Brasil
Após 2 anos, 5 réus acusados de matar travesti Laura Vermont seguem soltos
Fotos dos vídeos mostram homens agredindo jovem de 18 anos em 20 de junho de 2015; MP e assistente da acusação querem inclusão de vídeo da agressão; juiz decidirá se grupo vai a júri popular
A travesti Laura Vermont, de 18 anos, foi morta a socos e pauladas durante uma briga há exatos dois anos na Zona Leste de São Paulo. Neste período, os cinco réus acusados de agredi-la e matá-la seguem soltos. Sequer há decisão da Justiça para saber se eles serão julgados ou não pelo crime.
“Se estivesse viva, com certeza a Laura iria à Parada Gay”, disse a comerciante Zilda Laurentino, de 52 anos, mãe da travesti, sobre a Parada do Orgulho LGBT realizada no último domingo (18) na Avenida Paulista. “A última vez dela no evento foi dias antes de ser brutamente assassinada por esses ‘monstros’.”
Os "monstros", segundo Zilda, que nas redes sociais adotou o sobrenome Vermont em homenagem à filha, são Van Basten Bizarrias de Jesus, de 26 anos; Iago Bizarrias de Deus, de 24; Jefferson Rodrigues Paulo, 26; Bruno Rodrigues de Oliveira e Wilson de Jesus Marcolino, 22. Além de amigos, parte dos cinco rapazes são parentes.
O G1 não conseguiu localizar os acusados ou seus advogados para comentarem o assunto.
Câmeras de segurança gravaram o grupo batendo em Laura em 20 de junho de 2015. Outro vídeo mostra a travesti caminhando com o rosto ensanguentado. O funcionário do posto que gravou as imagens com o celular pergunta: “O que foi?”. A vítima responde e pede ajuda: “Você sabe como é que é. Você me leva para o pronto-atendimento?”
Apesar das filmagens, uma decisão judicial de agosto de 2015 revogou a prisão dos cinco jovens por entender que eles colaboraram com investigação policial, assumindo a agressão a Laura. O Ministério Público (MP) e a assistente de acusação pediram à Justiça para que os vídeos sejam incluídos no processo. Atualmente, só fotos dos vídeos constam no documento. O G1 teve acesso a algumas dessas fotografias das agressões que circulam via WhatsApp e as divulga acima.
5 réus
Em sua decisão, a juíza Érica Aparecida Ribeiro Lopes e Navarro Rodrigues justificou a soltura alegando que “não havendo indícios de que os acusados tenham procurado furtar-se à sua responsabilização criminal ou prejudicar a instrução probatória, pois confessaram a prática do delito e individualizaram suas condutas, entendo cabível a substituição da custódia preventiva pelas seguintes medidas cautelares".
Entre as medidas cautelares que os cinco réus terão de cumprir estão: permanecerem em São Paulo; não frequentarem bares ou casas noturnas que vendam bebidas alcoólicas; não saírem de suas residências à noite e nos finais de semana; além de não procurarem testemunhas e parentes de Laura.
O juiz Luís Filipe Vizotto Gomes, da 1ª Vara do Júri no Fórum da Barra Funda, Zona Oeste da capital, deverá decidir se os acusados devem ser julgados ou não pelo crime de homicídio. Caso submeta os réus a júri popular, ele deverá marcar uma data para o julgamento. O promotor do caso é João Carlos Calsavara, representante do Ministério Público (MP), responsável pela acusação.
A soltura dos réus revolta os familiares de Laura ainda hoje. “Tem vídeos que mostram a agressão, mas mesmo assim ainda não prenderam essa cambada de ‘monstros’?!”, criticou Rejane Laurentino, 35, comerciante e irmã de Laura. “Só a gente sabe a falta que minha irmã faz e a dor que deixou. Enquanto isso, tem esses vagabundos curtindo a vida.”
Os parentes da travesti também não concordam com a conclusão da Polícia Civil, de que a agressão que causou a morte de Laura foi causada por uma discussão. “Não foi isso. Para mim a motivação do crime foi homofóbica ”, disse Rejane. "Esses rapazes mexeram com ela, e ela retrucou, aí eles foram para cima agredi-la. Isso é homofobia", completou Zilda.
LGBT
O fato é que o assassinato de Laura provocou a reação de travestis nas redes sociais. A repercussão foi tamanha que, em julho de 2016, a prefeitura inaugurou o Centro de Cidadania LGBT 'Laura Vermont', em homenagem à travesti. O local fica na mesma via onde ela foi morta, a Avenida Nordestina, em São Miguel Paulista.
