Brasil
Suicídio de jovens desafia pais e acende alerta para jogo mortal e série de TV
Seriado "13 Reasons Why" e Jogo da Baleia Azul colocam tema no centro do debate
Luis Fernando Hauy Kafrune, de 19 anos, e Kaena Novaes Maciel, de 18, foram encontrados mortos no domingo de Páscoa, no hotel Maksoud Plaza, na Bela Vista, no centro de São Paulo. A principal hipótese, para a polícia, é de que os dois fizeram um pacto de morte: Kafrune deu um tiro na cabeça da namorada e se matou em seguida. Kaena, segundo informações do jornal Extra, assistiu à série “13 Reasons Why” (“Os 13 Porquês”), da Netflix, uma semana antes do crime. O seriado tem como linha mestra o suicídio da protagonista. No Paraná, a Polícia Civil está investigando sete tentativas de suicídio de adolescentes, ocorridas nesta terça-feira (18), em Curitiba. A Secretaria municipal de Saúde de Curitiba suspeita que exista uma relação com o jogo conhecido como Baleia Azul. Os jovens tinham sinais de automutilação e de ingestão de remédios. O secretário municipal de Saúde, João Carlos Baracho, disse que chamou a atenção a repetição do padrão de comportamento. O jogo conduz os participantes a cumprirem 50 desafios, tais como: escrever com uma navalha o nome daquele grupo na palma da mão, cortar o próprio lábio, desenhar uma baleia em seu corpo com uma faca. O desafio final ordena que o jogador tire a própria vida. O Brasil já registra casos suspeitos de suicídio por causa do jogo em Minas Gerais, Santa Catarina e Mato Grosso. Para Ana Flávia Costa Parenti, coordenadora do curso de Psicologia da Universidade Cidade de São Paulo, especialista em comportamento do adolescente, nem a série, nem o jogo estão incentivando as atitudes dos jovens. Mas estão, com certeza, trazendo à tona um tema espinhoso e real. — A série se aproxima dos jovens. Assuntos como violência sexual e o bullyng já se fala muito. O suicídio não é abordado, nem nas famílias, nem nas escolas. A importância é jogar luz nesta realidade. Segundo a OMS, a cada 40 segundos ocorre um suicídio no mundo. Não se trata, portanto, de um aumento de casos ou de incentivo, mas de uma maior exposição. Eles estão aí, mas não são falados. É hora para fazer com que o assunto deixe de ser um tabu e seja encarado como uma questão de saúde pública. — As pessoas sempre ficam chocadas quando alguém próximo se suicida pois ninguém enxerga os sinais que uma pessoa está pensando em suicídio dá. Os pais, familiares, devem se ficar atentos. Quem busca esse jogo tem potencial suicida anterior.
O primeiro passo, na opinião de Ana Flávia, é acabar com preconceito, com a ideia de que quem se mata o faz por ser fraco, por não saber lidar com os problemas.
— Uma pessoa para chegar nesse ponto é porque muito sofrimento passou naquela cabeça, muita angústia.
Jovens e adultos em processo depressivo formam uma população de risco para o suicídio. Pessoas que tentam suicídio também. Para cada suicídio consumado, há 5 tentativas. No Brasil, há quase 17 milhões de pessoas diagnosticadas – sem contar as que não sabem que têm a doença. Ouvir a todo instante que é uma fase, que é frescura, desampara o paciente. — Quem ouve esse tipo de comentário, conclui que não tem apoio. Não vai passar, não é uma fase. A família e os amigos têm de mostrar ajuda, saber que é um problema sério, procurar ajuda médica, tomar medicação, buscar psicoterapia.
Segundo Tania Paris, da Associação pela Saúde Emocional de Crianças, ninguém se mata por opção, mas por falta de opção.
— As pessoas se suicidam por não encontrarem alternativa para aliviar a dor emocional que sentem. Sem alívio, a dor pode roubar o discernimento e levar a um ponto em que é difícil voltar sozinho.
Baleia Azul é criminoso Para o advogado criminalista Luiz Augusto Filizzola D’Urso, do escritório de advocacia D’Urso e Borges Advogados Associados, as consequências do jogo da Baleia Azul já estão acontecendo e é preciso agir. Aparentemente, o que nasceu de um boato, na Rússia, em 2015, se tornou realidade.
— Recentemente, no Brasil, a imprensa divulgou que uma jovem de 16 anos, de Vila Rica/MT, cometeu suicídio, além de um menino de 19 anos, de Pará de Minas/MG, ambas as mortes atribuídas ao jogo Baleia Azul. Na Paraíba e no Rio de Janeiro já estão em andamento investigações referentes à recente popularização deste game criminoso.
D’Urso ressalta que a conduta dos responsáveis é criminosa. O crime cometido pelos criadores e administradores é de induzimento ou instigação ao suicídio, podendo ser extensivo a qualquer um que convide ou compartilhe para outra pessoa jogar.
— Este ilícito se consuma quando o jogador (convidado) realiza o desafio final de tirar a própria vida. O tipo penal é o previsto no artigo 122 do Código Penal brasileiro, de induzimento, instigação ou auxílio a suicídio, com pena prevista de reclusão de dois a seis anos, podendo a pena ser duplicada caso a vítima seja menor de 18 anos (situação predominante dentre as vítimas deste jogo).
Como todo crime cometido no ambiente virtual, a investigação e punição dos responsáveis é mais difícil. Para D’Urso, uma forma de coibir seria remover o acesso às páginas. Primeiro bloquear o acesso, tirar do ar o site, e depois partir para a identificação dos criminosos. Denunciar as páginas no Facebook e apontar os grupos secretos também pode ajudar.
Caso encontre algum grupo no Facebook que faça apologia ao jogo denuncie, para denunciar um grupo: Vá para o grupo que deseja denunciar. Clique em no canto superior direito e selecione Denunciar grupo. Selecione o que há de errado com o grupo e clique em Continuar
Lei mais severa
Outra medida que pretende inibir a disseminação do jogo é o projeto de lei 7430/2017, proposto pelo lídero do Solidariedade, deputado federal Aureo (RJ), que propõe aumento de pena a quem induzir outro ao suicídio por meios digitais e torna crime o incentivo, pela internet, à automutilação ou exposição ao perigo. As mudanças seriam feitas nos artigos 122 e 132 do Código Penal (Decreto Lei 2.848/1940).
— Devemos ficar atentos a esses casos que ameaçam a vida dos nossos filhos. A Câmara não pode permitir que criminosos travestidos de jogadores ameacem e influenciem o futuro dos nossos jovens.
Mudar a lei pode ajudar a punir de forma mais severa os culpados, mas ainda é fundamental que pais, mães, familiares e educadores fiquem de olho no que os jovens fazem no ambiente digital. E conversem com seus filhos ao menor sinal de instabilidade emocional. Suicídio não é brincadeira. É dilacerante ver as imagens do circuito de segurança do hotel Maksoud, mostrando o casal Luis Fernando Hauy Kafrune, de 19 anos, e Kaena Novaes Maciel, de 18, chegando sorridentes ao local. Para nunca mais saírem.
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