Brasil
Delatores dizem que Odebrecht pagou para ter influência no BNDES e na Camex
Com propina, empresa conseguiu agilizar processos dentro dos órgãos; BNDES disse que instaurou uma comissão interna para apurar o caso e que mudou procedimentos para exportação em 2016
Odebrecht pagou propina para ter acesso a documentos sigilosos e influenciar em decisões do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e da Câmara de Comércio Exterior (Camex), de acordo com depoimentos de ex-executivos da Odebrecht ao Ministério Público Federal. A empresa também atuava para tentar definir políticas econômicas que a interessavam, como a criação de um banco de fomento às exportações.
Os delatores Fernando Reis e Antonio de Castro afirmaram que a ex-funcionária do Banco Central e da Camex Maria da Glória Rodrigues fazia o meio-campo da empreiteira com câmara. Mesmo fora dos órgãos públicos, ela continuava mantendo influência e atuando como uma espécie de consultora da Odebrecht nas questões de créditos para exportação. Nas planilhas de propina, ela recebeu o apelido de "Barbie".
Reis conta que em 2006 ela tinha um "crédito" de R$ 10 milhões para receber de forma parcelada da Odebrecht. Além de valores por sua consultoria, seus pagamentos estavam associados a uma taxa de sucesso dos projetos da Odebrecht na Camex.
"Maria da Gloria tinha sido uma assessora enquanto era funcionária e nos ajudava com informações. E, apesar de já ter saído, continuava influenciando (na Camex)", disse Reis, que foi presidente da Odebrecht Ambiental. Segundo Castro, ela tinha forte influência técnica na Camex, porque a maior parte das regras de exportação no Brasil foram criadas por ela.
A Camex é o órgão responsável por definir as diretrizes do comércio exterior brasileiro, como tarifas de importação, realização de acordos bilaterais e a política de financiamento de exportações. De acordo com os relatores, o maior interesse da Odebrecht era sobre as atividade dos Comitê de Financiamento e Garantia das Exportações (Cofig), órgão vinculado à Camex. O Cofig tem como membros representantes dos ministérios do Desenvolvimento, Fazenda, Relações Exteriores, Planejamento, Agricultura, Casa Civil e Tesouro Nacional.
Existem programas federais nos quais o governo concede um crédito para os importadores de produtos brasileiros -o comprador paga a prazo e a empresa exportadora recebe à vista. Além da concessão do crédito, o financiamento envolve a aprovação de um seguro para o exportador, concedido pela União, com base em garantias dadas pelo importador. A análise dos casos que se enquadram nesses programas passa pelo Cofig.
Crédito sem garantia
Os delatores contaram que Maria da Glória também ajudava na aprovação de novos projetos no Cofig. Castro disse que ela atuou em favor da empreiteira em países como Angola e Moçambique. Ela ajudava a companhia e os governos estrangeiros a se adequarem aos parâmetros para financiamento brasileiro de obras que seriam tocadas pela Odebrecht.
"No caso de Moçambique, eu acho que ela teve uma interferência forte. Moçambique é um país extremamente pobre, não tinha uma garantia real pra oferecer. Então ela [Maria da Glória] criou uma figura de um trust, criou uma engenhoca legal, mas que era criativa e, pra isso, precisava ter conhecimento e convencimento com as pessoas", relatou Castro, que atuou na área de exportações da Odebrecht.
Segundo ele, Maria da Glória viajou a Angola e Moçambique para negociar contratos e enquadra-los para passar nas regras brasileiras. No caso de Angola, ela definiu uma estrutura que as garantias oferecidas por Angola para conseguir crédito com o Brasil para comprar da Odebrecht era o petróleo. "Tinha uma famosa conta petróleo que muito antes de eu chegar, anos antes, ela ajudou a conceber aquela forma de tal modo que era assim: o Brasil emprestava dinheiro e recebia os pagamentos em petróleo", disse.
Maria da Gloria apresentou à Odebrecht uma funcionária da Camex, Lytha Spíndola, que também recebia dinheiro para agilizar processos da empreiteira. Na planilha de propinas, ela era a "Arisca".
"Quando chegava o projeto na Camex, tinha um trâmite burocrático, demorado, tinha que consultar e tal, entendeu? Vai subir ministro, aquelas coisas. E ela [Lytha], com o poder que ela tinha, com a rapidez que ela tinha, ela ia, botava em pauta, era essa agilização que a gente precisava, entendeu?", afirmou o delator.
Segundo Castro, Lytha ganhou uma porcentagem, cerca de 0,1%, dos contratos para obras no aeroporto de Nacala, em Moçambique, e de uma rodovia, na República Dominicana. Os projetos contavam com financiamento do governo brasileiro. O delator não lembrou o total pago à funcionária, mas disse que pode ter sido cerca de US$ 100 mil.
Informação privilegiada
Castro também relatou que "Barbie" participava das reuniões da Camex e entregava a ata da reuniões em minutos para ele. Isso ajudava a companhia a ter informações rápidas para se preparar para responder a eventuais pedidos de adequação em projetos.
Outro contato da Odebrecht na Cofig era Flavio Dolabella, que era coordenador geral da Secretaria de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda e representante do órgão na Cofig no início dos anos 2010. Ele recebia pagamentos mensais e entregava atas de reuniões para a empreiteira.
O esquema da Odebrecht para influenciar no Cofig era antigo. Os delatores relatam que conheceram Luiz Eduardo Melin quando ele era funcionário do Ministério da Fazenda e membro do Cofig. Melin chegou a ser chefe de gabinete do então ministro da Fazenda, Guido Mantega. Em 2011, assumiu a função de diretor da área internacional do BNDES.
Interferência no BNDES
Outro delator, João Nogueira, ex-diretor crédito à exportação da Odebrecht, afirmou que a empresa também mantinha influência sobre o BNDES por meio de Melin. Segundo ele, a empresa firmou um contrato a DM Desenvolvimento de Negócios Internacionais, de Álvaro Vereda, indicado por Melin. Era por meio da DM que o pagamento de propina era feito, de forma oficial, como serviço de consultoria.
O delator ressaltou que, quando assumiu a função em novembro de 2010, o próprio Melin disse que Vereda poderia ajudar na estruturação de crédito à exportação e sugeriu a renovação do contrato com a DM, com a anuência de Marcelo Odebrecht.
O próprio Marcelo deu detalhes, em um de seus depoimentos, sobre a contratação da empresa de consultoria do Vedera, por R$ 12 milhões, para agradar o Melin.
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