Brasil
Número de concessões de refúgio no Brasil cai quase 30% em um ano
Presidente do Conare nega endurecimento de regras e diz que houve um maior número de pedidos de estrangeiros que não se enquadram nos critérios. Comunidade síria cresce, mas em menor número que em anos anteriores
O número de concessões de refúgio no Brasil caiu 28% no ano passado. É o que mostram dados do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), do Ministério da Justiça, obtidos pelo G1. Em 2016, foram deferidas 886 solicitações feitas por estrangeiros. Em 2015, foram 1.231.
A taxa de pedidos aceitos também caiu. Em 2016, foram julgados em plenária pelo Conare 1.988 processos. Em 2015, foram 1.423. Ou seja, menos da metade dos processos foi deferida no ano passado.
O secretário nacional de Justiça e presidente do Conare, Gustavo Marrone, diz que há um motivo técnico para essa redução: um aumento de pedidos de estrangeiros que não se enquadram nos critérios. Ele nega que tenha havido um endurecimento das regras pelo novo governo. “A política continua exatamente a mesma”, diz.
“Em 2014 e 2015, a maioria dos processos julgados era de sírios, que chegavam com parecer da Acnur [Agência da ONU para Refugiados] atestando a situação de refugiados. Então os processos eram julgados de forma muito mais rápida. Todos eram deferidos. Em 2016, identificou-se que muitos dos casos não eram de refúgio, mas de migrações econômicas. Houve muitos pedidos de venezuelanos, libaneses e senegaleses, em que foi preciso avaliar caso a caso, entrevista a entrevista. Muitos deles saem de seus países para tentar uma melhor qualidade de vida e não se enquadram como refugiados.”
Marrone afirma que houve também uma menor parcela de sírios requerendo o benefício no ano passado. Ainda assim, um em cada quatro estrangeiros que obtiveram o status em 2016 é sírio. Foram 230 refúgios concedidos a habitantes do país, que vive uma guerra civil sem precedentes.
O Brasil conta hoje com 8.950 refugiados de 80 nacionalidades diferentes, sendo 2.480 sírios (mais de 1/4 do total). Há ainda 1.468 reassentados, isto é, estrangeiros que conseguiram refúgio em um país e, por alguma circunstância, precisaram migrar para um terceiro, totalizando 10.418 pessoas. Outros 25 mil estrangeiros aguardam a análise de seu processo.
Para o presidente do Conare, enquanto houver o conflito na Síria, o Brasil seguirá monitorando a situação no país e acolhendo as pessoas.
O refúgio é um direito de estrangeiros garantido por uma convenção da ONU de 1951 e ratificada por lei no Brasil em 1997. Segundo o Ministério da Justiça, o refúgio pode ser solicitado por "qualquer estrangeiro que possua fundado temor de perseguição por motivos de raça, religião, opinião pública, nacionalidade ou por pertencer a grupo social específico e também por aqueles que tenham sido obrigados a deixar seu país de origem devido a uma grave e generalizada violação de direitos humanos”.
Em reunião da ONU em setembro, o presidente Michel Temer se envolveu em polêmica ao “inflar” o número de refugiados no Brasil, contabilizando os haitianos.
Hoje, apenas quatro haitianos se enquadram nos requisitos e são considerados refugiados no Brasil. Os outros, que têm entrado ano a ano no país, não são reconhecidos. Para eles, há um visto especial humanitário, que permite que os habitantes do país da América Central, assolado por um terremoto em 2010, permaneçam no Brasil.
Marrone minimiza a polêmica em torno da fala do presidente. “É até possível classificá-los como refugiados hoje. Tanto a carta de Brasília como a de Nova York possibilitam essa expansão do conceito, desde que haja interesse dos países, para vítima de catástrofes naturais, o que a resolução da ONU não prevê. Então o número é sempre relativo.”
Segundo ele, os haitianos têm sido alvo de uma política diferenciada e têm recebido toda a atenção por parte do governo.
Desafios
O secretário nacional de Justiça lista dois desafios como os principais da pasta hoje. “O primeiro deles é melhorar o processo de refúgio. Ele não pode demorar de quatro a cinco anos para ser julgado. É um absurdo deixar uma pessoa que é vítima esperando para ter sua situação definida. Então o desafio é ter uma maior estrutura administrativa. Estão sendo feitos investimentos em pessoal, capacitação, para dar agilidade nesses processos. Um prazo razoável para um caso mais complexo é de um ano.”
A segunda missão, segundo ele, diz respeito à integração dos estrangeiros. “É preciso focar numa política para integração dos refugiados. Não adianta apenas receber e dar a documentação definitiva. É preciso fazer com que ele se integre na sociedade, consiga se adaptar, seja colocado no mercado de trabalho. E aí é preciso investir na acolhida quando o refugiado chega, promover cursos de português, capacitar e criar um programa de validação de diplomas.”
DadosOs congoleses aparecem mais uma vez na segunda posição entre os estrangeiros com mais refúgios concedidos. Foram 73 no ano passado. Conflitos entre governo e opositores do regime do presidente Joseph Kabila têm causado mortes e continuam a gerar pânico na população.
Na terceira posição entre concessões de refúgio em 2016 estão os paquistaneses (70) e na quarta, os palestinos (52).
As 15 nacionalidades com mais concessões em 2016 são:
Síria - 230 Rep. Dem. do Congo - 73 Paquistão - 70 Palestina - 52 Angola - 18 Colômbia - 17 Iraque - 17 Afeganistão - 12 Camarões - 12 Gana - 10 Guiné Conacri - 10 Togo - 9 Congo Brazzaville - 6 Sudão - 5 Bangladesh - 4O Brasil tem hoje entre os refugiados em seu território habitantes de seis das sete nacionalidades barradas pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Além dos 2.480 sírios, há 281 iraquianos, 65 sudaneses, 60 iranianos, 44 somalis e 2 líbios. Só não há naturais do Iêmen.
Trump, além de proibir viajantes dos sete países de entrarem no país, também suspendeu por 120 dias o recebimento de qualquer refugiado. Um juiz federal de Seattle, no entanto, suspendeu temporariamente a ordem executiva emitida pelo presidente. Nesta quinta-feira (9), o 9º Tribunal de Apelações dos EUA anunciou que decidiu manter a suspensão do decreto de imigração.
Marrone diz que prefere não comentar a questão interna dos EUA, mas reitera que o Brasil tem vocação e é referendado pela política de refúgio, aberta a receber a todos. “Não fazemos discriminação. Acolhemos todos os refugiados. Não há nenhuma política que limite o acesso e não pretendemos ter, muito pelo contrário.”
Refugiados no mundoDe acordo com a Acnur, 1 em cada 113 pessoas no planeta é solicitante de refúgio, deslocada interna ou refugiada. São mais de 65 milhões de pessoas.
A Síria (com 4,9 milhões de refugiados), o Afeganistão (com 2,7 milhões) e a Somália (com 1,1 milhão) totalizam mais da metade dos refugiados. Os países com o maior número de deslocados internos são a Colômbia (6,9 milhões), a Síria (6,6 milhões) e o Iraque (4,4 milhões).
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