Brasil

Por que o Brasil não tem como saber se suas barragens são seguras

Os dois maiores acidentes com barragens do Brasil envolveram estruturas classificadas como de "baixo risco", por terem monitoramento constante e documentação em dia. Só em Minas Gerais, existem 400 minas paralisadas ou completamente abandonadas.

Por G1 02/03/2019 11h10
Por que o Brasil não tem como saber se suas barragens são seguras
Reprodução - Foto: Assessoria

Os dois maiores acidentes com barragens do Brasil – em Brumadinho (MG) e Mariana (MG) – envolveram estruturas classificadas como de baixo risco, com documentação em dia segundo a legislação atual e administradas por empresas de grande porte.

Mas só em Minas Gerais, por exemplo, há 400 minas paralisadas, sem controle ambiental ou completamente abandonadas, de acordo com levantamento da Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam).

Se estruturas que contam com inspeções regulares e funcionários qualificados podem entrar em colapso, como assegurar a estabilidade de todas as barragens no Brasil?

Especialistas e auditores ouvidos pela BBC News Brasil afirmam que, considerando o modo como a fiscalização é feita hoje, é impossível saber ao certo quão seguras são as barragens brasileiras.

Segundo o secretário de Infraestrutura Hídrica e Mineração do Tribunal de Contas da União, Uriel Papa, a Agência Nacional de Mineração (ANM) não tem funcionários em número suficiente para cumprir atribuições, como fiscalizar in loco as barragens do país.

A agência depende de inspeções contratadas pelas próprias mineradoras. E não conta, segundo Papa, com um sistema eficiente para validar os dados fornecidos pelas empresas.

Casal do Sul de Minas trabalhou no resgate de vítimas de Brumadinho (MG) — Foto: Arquivo Pessoal

"Além disso, há estruturas de mineração completamente abandonadas por companhias que cessaram suas atividades, como a barragem Mina Engenho, que fica na cidade Rio Acima, na Grande Belo Horizonte, e que é considerada de "alto risco". A estrutura pertence à Mundo Mineração, do grupo australiano Mundo Minerals. "A nossa gestão é muito falha, é reativa. A gente quer gerenciar o caos, mas não evitar que ele aconteça", define a engenheira Rafaela Baldí, especialista em segurança de barragens e autora do livro Manual para Elaboração de Planos de Ação Emergencial para Barragens de Mineração. Conflito de interesses As barragens são classificadas quanto ao risco com base em relatórios de estabilidade que levam em conta critérios como o método usado para sua construção e o potencial de dano à vida humana que um eventual rompimento pode provocar. A legislação brasileira prevê que as próprias mineradoras contratem empresas para realizar vistorias periódicas e inspeções. A frequência desse monitoramento depende do tipo de estrutura - as de alto potencial de dano devem ser acompanhadas quinzenalmente.

A ANM também deve realizar vistorias próprias em barragens de alto risco e avalizar os laudos fornecidos pelas mineradoras.

A barragem 1 de Brumadinho, da Vale, que rompeu matando ao menos 166 pessoas (há hoje 147 desaparecidos), era classificada como de "baixo risco" e "alto potencial de dano".

Especialistas apontam 'conflito de interesses' no sistema atual de monitoramento de barragens — Foto: Raimundo Carlos Dias de Matos/Divulgação

Um laudo assinado por engenheiros da TUV Sud, empresa alemã contratada pela Vale, havia atestado a estabilidade da estrutura no final de 2018. As informações foram encaminhadas à ANM em dezembro. Mas, em depoimento ao Ministério Público Federal, o engenheiro Makoto Namba, da TUV SUD, relatou ter se sentido "pressionado" por um funcionário da Vale a atestar a segurança da barragem. O funcionário mencionado por Namba negou, também depoimento ao Ministério Público, que tenha insistido para que o engenheiro assinasse o documento.

O episódio envolvendo a Vale e a TUV SUD evidenciam a possibilidade de "conflitos de interesses" influenciarem a elaboração dos laudos.

"Quem contrata é a própria mineradora, então não é impossível dizer que há aí um conflito de interesses. Você tem um contratante interessado em determinadas características de laudo", ressalta Uriel Papa.

Estrutura de fiscalização precária

Ainda que uma inspeção tenha cumprido os prazos e classificado as estruturas como de "baixo risco", auditores do TCU, promotores e especialistas em segurança afirmam que o Estado brasileiro não tem, atualmente, condições de verificar a confiabilidade das informações prestadas por mineradoras e prestadoras de serviço.

Resgate da equipe de SC em Brumadinho — Foto: Corpo de Bombeiros/ Divulgação

Para Uriel Papa, do TCU, alguns mecanismos simples poderiam ser usados para mitigar os riscos de fraudes e imprecisões nos laudos.

Ele cita como sugestão criar um cadastro de empresas avaliadas e habilitadas pela Agência Nacional de Mineração para realizar as inspeções. As empresas mineradoras teriam que contratar terceirizadas que já tivessem passado por uma avaliação e que constassem desse banco da agência reguladora.

"Você também pode exigir um rodízio dessas empresas, para evitar que uma mesma companhia seja sempre contratada pela mesma mineradora", acrescenta.

Outras opções para mitigar riscos passam, segundo ele, por aumentar as sanções (multas e suspensões de atividades) às mineradoras que atrasarem o envio de informações ou que forneçam dados imprecisos.

Em 2016, após o rompimento da barragem de Mariana (MG) em 2015, que resultou na morte de 19 pessoas e na maior tragédia ambiental do Brasil, o TCU verificou que a ANM tem muito menos servidores do que precisaria para fazer uma fiscalização eficaz.

Na regional da agência em Minas Gerais, onde está localizada a maioria das barragens, havia apenas 79 funcionários, entre servidores da área administrativa e técnicos. O número adequado, segundo informação fornecida pela ANM ao TCU, era 384.

"E o número de funcionários caiu de lá para cá. Hoje são 74. O contingente corresponde a 20% do que deveria haver para que a instituição desempenhe adequadamente o seu papel", afirma o secretário de Infraestrutura Hídrica e Mineração do TCU.

Em todo o Brasil só há 35 fiscais capacitados para fazer inspeção in loco nas barragens.

Resgate da equipe dos bombeiros de Santa Catarina em Brumadinho — Foto: Corpo de Bombeiros/ Divulgação

Ausência de plano original e plano de emergência (que seja útil)  Outro problema que fragiliza o controle sobre a segurança das barragens é a ausência de documentos com informações-chave para orientar uma inspeção de qualidade. Para estabelecer um diagnóstico das estruturas de mineração existentes no Brasil, a Agência Nacional de Mineração contratou uma consultoria em 2016 que analisou todas as barragens do país.