A expectativa da advogada Carolina Souza Dias Gerassi, assistente da acusação, contratada pela família de Laura para defender os interesses dos parentes da vítima, é a de que os réus sejam levados a julgamento.
“Infelizmente processos judiciais são notoriamente lentos. Nesse caso em específico, como os réus respondem o processo soltos, já que tiveram a prisão preventiva substituída rapidamente por liberdade provisória, há prioridade no julgamento e prática dos demais atos processuais de feitos com réus presos em detrimento da celeridade destes em que os réus respondem o processo em liberdade”, disse a advogada.
O MP e a advogada entraram com recurso contrário a soltura dos acusados, mas esse pedido ainda não foi julgado.
“Tivemos informações que eles foram viajar e frequentavam bares a noite, isso significa que violaram as condições impostas pelo juízo para que permanecessem em liberdade provisória", disse Carolina. "Entretanto, da mesma forma que ocorre com o processo em primeira instância, o fato de eles estarem soltos, faz com que o julgamento do recurso não seja prioritário para o Tribunal de Justiça [TJ].”
Traumatismo
De acordo com a investigação policial, Laura, que tem no registro o nome de David Laurentino Araújo, brigou com várias pessoas antes de morrer, chegando até a roubar um carro da Polícia Militar (PM). Segundo o 32º Distrito Policial (DP), Itaquera, que investigou o caso, câmeras de segurança de uma padaria gravaram a briga entre os cinco rapazes e a travesti. A investigação descartou a possibilidade de o crime ter sido motivado por homofobia.
Para a polícia, a morte da travesti decorreu de um desentendimento entre os envolvidos. Laudo do Instituto Médico-Legal (IML) concluiu que a causa da morte da travesti foi em decorrência do traumatismo craniano que ela sofreu.
“Um dos detidos confessou que pegou um pedaço de pau e deu três pauladas na cabeça de Laura”, afirmou em julho de 2015 o delegado José Manoel Lopes, que investigava se mais pessoas contribuíram para a morte da travesti.
Transexual
De acordo com o delegado, na madrugada de 20 de junho, antes de apanhar dos cinco rapazes, Laura havia pego carona com o cliente de uma travesti amiga dela, que se prostituía, e se desentendido no veículo com as duas pessoas. Ela queria que o rapaz a levasse para sua casa, mas ele se recusou, segundo a polícia. Durante a discussão, Laura cortou a colega com um canivete.
Segundo o delegado, o motorista parou o veículo e as duas desceram na Avenida Pires do Rio e continuaram a brigar. Foi quando um motoboy passou e arrancou o canivete das mãos de Laura, que estaria alterada. “A investigação aguarda o resultado dos laudos periciais para saber se ela consumiu drogas e bebida”, disse Lopes na época do crime.
Em seguida, de acordo com o delegado, Laura atravessou a avenida e se desentendeu com um casal, puxando o cabelo de uma mulher. Depois, ela passou em frente a uma padaria da Avenida Nordestina onde estavam cinco jovens que haviam bebido no local. Ao passar por eles, a travesti teria discutido com o grupo, que passou a agredi-la.
PM
Posteriormente, a PM foi à região para atender um chamado por conta da briga entre Laura e os rapazes. Ao chegar ao local, dois policiais militares contaram que a travesti entrou no carro da corporação, se aproveitando de um momento de distração dos agentes, e dirigiu até bater num muro. Durante o trajeto, um policial estava dentro do veículo tentando impedir o roubo.
Esse policial, que é o soldado Diego Clemente Mendes, de 22 anos, ainda atirou no braço de Laura. Ele e o sargento Ailton de Jesus, de 43 anos, teriam deixado de socorrer a travesti.
O corpo de Laura foi encontrado esfaqueado e com um tiro no braço. Os policiais Diego e Ailton chegaram a ser presos pela Polícia Civil por mentirem durante o depoimento que prestaram sobre o caso no 63º DP, Vila Jacuí. Depois foram soltos por decisão da Justiça.
Eles teriam omitido o fato de que um deles atirou no braço da travesti, que sobreviveu ao disparo. A dupla ainda teria orientado uma testemunha a omitir o disparo, dando a ela uma folha de papel com o que deveria falar. O MP não denunciou os dois PMs, mas solicitou que eles fossem investigados por seus superiores pela suspeita de terem cometido crimes de falso testemunho e fraude processual.
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