walter há anos e, no depoimento à Polícia Federal, disse que tem no Telegram uma mensagem de Walter se vangloriando de ser o autor da invasão do celular do ministro Moro. Declarou ainda que, numa conversa por telefone, Walter disse que iria vender o conteúdo das contas de Telegram de autoridades para o Partido dos Trabalhadores.

O PT afirmou que tomará as medidas judiciais cabíveis contra os agentes e os responsáveis pelo que classificou de "mais esta farsa". O partido disse ainda que é criminosa qualquer tentativa de envolver o PT num caso em que o ministro Sérgio Moro é que tem de se explicar à Justiça e em que o maior implicado era filiado ao DEM.

Walter Delgatti, o principal suspeito dos hackeamentos, era filiado ao DEM e foi expulso do partido na última quinta-feira.

Na casa em que Gustavo e Suelen foram presos, a polícia encontrou quase R$ 100 mil em dinheiro.

Gustavo contou à Polícia Federal que estava com Walter quando ele foi preso com cartões de banco e cheques falsos. Na ocasião, segundo Gustavo, Walter tinha um extrato bancário de R$ 1,8 milhão na conta. Gustavo afirmou que Walter tinha fraudado o extrato, com o objetivo de se vangloriar.

A investigação da Polícia Federal descobriu que Gustavo e a mulher, Suelen, movimentaram R$ 627 mil em 5 meses. Mas o casal declarou renda mensal de R$ 5 mil.

Gustavo diz que é investidor de criptomoedas, principalmente bitcoin. Perguntado onde estão as senhas e chaves de acesso de suas contas, permaneceu em silêncio.

"O meu cliente nega, o Gustavo nega que tenha hackeado, ele nega veementemente, [diz] que não tem envolvimento nenhum com isso, né, a Suelen, fica difícil até de ela negar, porque todas as perguntas que foram feitas pra ela, ela nem entendia do que se tratava, né?", afirma Ariovaldo Moreira, advogado de Gustavo e Suelen.

Em depoimento, Suelen também não soube dizer qual a profissão ou ocupação de Walter. Declarou que ele aparentava possuir recursos financeiros, porque sempre frequentava bons restaurantes e hotéis de qualidade.

Mas a vida de ostentação virou caso de polícia em São Paulo. Em 2015, a administração de um hotel o acusou de ter ido embora sem pagar R$ 1 mil. Em outro hotel, foi acusado de pagar a conta com cartão de outra pessoa. O hotel procurou o dono do cartão, que disse que Walter era um estelionatário.

A jovem de Araraquara que conheceu Walter foi vítima de hackeamento, este ano.

"Exatamente no dia 22 de maio, eu recebi uma ligação do meu próprio número. E aí o Telegram também me enviou uma mensagem, dizendo que eu estava querendo o código de acesso... é uma coincidência muito estranha mesmo, ter o telefone hackeado no mesmo período, uma semana antes que o Sérgio Moro teve."

Ela chegou a desconfiar que Walter pudesse ser o responsável por isso.

"Pode ser que tenha uma relação, sim, eu creio que sim."